terça-feira, agosto 29, 2006

Peito de Cristo!

De regresso ao trabalho, tenho passado a maior parte do tempo na companhia do Mestre. E, para minha infelicidade, tenho reparado que ele é o maior iman de personagens que existe à face da terra. E eu pensava que só aconteciam coisas estranhas quando estava com o Gulbenkian no balcão... Numa manhã que passou, estávamos os dois no balcão, cada um ocupado no seu posto de trabalho quando um senhor chega perto do balcão, pára perto dele e diz: "Tem o livro... VAGINA?". O Mestre, reconhecido conhecedor da intimidade feminina, prontamente corrigiu o cliente, dizendo-lhe que o livro que procurava seria, provavelmente, "A História de V" das Edições ASA. "VAGINA, o livro chama-se VAGINA, é o que quero", respondeu o cliente e mal o Mestre tentou explicar-lhe que não temos um livro com esse título, o cliente diz imediatamente: "VAGINA.". Simplesmente "VAGINA.". Lá foi o Mestre levar o cliente até ao livro, que, obviamente, era o livro que ele tinha sugerido. "VAGINA." e foi-se embora.
Geralmente, quando partilhamos o balcão, esse espaço sagrado da loja, o Mestre fica encarregue da caixa, e eu, na mais pura inutilidade, apenas sirvo para abrir os sacos para que ele coloque lá os livros. Foi numa dessas ocasiões que um cliente, munido daquele magnífico sentido de humor que os clientes normalmente têm, diz: "Ena... É 2 em 1". A reacção da plateia foi o silêncio total, acompanhado de uma expressão de pesar profundo. Somos, como já referi, um público díficil.
Num daqueles períodos em que me encontrava sozinho na loja entrou um padre, que prontamente se dirigiu à zona dos mapas. Procurou, procurou, e, finalmente lá encontrou um mapa que parecia agradar-lhe. Abriu o mapa em cima da mesa dos álbums e ficou ali, durante largos minutos, a estudar o mapa. Eu acho que não temos mapas com o caminho para a salvação, mas eu não sou de fiar. Parece que o mapa estava de acordo com as rígidas normas católicas (ao que parece nunca tinha praticado um aborto ou feito sexo com preservativo) e o Sr. Padre trouxe-o até ao balcão para pagar. Pensei em fazer-lhe uma ou duas perguntas, mas tinha medo que ele me condenasse à eternidade no inferno. E eu teria que lhe dizer oh Sr. Padre, mas eu já trabalho numa livraria num centro comercial. Ele provavelmente choraria e absolviria-me de todos os meus pecados.
Já no Domingo de manhã, esse dia sagrado das personagens, num dos dias mais parados do ano, estava o Mestre a tentar resolver a questão dos pedidos de cliente e eu a beber Coca-Cola à porta do back-office, quando ouço, vindo da porta: "OH JOVEM! OH, JOVEM!". Se há coisa que eu aprendi, e que deveria ser ensinado a qualquer pessoa que trabalhe no atendimento ao público, é que se aparecer alguém à porta a gritar "OH JOVEM!" repetidamente é mau sinal. Fica o aviso. Bom, pousei a Coca-Cola e fiquei a ver o que se iria passar. O cliente, se assim se pode chamar, tinha um blazer azul, óculos fundo de garrafa, trazia uma pasta na mão esquerda e um cartão identificador no lado direito do blazer, escrito à mão. Ele entrou na loja e já vinha a falar desde lá de fora. Devo vos dizer que os primeiros dois minutos de conversa dele, a única coisa que conseguimos entender foi "livros medicinais", "gasto mil contos em livros", "plantas medicinais" e "oh jovem". O cliente tinha a voz completamente anasalada, dando toda uma nova dimensão à palavra "fanhoso". Já estávamos a achar aquilo altamente estranho, quando ele começa a dizer: "Eu sou o Dr. Astrólogo! Está aqui, está aqui!" e aponta para o identificador, escrito à mão, onde dizia, lá está, Dr. Astrólogo. "Mas você também é astrólogo, e o seu colega também! Você é astrólogo!" apontando para o Mestre. O Mestre é reverenciado por várias personagens ligadas ao sobrenatural e oculto, por isso eu não estava nada surpreendido. Mas o cliente continuou: "Eu sou astrólogo, quer ver?" e eu ai tive medo. Olha se ele diz que o Sporting ia ser campeão este ano? Eu entrava em coma já ali. Mas não. Foi muito pior. "Tem Bíblias? Mas eu quero Bíblias cristãs, nada de Bíblias de Jeovás!" e enquanto diz isto, põe a mão sobre o baixo ventre e encolhe a barriga de uma forma quase desumana para dentro, salientando brutalmente a caixa toráxica. "Sou astrólogo, está a ver? PEITO DE CRISTO! PEITO DE CRISTO ESTÁ A VER?!" dizia ele enquanto apontava para o ventre e caixa toráxica. "PEITO DE CRISTO!" repetia, enquanto o Mestre tentava a todo o custo tentar perceber em que dimensão é que ele se encontrava e eu basicamente tentava concentrar-me para não rir. Se estivesse com o Gulbenkian, a esta altura ja estávamos a rebolar a rir. O cliente continuou: "Este é o PEITO DE CRISTO! e você é o S. PEDRO!!!" diz ele, apontando para o Mestre. S. Pedro... Nada mau. Eu já estava ansioso por saber quem eu era. Ele não disse nada. Não tenho pinta de apóstolo. "Sou astrólogo e é por saber certas coisas e por não acreditar na igreja que eles dizem que sou maluco. É por isso que estou num sanatório!". A esta altura já ele nem queria saber de livros de plantas medicinais nem nada que se pareça. Depois, sem parar a conversa do sanatório, dirigiu-se para fora da loja, sempre a falar e a gesticular, enquanto desaparecia no horizonte. Peito de Cristo... O mais curioso é que até se assemelhava à cena da crucificação. Nunca mais vamos ser os mesmos. Até porque sempre que chover vou culpar o Mestre por isso.