domingo, julho 31, 2005

1 Ano (e algumas semanas) De Loucura

E eis que do meio da bruma, numa localização não identificada do nosso Portugal, surge o Livreiro. Não é nada disto, mas pensei que ficava uma boa introdução. De qualquer forma, estou eu a interromper as minhas férias idílicas (tenho de parar de mentir...) para vir aqui celebrar, perante vocês, o primeiro ano de vida deste blog. Falhei a data certa porque me encontrava num local onde a tecnologia mais avançada que existia era a batedeira lá de casa, que ganhava por pouco à torradeira. Consequentemente, não pude celebrar um ano de estroinice e alguma demência. Nunca pensei que alguém pudesse escrever tanta parvoíce durante tanto tempo. Mas enfim, o tempo passa, os clientes entram e saiem (e, acreditem ou não, alguns até voltam) e o blog cresce.
Não foi só o blog que cresceu e mudou, os nossos clientes e até colaboradores também mudaram. Vejam por exemplo o caso do nosso companheiro Simão. Antigamente, nos velhos tempos, ele ia para o seu canto da informática arrumar livro a livro, milimetricamente, naquilo a que apelidava de operação de charme. Agora, faz a mesma coisa, mas estendeu-se uma prateleira para o lado. Dá um avanço de cerca de 5 centímetros por mês. Prevejo que lá para 2012 ele arrume a loja toda. Já o nosso colega Greenpeace (o senhor escritor, dono do maior ego e dom literário da companhia, já presença assídua numa publicação nacional) mudou também. Outrora, andava com o Spartacus 2004 debaixo do braço, preparando os seus périplos pela Europa. Como ele mudou... Agora anda com o Spartacus 2005, porque não há nada como estar actualizado. Continua um bon vivant, vivendo agarrado à música e à sua musa do amor impossível. E, claro, não podia deixar de acrescentar que continua um mestre na caça do livro perdido, sendo um perito na arte do cotão. Ele e o cotão são uma só pessoa hoje em dia.
Quanto aos clientes, pouco há a acrescentar. Tive de fazer um interregno de três dias nas minhas férias para ir trabalhar, e tive algumas experiências dignas de registo. Primeiro tivemos o solteirão de 30 anos, de fato e gravata, bem apresentado que procurar um livro que se chamava qualquer coisa como: "Como ter encontros felizes" ou coisa que o valha. Não estando disponível, pediu o "Paixão, Amor e Sexo". (Só um pequeno aparte, o meu Word tem como sinónimo de Sexo a palavra Natureza. Depois não digam que o Bill Gates não é geek.) Entreguei o livro ao senhor, e ele lá ficou, na secção da sexualidade que, como sabem, fica exactamente em cima da puericultura. Que é mesmo para um casal dizer "Ena pá, que livros interessantes, não sabia que a mulher era capaz de por... Filhos Saudáveis? Como criar famílias numerosas?" e fogem logo dali. Lá estava então o trintão a ver o livro, quando surgem duas trintonas, também bem parecidas, e travam conversa com ele. Ora, o jovem ou era mágico ou então devia considerar tornar-se um. Porque a maneira como ele ocultou o livro das amigas e fê-lo desaparecer das suas mãos foi algo de extraordinário. Fiquei maravilhado, tenho de confessar. Depois ele partiu e ficaram só as trintonas. A loura (porque as trintonas andam aos grupos de louras e morenas) veio pedir um livro de esoterismo. Enquanto ela fazia o pedido, a morena ostenta um livro bem alto e diz: "Olha, encontrei o teu livro!". Era um livro intitulado: A Vaca Loura. Agora como é que esperam que eu atenda alguém sem rir com episódios destes, não dá.
Depois tive lá uma senhora que desejava livros de apoio escolar para professores. Estando só e desamparado na loja, não me pude deslocar ao local para a ajudar. Estava muita gente na loja, se abandonasse o balcão iam começar os dedos a bater na mesa, as tosses falsas, o bater dos pés. E, se a situação continuasse ia-se ouvir uns dissimulados: "Então mas não tá aqui ninguém?" ou ainda "Daqui nada vou me embora..." ou até mesmo o já clássico: "Onde é que se meteu o gajo?". E lá foi a senhora sozinha, qual Indiana Jones dos livros. Atendo alguns clientes e vejo uns braços a abanar lá bem ao fundo. Pensei que era alguém que se estava a afogar no cotão, mas não, era a senhora que queria ajuda. Quando ela viu que tinha a minha atenção disse: "Não me pode mesmo vir ajudar, é que isto está uma confusão, não percebo nada..." Eu disse que tinha de esperar porque a fila já ia até à porta. E ela continuou a busca. Quando já estava tudo mais calmo, dirigi-me a uma zona contígua à do apoio escolar para buscar outro livro, e ouço a conversa telefónica da senhora: "Sim, ainda estou aqui na livraria, não consigo encontrar nada. Que é que queres, isto parece a feira do Relógio!". Esta nunca tinha ouvido. Feira do Relógio portanto? Os livros estão ao lado dos CD's contrafeitos e das calças Leve's. Tenho de mudar o meu identificador para Jacó, cigano júnior. E claro, tenho de deixar o meu veículo motorizado em casa e trazer o burro para a loja. E depois claro, temos que arranjar umas rusgas de vez em quando para dar vida a isto. Ia ser mítico.
Eu falo dos meus clientes, mas há gente bem pior. Reparem: estava em casa descansado quando tocaram à porta. Era o famosíssimo "homem do gás". Toda a gente tem um "homem do gás". Mas o meu é especial. Entrou, bem-educado, abriu o compartimento onde se encontra o leitor e tentou ver os números. Não conseguindo descortinar o número, pediu que acendesse a luz. O que eu fiz prontamente. E, não satisfeito, o que é que o homem do gás faz? Roda a torneira uma ou duas vezes e acende um isqueiro para ver o número. Ora aí está. O homem do gás a acender um isqueiro junto ao leitor do gás e à torneira geral da casa. A minha estupefacção foi tanta que nem consegui dizer ao amigo que podíamos morrer todos. E melhor. Ele, não satisfeito, acendeu o isqueiro outra vez, e ainda durante mais tempo. É um milagre ainda estar aqui. Ao sair, depois de ver aquele espectáculo, perguntei-lhe: "o amigo gosta de livros? Passe lá na livraria que precisamos de clientes como você." Um homem do gás com um isqueiro junto a uma torneira de gás? Isso é como por o Greenpeace junto a uma rapariga ou a Feiticeira a arrumar a literatura. É desastre certo.
Antes de ir, obrigado aos colegas e ex-colegas por este ano. Alguns de vocês sabem quem são, outros nem por isso. De qualquer forma, obrigado e até à próxima.

quarta-feira, julho 06, 2005

As Férias

As férias aproximam-se. Obviamente, não quero abandonar o meu posto sem deixar aqui umas palavritas. Um hábito que se vai tornando cada vez menos frequente, infelizmente. Pois é, depois de 1 ano e 2 meses de árduo trabalho vou de férias. Isto apesar de já ir no segundo contracto. Isso é secundário. Recordo-me como se fosse ontem, quando nós, os que estávamos a terminar o contracto, demonstrámos a nossa decisiva vontade em ter umas férias. “Férias são para meninas” disseram, ao que o meu colega Greenpeace levantou o braço e disse: “Então isso quer dizer que posso ir?”. Infelizmente também não foi a lado nenhum, embora haja rumores (dizem que é o Cosmos a funcionar) que, se ele não se cala com voluntariado e com o inter-rail que o metem num comboio com o Spartacus debaixo do braço. Já lhe sugeri voluntariar-se no exército, mas ele disse: “Então isso não é para homens?”. Muitas pessoas acusam-me de ser demasiado duro com ele, e que ele não é nada como eu digo. Atenção, este é o homem que suspeita ser alérgico ao seu perfume.
As férias são mais que merecidas, e as saudades não irão ser muitas, posso assegurar-vos. Vou-vos dar uns exemplos porquê:
Um homem com o seu farto bigode e fio de ouro entra de rompante na loja. Chega ao balcão e diz: “Queria um livro de férias para o 1º ciclo.” Perguntei o ano e ele disse: “Para o primeiro ciclo”. Eu perguntei se era para a primeira classe. Ele respondeu confuso: “Epá, é para os putos fazerem nas férias.” Qualquer coisa com números e letras serviria portanto. Adoro os clientes exigentes e seguros do que querem.
Depois temos o jovem que pergunta onde fica a papelaria. Eu respondo que é junto aos elevadores, cumprindo assim o meu dever cívico. Ele, perplexo, pergunta: “Então… E isso fica a quantos minutos?” Oh amigo, isso é muito simples. Ou vai pela Savana, e arrisca-se a ter de fugir dos leões famintos (perderam uma zebra para uma águia que não comia à 11 anos e um antílope para uns caçadores russos no espaço de uma semana) ou vai ali pela praia, e, mais arrastão menos arrastão não demora nada...
Depois temos mais uma vez a mania das dietas no verão. Os livros voam das prateleiras. E é sempre reconfortante ver senhoras anafadas a comerem gelado e a pedirem livros para dietas. Deviam andar com um sinal na testa a dizer: Ironia. E assim, numa tarde quente, chega uma cliente ao balcão e pede já um clássico das dietas. “Boa tarde, tem a dieta de Soto Beach?”. Ora, a dieta de South Beach já não interessa, já está fora de moda. A dieta de Soto Beach é que é o grande êxito de verão. Soto beach, como devem saber, fica ali para os lados de Chelas, assim como quem vai para os Olivais. Praia banhada por um esgoto a céu aberto, é local de culto para os banhistas mais curiosos. A dieta consiste na Patanisca, no croquete desfeito e na batata frita de pacote. Quanto mais cancerígena melhor, emagrece mais.
Á uns meses atrás debati-me com um problema que se vem alastrando e que ameaça ferir de morte a Língua de Camões: o desaparecimento da letra “i” em algumas palavras (Código Da VincE, BenzonE, etc.). Fenómeno curioso e de ocorrência comum, já se tornou um hábito dos portugueses. Mas, venho aqui confessar perante vós que a minha tese tinha falhas. O “i” não desaparece, apenas se transfere para outras palavras. Por exemplo: “Este livro custa cinco Ieuros?” ou ainda “Tem livros sobre peixes de Iágua salgada.” O português é uma língua viva. Ninguém sabe onde isto irá parar.
Depois temos a senhora com as unhas compridas demais, tipo cabeleireira de Marvila. Ao marcar o código do MB engana-se duas vezes e diz: “Desculpe, é das unhas.” Eu pensei para mim, sábio e experiente livreiro “pois, deve ser…”. E eis senão quando, ao entregar o cartão à senhora, ela dá me uma verdadeira naifada à má fila com a unhaca rosa. Parecia um Wolverine de saias, até os pelos faciais eram idênticos. Nunca gozem com uma mulher de unhas compridas.
Ainda relativo a dietas, tivemos mais uma senhora que procurava a melhor linha (ou será curva? Recta? Chicane? Parabólica?) e que tinha a convicção de que o livro que procurava a ia salvar. Entrou calmamente, dirigiu-se a mim e perguntou: “Bom dia, tem a dieta do Gordo?”. Não tínhamos. Nunca tivemos. Eu não quero ser chato, mas algo chamado dieta do Gordo não me parece o melhor método para emagrecer. Digo eu, eu percebo pouco disso. Qualquer dia temos a Fisioterapia do Perneta ou então ainda a Caça do Zé Invisual. Ou as Piadas do Livreiro de Mau Gosto. É o meu preferido.
Boas férias para todos, até breve…