quarta-feira, novembro 29, 2006

Canta Comigo

Daqui a nada estamos no Natal. Aliás, pelos enfeites e pelas músicas qualquer pessoa acordada de um coma profundo poderia jurar que já estávamos a poucos dias do Natal. Claro que quando soubesse que é Fernando Santos o treinador do SLB, voltaria rapidamente ao coma. E aqui pela livraria, vai tudo na mesma. Pilhas e pilhas de livros a acumularem-se no back Office, mil e uma invenções para conseguirmos arranjar espaço para os livros na loja, é o pandemónio total. E a entrada e saída de pessoas continua, desde o meu último post saiu mais uma pessoa, e entrou hoje outra. É o Benfica dos anos 90, é o que vos digo. Eu gostava de ser o João Pinto, mas o Gulbenkian é mais parecido por causa da farta pelugem.
E os clientes continuam em grande. Uma das características que define alguns clientes é o seu gosto pela música. Por um lado, temos a senhora que não resiste enquanto ouve Smiths aqui na loja. Para além do bater incontrolável do pé, temos um murmurar da letra. E quando a música ganha força, ela não se controla e começa a cantar. Até aqui, tudo bem. O problema, caros amigos, é que quando Morissey canta isto: “A jumped-up pantry boy / Who never knew his place / He said return the rings / He knows so much about these things” a senhora diz: “XAMPAPUMPYPOY / LALA NENE NU IS PEISSSE / AAAHHHH TAAAARNE TO ME / NINOES TOMATCHE ABAUTE TITIEEEES” Lá está. O Morrissey ficaria orgulhoso. Outros clientes que gostam de música são aqueles que vêm pedir informações ou pagar alguma coisa e não tiram os headphones dos ouvidos. O tirar ou não tirar é me indiferente, agora ouvirem música enquanto falam comigo… Dá azo a conversas como:
- O livro está esgotado.
- Ahn?
- Está esgotado. O livro.
- Quê?
- Não está disponível.
- Não ouvi bem.
O que não é nada mal-educado nem irritante. Mas enfim. Eu percebo que deve ser interessante ver me embrulhar ou procurar um livro ao som do Eye Of The Tiger, ou do tema da A-Team. Agora que penso nisso, deve ser bem janota. É que são coisas perigosíssimas e de uma adrenalina extrema.
Mas às vezes os problemas de comunicação não surgem só com clientes agarrados à música. Reparem um caso em que um cliente me pergunta se fazemos descontos a lojistas. Eu disse isto: “Não, porque fizeram umas alterações no nosso sistema informático, o que significa que agora para podermos fazer um desconto temos de inserir o número do cartão (ACP, GGD, etc) que dá esse desconto…”. Resposta dele: “Então, mas faz ou não?”. Eu comecei a frase com Não. Depois dei a justificação desse não. E o cliente ainda ficou na dúvida. Antes clientes fãs de música do que lentos de raciocínio.
E depois temos os clientes que têm características especiais na fala. Por exemplo, o cliente que falava num tom perfeitamente normal, calmíssimo, mas que cada vez que dizia a palavra “samba” saí-lhe algo como “SAMBÁÁÀ!”? “Bom dia, eu gostaria de saber se tem o livro a história do (sobe o tom de voz) SAMBÁÁÁ?”. Disse-lhe que não, mas ele continuou, num tom de voz normal: “Então e diga-me, costuma ter ou esta à espera de receber alguma coisa de (sobe novamente o tom de voz) SAMBÁÁÀ?”. Voltei a dizer que não e ele voltou ao tom normal. “Ah, estou a ver. Mas conhece algum livro de música ou algum autor que foque o tema do (sobe tom de voz) SAMBÁÁÀ?”
A Floribella é um sucesso mundial. Estava eu aqui no balcão descansado quando passam na montra uns senhores a falar uma língua que me pareceu oriunda do médio oriente. Então iam andando e falando, naquela língua altamente imperceptível, quando param, olham para a montra, e um deles diz: “AH… FLORIBELLA!” e continuam a andar e a falar árabe, como se não fosse nada. A Floribella ainda vai acabar com o conflito no médio oriente, só vos digo.
Outro tipo de clientes que eu gosto muito são os que sabem tudo mas ainda assim gpstam de perguntar. Reparem, chega uma senhora junto de mim e diz: “Olhe eu vi na Fátima Lopes ou coisa que o valha uma senhora chamada Maria Helena que é astróloga e disse que ia sair uma agenda dos anjos, é mesmo assim o título, e disse que saía sexta, sabe o que é?” Não sabia, mas passei logo a saber. E a agenda chegou mesmo na sexta. Só que a agenda não se vende, é parte integrante do livro de previsões da dita Maria Helena. E agora reparem como são as fãs da senhora. Uma cliente pegou na agenda e deu-me para pagar, perguntando: “Quanto custa?”. Eu disse que não custava nada, que era oferta do livro de previsões. “Então não quero.”. Ela estava disposta a pagar algum dinheiro só pela agenda. Por esse dinheiro, podia levar a agenda e o livro de previsões, mas não. Se eu tivesse dito que o livro das previsões é que era oferta, ela tinha levado a agenda toda contente. Picuinhas, estas viciadas em astrologia.
As crianças são realmente muito naturais em tudo o que fazem. Até a entrar de bicicleta pela livraria a dentro, ver o que têm a ver, dar meia volta e saírem, como se não fosse nada. Talvez tenha olhado para a farda e pensou que lhe podíamos arranjar gasolina. Inteligentes, os putos.
Bom Natal.

sexta-feira, novembro 17, 2006

A Como é Que Está o Litro?

Devido à grande quantidade de pedidos de algumas pessoas e dois ou três animais (um periquito e dois cães), venho deixar aqui mais uma pequena crónica do mundo dos livros em geral.
Antes de mais devo dizer que a minha ausência foi causada pelo excesso de trabalho daquela livraria infernal. Só temos, assim por alto, o triplo dos livros que deveríamos ter, mas isso é indiferente. Soma-se a isso uma baixa de dois ou três dias e mais entradas e saídas de pessoal do que no Benfica dos anos 90 e aí temos a razão da minha ausência.
Mas, já que voltei, tenho que contar umas coisas. A primeira situação prende-se com o facto de alguns clientes, neste caso uma cliente, fazerem o maior ar de entendido do mundo quando estão a falar dos assuntos sobre os quais não tem o mínimo conhecimento. Reparem, o facto de comprarem um livro sobre algo que desconhecem e querem passar a conhecer é altamente louvável e, seguramente, melhor do que comprarem e fingirem que já conhecem. Então a cliente vem para o balcão, com o seu ar todo entendido diz, do alto da sua sabedoria: "Queria o TÃO da Física, se faz favor." Lá está, não é o Tao da Física que ela quer, é o Tão! Isso do Tao é para o pessoal do Taoismo e tal, o Tão não, o tão é para os cultos. Pensei em recomendar-lhe o Tão da Sexualidade ou o Tão da Gestão, mas era conhecimento a mais...
Depois temos os já famosos grupos de amigas. Quanto mais novas, pior são. É muita hormona, muita excitação, alguém desligue a televisão na hora dos morangos, por favor. Reparem, primeiro foram umas raparigas que queriam livros do Mário de Sá-Carneiro, especialmente "o mais recente, qual é que saiu à pouco tempo?". Custou-me muito, quase tive que pedir ajuda, mas tive de dizer às raparigas que, infelizmente, o Mário de Sá-Carneiro já está morto assim há algumas dezenas de anos. A voz ainda tremeu, mas tinha de ser forte. Enfim, deveres do Livreiro. Relativamente ao outro grupo de amigas, cada uma queria um livro diferente, e iam saltando de trás umas das outras para a frente do balcão, a perguntarem tudo ao mesmo tempo. Pareciam aqueles bonecos que saltam de dentro das caixas, mas menos inteligentes. Depois, para além dos guinchos e dos berros, falavam todas ao mesmo tempo, aparecendo em cima dos ombros umas das outras, eu já estava a sentir alguma claustrofobia. Pior que elas só mesmo os clientes que se apoiam, com cotovelos e tudo, em cima dos livros que temos no balcão.
No extremo oposto do grupo de raparigas doidas, temos as senhoras de idade. Tive a oportunidade única de assistir a um encontro mítico em frente ao balcão. É daqueles momentos em que me apetece ir buscar um banco e um pacote de pipocas e ficar a apreciar o espectáculo. Então as senhoras, a propósito do livro "Os Amores de Salazar", estavam a discutir as várias paixões do mesmo Salazar, porque a prima de uma e a melhor amiga de outra tinham andado metidas com o próprio Salazar. Segundo uma delas, teria sido mesmo a prima dela que lhe tinha dado cabo da cabeça. E eu a pensar que tinha sido uma cadeira. Não devia ter faltado tanto a história. Depois tive o prazer de conhecer um sócio do ACP, casado com uma delas, que tinha o número de sócio abaixo do 100! Incrível. Consta que é sócio desde o tempo em que o ACP tratava de carroças.
Outra bela novidade é a chegada das fardas para os colaboradores da Livraria. Muito bonitas, são assim duma cor entre um bege e um castanho, com uma gola à Jorge Jesus, do tempo do Felgueiras, ou ainda à Eurico Gomes. Penso, aliás, tenho a certeza, que já vomitei coisas com melhor aspecto, cor e mesmo textura que aquela farda. Depois com a farda veio um pequeno manual que tivemos de assinar, tendo em conta o bom funcionamento da mesma. Não se pode fazer alterações. O que é pena porque estava a pensar em bordar um símbolo do SLB e por o número 21 nas costas, mas assim já não posso. Ai está outra boa comparação, é tão feia como o equipamento secundário do SLB. Depois, nem sequer é permitido dobrar as mangas. A única coisa que se pode usar por cima é o identificador. O meu fio de ouro com a minha foto vai ter de ficar para dentro, e o Gulbenkian vai ter de por os pêlos para dentro também. Também dizem que se tem de ter uma camisola suplente na loja. É compreensível, pois o Santo passa a vida a babar-se, ele não pode andar sem uma muda de roupa. É uma medida que se aplaude. Sinceramente, e sem menosprezar os trabalhadores da Galp pelo pais fora, parecemos uns trabalhadores de bomba de gasolina. Quando chega um cliente ao balcão não sei bem se hei de perguntar que livro quer ou se é para atestar.
Um bem-haja para todos os que pedem para eu escrever. E para todos os que precisam de gasolina. Aos que precisam de livros, comprem online. Até à próxima!