quarta-feira, agosto 04, 2004

I'm easy like tuesday morning...

Não é meu apanágio trabalhar durante as manhãs aos dias de semana. Mas hoje, debaixo de um intenso nevoeiro, lá fui eu, qual D. Sebastião, rumo à loja. E, mais uma vez, pude comprovar que a clientela que preenche o espaço matinal do estamine é sem dúvida séria candidata a uma medalha na olimpíada do ridículo. É que não basta o número elevado de livros que chegam à livraria para dar entrada. Não, assim não tinha qualquer tipo de piada. Temos que levar também com clientes em plenas férias de Agosto, a caminho ou vindos da praia. É a refeição completa. Come-se e cala-se.
Num raro momento de calma na loja certa senhora dirige-se a mim com um livro entreaberto. Pensei logo que me fosse fazer qualquer pergunta que obviamente não saberia responder, ou então reclamar porque a capa tem um traço com 1mm de espessura ou está baça, ou ainda porque reflecte demasiado a luz. Desta vez não. A cliente prostra o livro no balcão, qual veraneante em plena praia, e pede com todo o à vontade do mundo: “Olhe, pode me fotocopiar só estas duas páginas?”. Pensei que tinha ouvido mal. Concerteza que só poderia ter sido esse o caso. Mas, infelizmente para a humanidade e felizmente para o blog, a senhora estava mesmo com essas intenções. Que alma severamente perturbada entra numa livraria e pede para tirar fotocopias de um livro para venda? Quando for a uma loja de software pego num jogo e digo logo: “Faça me aí uma cópia por favor”. É que, primeiro, nós não temos fotocopiadora, e, segundo, é altamente ilegal copiar livros. Se fossemos uma reprografia, pronto, ainda se percebe, agora uma livraria?! Devia tê-la denunciado às mais altas autoridades. Não pelo pedido ilegal, mas pela estupidez. Seria facilmente condenada, nem o Johnny Cochran a safava. E, vejam bem, a senhora ficou altamente indignada com a minha resposta, virando-se rapidamente, pousando o livro no primeiro sítio que apareceu e saindo prontamente da loja. Tenho um problema de atitude, está visto.
Tivemos a honra de ser visitados por uma clone da Nelly Furtado. Ao chegar ao balcão diz (com um belo português com sotaque de emigrante no Canadá que tinha os avós nos Açores e quis aprender português porque tem piada): “DESCULPA; TENS LIVROS INGLÊS?” Note-se a falta de artigos. Para quê complicar? Mas há mais. Além dela falar assim, também era excitada e irritante como a própria Nelly. O problema era que se ela desatasse a cantar “COME M’Á FORÇA, COME M’Á FORÇA” iríamos ter um problema gravíssimo devido ao estado solitário de certos colegas. Graças a Deus, tudo correu pelo melhor, a menina não abriu mais a boca e saiu tranquila da loja.
Noutro momento calmo, outra pessoa (talvez a 5ª do dia) pede o livro O Euro Em Imagens. É um livro muito pedido, mas nem por isso muito vendido. Talvez porque custa 17,5€. Dou o livro à senhora, e ela passa escrupulosamente página a página, enquanto vou atendendo outros clientes. Quando acabo, ela chega-se ao pé de mim com o livro. Eu pego no livro e pergunto se é para oferta. Ela diz que não leva o livro, porque, segundo ela: “É só imagens…”. A minha reacção, digamos, foi de um espanto tão grande quanto o do Ministro dos Assuntos do Mar quando ouviu os nomes das suas pastas. Que invulgar. Esses insidiosos autores. É vergonhoso. Eu chamava as autoridades competentes. Então esses energúmenos fazem um livro intitulado O Euro 2004 Em Imagens, e só põem imagens no livro? Que obscenidade, que falta de respeito, que barbaridade. Juro aqui, perante vós, que dilacerarei todas as cópias do livro presentes na loja. E mais. Estou a ligar à DECO neste momento, é uma vergonha. Realmente só alguém dotado de um Q.I. equivalente a um Newton ou mesmo a um Einstein é que poderia saber o que aquele livro continha verdadeiramente depois de ler o título. Qualquer pessoa que lê o título antevê evidentemente um livro denso, de parágrafos intermináveis com incompreensíveis dissertações filosóficas.
O que faz mais confusão de manhã é a minha dificuldade em mentalizar-me que estou a trabalhar de manhã. Por força do hábito digo boa tarde a toda a gente. Mesmo quando são 10 da manhã. As reacções são as mais diversas. Temos o cliente que olha para mim com um ar desconfiado, parecendo pensar “este jovem não está bem mentalmente”. Outros respondem agressivamente “bom dia!”. Há ainda aqueles que, dissesse eu bom dia, boa tarde, boa noite, lhes insultasse a pátria ou o partido, não responderiam. E por mais que eu diga algo, não me respondem. Quanto muito, e é preciso algo que toque o seu bloco de carvão duro e negro como a noite que tem no local do seu coração, abanam ligeiramente a cabeça para indicar sim ou não. Mas existem mesmo clientes que não comunicam de forma alguma. Já vi animais embalsamados bem mais sociáveis que certos clientes. Já pensei em levar um órgão, tipo Encontros Imediatos Do 3º Grau. Pode ser que ao tocar a célebre música eles reajam. Pensei igualmente em levar uma vara, e bater lhes levemente na testa até obter algum tipo de reacção. Posso também experimentar uns papéis grandes com letras garrafais. Um painel de luzes tipo Independence Day também seria bom. Mas o melhor mesmo seria um megafone. Quando dissesse bom dia e não respondessem, utilizava estrondoso megafone. Aí iam ouvir. Responder, talvez. Mas saberia bem. O nosso colega Greenpeace não tem qualquer tipo de contemplações. Quando algum cliente se dirige a ele e começa a falar sem saúda-lo convenientemente, interrompe-o com um sonoro “BOM DIA!”. Muitos param, fazem um ar comprometido, dizem bom dia e continuam. Outros obviamente, quais robôs com uma incumbência, continuam a falar como se a sua existência dependesse disso.
Como podem ver, as manhãs de Agosto são deveras interessantes.
Voltarei mais cedo ou mais tarde. Se depender dos clientes, amanhã por volta das 14:10, 10 minutos depois de chegar já estou a redigir. Contem com isso.

1 comentário:

Anónimo disse...
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