quinta-feira, agosto 26, 2004

Só Para Adultos

O nosso balcão, local onde efectuamos o nosso extenuante trabalho, encontra-se por vezes repleto de pequenos livros. Livros com dizeres, cartas de Tarot, roteiros turísticos, enfim, de tudo um pouco. E, ultimamente, o balcão está povoado por pequenos livros de cariz, digamos, erótico, a roçar por vezes o deboche pornográfico. Como tal, estes livrinhos chamam várias vezes a atenção dos transeuntes. Temos, por exemplo, as crianças. Estas pegam nos livros e riem às escondidas, mostrando aos amigos. Claros, quando os pais os apanham, acontecem duas situações distintas. A mais normal acontece quando os pais, chocados, repreendem fortemente as crianças, lançando-nos imediatamente um olhar de reprovação. A outra situação, muito menos usual mas bastante mais saudável: os pais encorajam os filhos. “É pá filho, essa é toda boa, é bem, é bem…” ou “Eh lá! Tens bom gosto puto, boa, o que é que há mais aí?”. Sendo um estabelecimento que encara a vida com o espírito aberto, temos também livros no balcão para orientações sexuais alternativas. Que têm bastante sucesso, diga-se de passagem. Uma situação caricata e também frequente é o de homens, deleitando os olhos nas desnudas mulheres, abrirem mais um livro na esperança de vislumbrarem mais qualquer coisa, e deparam-se inesperadamente com dois machos latinos, bem peludos, em poses pouco ortodoxas. Ao olhar de espanto segue-se um intenso olhar de incerteza, que depois descamba num olhar de arrependimento profundo. No que a luxúria os meteu. Outro caso é o da rapariga que via o livro dos machos latinos meia escondida, e ao reparar que estava a ser observada por várias pessoas, incluindo eu, deixou cair o livro em cima do balcão, atrapalhada, voltando a pegar nele e perguntando de forma embaraçada: “Er, ah, hm, desculpe, tem, er, como é que se chama? Isto, qual é o título? Ah, obrigado.” E saiu porta fora, para nunca mais voltar. Os homens que procedem às entregas de livros também acham os livros do balcão bastante interessantes, parando quase sempre para dar uma olhadela. Ainda hoje, um cliente teve a ver os livros cuidadosamente, enquanto inquiria sobre os mais variados títulos. Ao finalizar as perguntas e a conversa, enquanto via o livro 100 Male Nudes, disparou: “MAS, PORQUE É QUE SÓ TEM HOMENS EM POSIÇÕESS ESTRANHAS?”. E lá foi ele, intrigado. Estes livros também afectam casais, em especial homens casados. É usual assistirmos a maridos tirarem atrapalhadamente os cartões da carteira enquanto não conseguem tirar os olhos dos livros. Com os poucos neurónios que lhes sobra para pensar, passam o cartão à mulher, dizendo “paga, paga. Paga tu, paga…” enquanto se viram de costas e começam a folhear rapidamente o livro, na ânsia de conseguirem devorar tudo o que puderem naquele curto espaço de tempo. Infelizmente ainda nenhum foi apanhado.
Os clientes que compram livros que envolvem algum tipo de pornografia, erotismo ou carácter sexual de alguma maneira, exibem sempre comportamentos estranhos e variados. Encontramos clientes que não abrem a boca, nem sequer para um boa tarde (sei que é habito, mas nestes casos é constante) e agem como se estivessem numa espécie de encontro entre agentes secretos. Dão o livro sem olharem, agem sempre tentando dissimular o acto de compra. O livro é sempre colocado no balcão com a capa para baixo, tentando disfarçar. Claro, quando a contracapa é composta por dois jovens italianos em poses duvidosas, não há muito por onde fugir. E há algo de curioso em ver clientes habituais, normalmente bastante soturnos e com postura bastante rígida, comprarem um livro como “Fantasias Eróticas”. E aquela saudosa idosa, que levou o livro “Sexo Fantástico”. Bons momentos. Outros, no entanto, ostentam alto a sua escolha literária. Exibem o livro sem qualquer tipo de falso pudor. E muitas vezes até metem conversa devido ao livro. Um caso recente foi o do casal que comprava o “Kamasutra para o homem” e deseja também a sua versão no feminino. E o cliente, não parava de provocar a sua companheira, sempre tendo a sua sogra e os livros de teor sexual em mente. Ela não estava nada divertida. Ao explicar-lhe que o livro que queriam não estava disponível, diz o cliente: “Que pena, não levas nada hoje!”. Que belo ambiente que se vivia ali. Depois, ao pagar, pediram-me para embrulhar um livro sobre sonhos para a sogra. Quando peguei no Kamasutra para colocar no saco, diz o cliente: “Não, esse não é para embrulhar! É MESMO PARA AGORA! EHEHEHE”. Que bonito. Não sujem é o chão da loja, nem nenhum livro, porque senão é uma chatice. E já agora deixem-me fugir. As coisas podiam ficar feias. Pensei em perguntar ao cliente se ele queria que eu embrulhasse a cabeça da sua companheira, algo que, na minha singela opinião, poderia melhorar e muito a sua noite. Isso sim, merecia ser embrulhado. Como provavelmente iria ser mal entendido, remeti-me ao meu habitual silêncio.
Ainda outro tipo de clientes parece vir furioso quando vem pagar ou pedir o livro. Ao chegar ao balcão, uma senhora pergunta: “Tem o Kamasutra lésbico?”. E aí pára e olha directamente para mim, com um olhar enfurecido, como se esperando que eu me descaísse e soltasse uma gargalhada, um riso ou apenas sorrisse. Qual leoa à espera que a presa esteja desprotegida, ela olhava carrancuda para mim, à espera que a mais pequena distracção minha a pusesse nas suas garras. Mas, mantive-me firme.
A nossa zona deste tipo de livros está ali, pronta para ser vista e usada. Como dizia um estimado cliente nosso, já de avançada idade, quando inquirido sobre se desejava ou não fazer uma encomenda: “Encomenda? Não! Os livros são como as mulheres. Gosto de os agarrar, tocar e mexer bem antes de comprar!”
E mais não digo.

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