segunda-feira, dezembro 26, 2005

Crónicas de Natal 7 - O Pior Já Passou

Chegam assim ao fim as Crónicas de Natal, e não posso terminar sem dizer que este foi um Natal extremamente produtivo. E, como diz o título, o pior já passou. Quem aguentou esta última semana aguenta tudo. O próprio Rambo terá passado uma semana numa loja de um centro comercial português antes da sua deslocação para o Afeganistão, em Rambo 3. Como diz ele tão eloquentemente no seu filme, "errrr uuggghh ahhhh", que, traduzindo assim livremente, quer dizer: "Com a breca, isto no Afeganistão está mau, mas prefiro os Talibans a estar fechado 8 horas naquele centro comercial." Como eu concordo com ele, como eu concordo...
Claro que o dia 23 ainda teve assim uns acontecimentos Para-Anormais. Tivemos um cliente simpático que chegou ao balcão com uma pilha de livros e disse: "olhe, quero levar isto e quero 250€ em cheque-livro" (de vez em quando pedem-nos cheques FNAC, pelo menos não foi assim tão mau). Lá preencheram então os cheques-livro enquanto eu ia processando o resto da venda. Quando já estava tudo terminado, disse o valor total ao cliente, algo que rondava os 400€. E diz ele: "Não, desculpe, você não percebeu". E eu: "Ah, pois, é normal, sabe que eu tenho a quarta classe tirada à noite (e com cábulas) logo o meu nivel de compreensão é bastante baixo..." E continou: "Eu quero comprar os cheques-livro e depois comprar os livros com os cheques". "Ahh.." pensei eu... Esta é nova. O cliente compra cheques e depois usa os imediatametne em livros. Ena pá, o que as pessoas não arranjam para me dar trabalho. Que tal isto, não sei, é só uma ideia, mas pensem comigo: o cliente vem com o cartão multibanco e faz um transferência para nós de 1000€. Depois nós damos-lhe os 1000€ em numerário. E ele troca por cheques-livro. De 5€ cada. Depois, compra uns livros com os cheques. Que depois troca pelos livros que realmente quer. Isso sim, era divertimento.
Finalmente recebemos alguns audio-books. Esta chegada inesperada abriu ainda mais os horizontes do nosso caro colega Gulbenkian, que vê nos audio-books uma oportunidade de emprego. Já o estou a ver, com aquele seu timbre grave, qual Zeus da era moderna, a ler o clássico "O Verdadeiro Diário de Uma Noiva", da colecção Champanhe e Morangos" da Editorial Presença: "Estou completametne passada com o meu sonho erótico com o Rick. Depois de tocar congas no meu rabo nu, tocou em toda eu. Durante horas. E muito bem. " Seria épico. É só de mim ou "tocou em toda eu" não soa nada bem? Quer dizer, dito por ele deve soar bem, isso nem se pôe em causa, o homem é um verdadeiro tenor da leitura.
Mas encontrámos uns personagens memoráveis, não haja dúvida. O homem da camisola verde e relógio de ouro, sempre ao telefone, que berra do outro lado da loja, com a loja cheia: "QUALQUER COISA DE BOM TEM? QUALQUER COISA DE BOM?". Uma coisa ou outra, mas está reservada para a minha esposa. Claro que ninguém lhe respondeu, sabíamos lá se ele estava a falar para o telefone ou para nós no balcão. Então decidiu aproximar-se, e dirigiu-se à minha colega: "COMO É QUE SE CHAMA O ULTIMO LIVRO DO JOSE RODRIGUES DOS SANTOS?", berrou ele, como se estivesse na praça a vender tomate fresquinho. "Codex 632" disse a colega. "O QUE?" berrou ele. "Cortex 632" repetiu e "O QUE?" disse ele. A cada repetição ele ia chegando-se mais para a frente, estando já numa proximidade constrangedora. Finalmente lá ouviu, quando percebeu que se largasse o telefone enquanto fala com outras pessoas dá mais jeito. E é mais civilizado, mas isso ele não deve perceber.
E os clientes do descontinho? Eles andam sempre aí. Devido a pressões da concorrência tivemos alguns títulos com 20% de desconto. E há um cliente que sempre que vem cá, mesmo que compre livros de 4€, vem sempre perguntar: "quanto é que fica o meu desconto?". Todas as vezes que cá vem. Eu já sei que ele quer desconto, mas ele frisa aquilo todas as vezes. Então desta vez, lá chegou ele com um dos títulos com 20% de desconto e perguntou: "quanto é que fica com o meu descontinho?". E eu disse, em tom de brincadeira: "Com o seu desconto fica 17,11€. Com o desconto para todos os outros clientes fica em 15,21€. Qual prefere?" Ele ficou alguns segundos a pensar, não devia estar a perceber bem. Finalmente lá deve ter visto a luz e disse que prescindia do seu descontinho.
Pior do que isto é o cliente que, sempre mal humorado, chega ao balcão e ordena que lhe deêm 10% de desconto. E, ainda pior, uma das vezes que ele cá veio, tinha a minha colega na caixa, eu estava no computador do lado a trabalhar. E ela, cordialmente, deu-lhe os bons dias, apenas para o cliente dizer-me isto, da pior forma possível: "OLHE, DIGA Á SUA COLEGA PARA EMBRULHAR ISTO E EU TENHO 10% DE DESCONTO". Além de não ter respondido educadamente à saudação, ainda a ignorou por completo e disse-me para eu lhe dizer o que ela tem de fazer. Obviamente que não fiz nada, saí para guardar umas facturas. Tem problemas em falar com mulheres é? Deixam-no nervoso? Olhe que há cura para isso. E porquê tão mandão? A sua esposa não o deixa ficar com o comando é? Gozam consigo no balneário do ginásio porque o Zézinho é pequenino? Deixe lá, mais ano menos ano deixa de servir para alguma coisa. Secalhar já nem serve não é? E assim vem descarregar nos pobres trabalhadores do comércio livreiro.
E assim se passou mais um Natal, espero que tenha sido bom para toda a gente.
Até breve...

sábado, dezembro 24, 2005

Crónicas de Natal 6 - Milionários

O pior dia do ano já passou, e o resultado disso foi uma valente dor de cabeça. Mesmo assim, não podia deixar de vir aqui deixar umas notas para acabar este Natal em beleza.
Primeiro que tudo, devo dizer que já não posso aturar o Baixas e o Gulbenkian, se eles continuam com birras vou obrigá-los a dar "aquele" abraço como se fosse um árbitro de futebol e eles fossem o Paulinho Santos e o João Pinto (o João Pinto é o Gulbenkian, não só por ter jogado no Sporting mas devido aos pelos do peito).
Nestes dias tivemos a preciosa colaboração da Maria dos Embrulhos, futura Cientista da Educação. Perita em por livros mínusculos em embrulhos gigantes, lá estava ela sempre pronta a ajudar. Isto claro quando não estava colada ao colega Baixas. Aqueles dois... Ela dava-lhe tanta atenção e tantos mimos que o rapaz ficava fora de si. Ouvi dizer, e atenção, isto podem ser apenas rumores, que ele ficava tão maluco que se agarrava ao Gulbenkian, quando ela não estava lá, e dizia, enquanto alçava a perna: "Tou tão maluco, rega-me, rega-me, sou uma Acácia!". Felizmente nunca assisti a nada disso. A presença da Maria dos Embrulhos é sempre bem-vinda, volte sempre! (Mesmo que o Gulbenkian não saiba explicar-te nada da filosofia de Nietzsche, apesar de ser estudante de Filosofia...)
Quando eu e o Gulbenkian partilhamos o balcão tudo pode acontecer. Devemos ter algum efeito no campo magnético da terra ou qualquer coisa do género, porque acontecem sempre as coisas mais incríveis. No início de Dezembro, numa manhã aparentemente calma estava eu descansado no balcão enquanto o Gulbenkian arrumava a loja como se não houvesse amanhã. Lá estava ele, junto à informática a arrumar quando chega um senhor perto dele. Os dois encetam o que parece ser uma conversa normalíssima, até que o Gulbenkian desmancha-se a rir. E eu, lá do fundo no balcão a ver aquilo tudo e a pensar: "Hmmm.. Que é que se passa ali? Não me digas que o cliente pediu ajuda para comprar um livro de informática e ele indicou-lhe o Timbuktu (como faz com qualquer pessoa que peça seja que tipo de livro for)". Não liguei mais, mas a verdade é que continuavam a rir-se. Sem nada o fazer prever, o senhor dirige-se para o balcão, mas ao ver a quantidade de gente que por lá andava voltou para trás. Tentou duas aproximações, sempre sem sucesso, e eu sempre a vê-lo, tinha uma sensação que não vinha aí nada de bom. Quando finalmente consegue chegar até mim, diz o seguinte: "Já que o senhor é tão sabichão, foi o que o seu colega me disse, diga-me se tem o livro com os números do Totoloto que vão sair hoje à noite. Se não tiver todos, pelo menos uma parte...". A minha resposta surgiu imediatamente: "Peço desculpa, mas se tivéssemos esse livro ele seria para mim que eu bem preciso!". O senhor desatou-se a rir e apertou-me a mão: "Parabéns, você percebeu, era uma piada, é preciso é levar a vida na brincadeira, saúdinha! O seu colega não percebeu!". Então o cliente contou-me o que se tinha passado com o Gulbenkian. Ele tinha-lhe feito a mesma pergunta, e não é que o Gulbenkian ficou todo encavacado a tentar indicar sítios onde o livro pudesse estar. Só quando o homem o agarrou e disse: "É uma piada, PI-A-DA!" é que ele percebeu. Claro que depois mandou o cliente vir ter comigo para ver se eu caía. Não satisfeito por ter enganado 50% dos nossos funcionários, decidiu ir à FNAC tentar a sua sorte. Passado alguns minutos voltou todo contente porque todas as pessoas com quem tinha entrado em contacto na FNAC caíram na sua piada. Já devia saber que o pessoal aqui é (quase) todo mais inteligente do que na concorrência. E definitivamente com mais sentido de humor.
Há que adorar alguns dos pedidos deste Natal. Uma pessoa pensa que já ouviu tudo, mas não... Desde a senhora que queria um "Livro infantil daqueles que se abrem" até à senhora que queria um livro, mas a única indicação que me sabia dar era que "é um livro de papel" até ao senhor que quer o "Cortex 632", isto ouve-se de tudo. E, claro, depois de um reportagem na TV sobre o Mein Kampf, temos as pessoas a pedir a "biografia do Hitler", "a autobiografia do Hitler", "qualquer coisa dos relatórios médicos do Hitler", "qualquer coisa dos gostos pessoais do Hitler", e tudo porque viram uma "PUBLICIDADE" (?!) na televisão que dizia que comercializávamos o livro. Eu sugiro que deixemos de colocar avisos de segurança em alguns utensílios e deixemos a selecção natural agir naturalmente...
Um Bom Natal para os meus colegas que trabalham hoje (todos menos eu) e boa troca de prendas!

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Crónicas de Natal 5 - Imperceptível

Se há coisa que eu gosto é de vender dicionários às pessoas. Ena pá, o que eu gosto disso. Disso e de interromper as pessoas. Como acontece todos os anos, lá vão os pais mais zelosos às livriarias comprar os dicionários para os filhos. Claro que tudo começa a correr mal quando me perguntam qual é que é bom. Eu geralmente digo que o da Texto é que é o bom, porque o da Porto Editora além de ter tráido a esposa tem ligações com a Máfia de Leste na Brandoa. É sempre bom prevenir. Obviamente que é complicado dizer qual é o melhor dicionário. Não sou, nem de perto nem de longe, um entendido em Dicionários. Mas olhem que há muitos clientes entendidos. Pedem me um dicionário, e a minha resposta é mais pelos tamanhos, tipo: "Ah, olhe este aqui tao jeitosinho" ou então "olhe que isto é um GRANDE dicionário". Mas os clientes querem ver, querem comparar. Então, como entendidos que são, pegam nos dicionários, fazem um ar altamente arrogante e passam as páginas rapidamente para trás e para a frente, equanto dizem que sim. Depois pegam no outro e fazem o mesmo, terminando depois com um "sim, realmente este parece-me melhor, levo este...". Alguém me explica que raio é que o cliente viu para o ajudar a decidir? Passou as folhas rapidamente, não leu nem uma palavra. Imagino que pensava para si enquanto punha o seu melhor ar de entendido e folheava o dicionário durante uns longos 3 segundos: "Sim.. Este tem letras... Umas pequenas e outras grandes, algumas Bold e Itálico, sim, parece-me que é este, que belo dicionário, vou fazer amor com ele quando chegar a casa". Depois pega no outro: "Oh... Este é tão igual ao outro que eu perco a cabeça. Letras, mais letras, sim é este." E lá vai todo contente. Outros usam o método de ver se tem uma palavra. Arranjam assim uma palavra estranha tipo "Undífero" e vão ver se o dicionário tem. Se tiver, é aquele. Se me perguntarem que palavra é que hão de procurar para ver se o dicionário é bom, eu serei obrigado a dizer "Néscio".
Quer me parecer que o Natal afecta os sentidos de algumas pessoas. Senão, vejamos: uma cliente, depois de lhe indicar o livro que desejava, pegou nele, e, em vez de o folhear e tal, cheirou-o. Mas assim uma snifadela daquelas que deixaria a Kate Moss orgulhosa. Não sei como é que não teve uma overdose de pó. Quem é que cheira um livro? Nem vou por aí.
Depois temos aqueles clientes que veêm mal, que não encontram o preço nos livros e que passam a vida a derrubar torres de livros. Até já me habituei ao barulho. Mas há quem se assute, por isso, recomendo que, caro cliente, se vir que vai derrubar uma torre de livros grite: "Madeira!"
E claro, temos as clientes com problemas de audição. Uma senhora pergunta-me se temos dois livros em inglês. E eu respondo EXACTAMENTE isto: "Bom, sabe que a nossa secção de livros estrangeiros é bastante pequena, por isso só recebemos alguns livros, uma ou outra novidade e só de algumas editoras, por isso não temos o que procura. Se for a uma das nossas maiores livrarias encontra uma maior e mais variada selecção de livros em língua estrangeira." Enquanto eu dava o meu discurso triunfal a senhora ia abanando a cabeça, parecia estar a concordar comigo e eu todo contente com o meu brio profissional. Quando termino a resposta foi esta, por entre o mascar da pastilha: "OLHE DESCULPE MAS EU NÃO PERCEBI NADA DO QUE DISSE PORTANTO SUPONHO QUE QUISESSE DIZER QUE NÃO! ADEUS!" Furiosa, abandonou a loja intempestivamente. "MARCO PAULO!" disse eu (que é o que digo quando fico chateado ou me aleijo) "Que senhora rude!" e lá continuei o meu trabalho.
Bom Natal para todos com problemas de visão, audição e olfacto. Hm, não sei se quero enfrentar alguém com problemas de paladar...

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Crónicas de Natal 4 - Mania da Perseguição

No Natal vale tudo para vender. Promoções vertiginosas, sessões de autógrafos, descontos especiais. E tem resultado bem, pelo número de vendas que temos tido. Por ocasião de uma destas sessões de autógrafos (com o grande José Rodrigues dos Santos. Zézito, se me estás a ler, um grande bem haja) a editora forneceu um expositor de cartão com a fotografia do autor do livro “Codex 632” (que tem vendido como se o próprio livro contivesse o segredo da vida eterna. Ou isso, ou o segredo de como conquistar a Isabel Figueiras. O que vos parecer mais importante.) que foi colocado junto à porta, para promover o livro bem como a respectiva sessão de autógrafos. E isso tem dado azo a situações curiosas.
Primeiro temos aquelas clientes que entram na loja e berram “Ai!” de susto. “Parece verdadeiro!” exclamam assustadas. É essa reacção que vão ter quando o encontrarem em pessoa? Não quero ser chato, mas se encontrarem o José Rodrigues dos Santos não gritem “Ai!” de susto. Parece-me mal. Depois temos aquelas clientes que passam à montra, que se assustam, vão ver se é real, e chamam os maridos para verem como parece verdadeiro e, inclusive, “é mais bonito em pessoa”. Ou em cartão. Depois, temos aquelas clientes que dizem que o cartão está, e passo a citar, “a olhar para mim” e chama os maridos para verem como o cartão as segue com os olhos. Ao que os maridos, plácidos como habitualmente, afirmam: “Sim, realmente isto está bem conseguido…Ele segue-te mesmo… E logo a ti que és bonita”.
Torna-se incomodativo estar no balcão a tentar trabalhar e estar alguém constantemente a berrar de susto devido ao cartão. No outro dia cheguei mesmo a dizer ao meu colega: “Gulbenkian, vai dizer ao Zézito para parar de assustar as pessoas, se faz favor.”. Ele não foi porque diz que eu estou sempre a interrompê-lo.
Por falar em colegas, encontrei uma vidente que me jurou a pés meio juntos (tinhas as pernas tortas, não dava para mais...) que viu na sua bola de cristal o Baixas a trabalhar, por entre umas névoas. Uma charlatã, portanto.
Num destes dias que passou testemunhei um encontro mítico em frente ao balcão. Uma senhora com uma idade respeitável e um senhor também já com a sua idade encontraram-se no balcão, indo cada um pagar à sua caixa. Depois de duas ou três trocas envergonhadas de olhares, eis que a senhora toma a iniciativa: "Ahhhh.. Olá! Como está!?" ao que o senhor, espantado, respondeu: "Muito bem obrigado minha senhora, e a senhora, como tem passado?" Bem e tal, respondeu ela, e eu pensei que aquilo não passava dali, porque virou-se cada um para o seu lado. Mas eis que a senhora volta à carga: "Você é o José Antunes não é?" perguntou decidida, e a resposta surgiu prontamente: "Não, o José Antunes é o meu pai, eu sou o António Antunes.". Segue-se um pequeno e incómodo silêncio, e a senhora volta a perguntar: "Ah, então é o irmão do Miguel Antunes!" e o senhor retorquiu: "Não, isso é o meu tio!", segundo-se novamente o silêncio. A senhora, qual Petit das conversas de circunstância, não desistiu: "Ah, então foi o caro António que teve na tropa com o meu mais novo. Não foi?", "Não, isso foi o meu primo, o Manuel Antunes!" retorquiu o senhor. E eu lá atrás do balcão bastante interessado, não há nada melhor que telenovelas em tempo real, a TVI é que nunca se lembrou disto. Pensei em gritar: "O Zé Milho é filho do tio do professor de ginástica que traiu a mãe com a prima da mulher da limpeza!" mas pensei que talvez já tivesse a passar das marcas. Remeti-me ao meu habitual silêncio e deixei que aquilo se desenrolasse naturalmente. Passada a conversa das identidades, mesmo sem ter a certeza com quem tava a falar, a senhora continuou com as perguntas: "Então, diga-me lá, como é que vai a sua irmã Adelaide?". "Faleceu..." respondeu o senhor, seguindo-se o já habitual silêncio. "Ah... Pois, que pena... E a sua prima como vai?" insistiu a senhora, sendo brindada com a já esperada resposta: "Também faleceu...". Bom, depois de mais uma ou duas personalidades já falecidas, a senhora parecia não desistir, estava à espera de vê-la perguntar, sei lá, pelo Bocage, ou mesmo pelo D. Dinis. Eventualmente desistiu e partiram os dois, com um sincero desejo de Bom Natal, felizes da vida. Não me divertia tanto desde que a SIC passou em directo o circo para os funcionários do Benfica, em que o apresentador desafiou as crianças: "Agora gritem bem alto o que querem ver!" e as crianças gritaram em uníssono: "PALHAÇOS! PALHAÇOS! PALHAÇOS!" e o João Pereira levantou-se e acenou.
Boas compras (ha 95% de hipóteses de quem estiver a ler isto ainda não ter completado as compras de natal) e até à próxima!

terça-feira, dezembro 20, 2005

Crónicas de Natal 3 - Lá Fazem Me Tudo!

As vendas vão aumentando. Quase tanto com as várias tarefas do nosso colega Gulbenkian (artista anteriormente conhecido por “Greenpeace”, devido à sua boa vontade e à sua camisola verde-alface), que é, (pasme-se!), músico, livreiro, estudante de filosofia, escritor, trabalhador voluntário e membro de uma fundação, e ainda ditador que tentará dominar o mundo com o seu riso maléfico. Não é brincadeira. E este aumento de vendas é acompanhado por um aumento ainda maior do numero de pessoas na loja ao mesmo tempo. Torna-se praticamente impossível ir de uma ponta à outra da loja sem ser-se interpelado algumas dezenas de vezes. Vou eu à procura de um livro de culinária e ouço: “Queria a Sombra do Vento”, “Queria livros infantis”, “Queria livros de bebes”, “Acho que este gajo trabalha aqui, Oh Faz Favor!”, e por aí fora, até chegar ao meu destino.
Ainda ontem, estava eu a tentar ajudar uma colega com um cliente particularmente difícil (idosa e exigente, aparentemente da alta sociedade) e não conseguia sair da secção do esoterismo. Sempre que me tentava virar surgia alguém (posso jurar que era do nada, mas prefiro não entrar por aí) a perguntar-me sobre livros esotéricos. E, quando finalmente consigo libertar-me daquela secção, passo por trás da senhora que estava a ser atendida pela minha colega, que dizia em voz baixa, para si mesma: “Não tem as Encíclicas, não tem os Papas… (longa pausa) Que Merda! (bastante enraivecida) ”. Até me arrepiei.
Isto das senhoras idosas tem que se lhe diga. Temos uma cliente idosa (mais ou menos habitual, passa a vida a dizer que vai deixar de vir cá, mas acaba sempre por voltar) que é da mais alta sociedade, mas que tem uma educação e uma disposição terrível. Sempre mal encarada, sempre à espera que acedam a todos os seus caprichos. É tipo um Liedson, mas mulher e idosa. O peso mantém-se. Quer aquele livro porque sim, porque quer aqui e quer agora e quer com desconto senão nunca mais volta. Até à próxima vez. Da última vez que cá veio comprou bastantes livros, e obviamente “não sou eu que carrego isto tudo”. Queria que lhe carregássemos os livros para o carro. Sugerimos à senhora que fosse buscar um carrinho de compras para melhor transportar os livros. Ela concordou, e lá saiu, contrariada, para buscar um carro. Demorou 4 horas. Quando chegou, já só estava um colega nosso na loja. E era o nosso amigo Gulbenkian. Olha quem. Queria que ele fosse com ela levar os livros para o carro. Obviamente que ele não podia abandonar o seu posto. É um soldado bravo, um lobo-do-mar, aquela barba não engana. E a senhora ficou furiosa. Gritou. Barafustou. Disse que não voltava mais, e que, inclusive ,“LÁ EM BAIXO FAZEM ME TUDO!”. Portanto, segundo a senhora, na nossa loja lá de baixo fazem lhe tudo. Bom, nós vendemos livros. É essa a nossa função. O que é que poderão eles fazer lá em baixo?
Não pensei mais no assunto, até surgir um senhora idosa, bastante simpática por sinal, que queria o D. Quixote. E foi o D. Quixote que levou, depois de ter passado quase meia hora a queixar do atendimento lá de baixo. Com a minha quase infindável paciência lá fui ajudando a senhora, enquanto ela continuava a queixar-se. Lá saiu da loja, feliz da vida. Tudo para voltar cinco minutos depois furiosa, porque o livro era 4€ mais barato na FNAC. Gritou. Barafustou. Disse: "VOU QUEIXAR-ME AO DECO! É UM ROUBO! 4€! 4€ MAIS BARATO. É UM ROUBO! VOU FAZER UMA QUEIXA E NUNCA MAIS VOLTO! E SÓ VOU LÀ ABAIXO POR LÁ FAZEM ME TUDO!". Lá está. Lá em baixo fazem-lhe tudo. Mas tudo o quê? Haverá algum caso de gerontofilia lá em baixo? Alguém mande lá o José Maria Martins e levem uma camara para o caso de ele ser expulso ao pontapé.
Até à próxima. E eu só tou aqui para vender livros. Fica o aviso.

domingo, dezembro 18, 2005

Crónicas de Natal 2 - Um Natal Lavadinho...

Um dos êxitos deste Natal é sem dúvida o livro "Na Roça Com os Tachos". Pelos vistos, as invenções de João Carlos Silva estão a fazer sucesso. Claro que ninguém acerta com o nome do livro. "Qualquer dos tachos", "Qualquer coisa da roça", "Livro daquele senhor da televisão" (acho esta indicação particularmente útil), tudo serve para designar o livro. Mas, claro, ninguém passa o senhor que chega perto da porta e diz para a sua esposa, que se encontra lá fora: "Vou comprar o livro daquele que cozinha na selva, como é que se chama o cabrão?" Elucidativo.
Por falar em esposa, o Natal é sempre uma altura em que a família está sempre unida. Como aquela família que passeava calmamente no Domingo de manhã, com o pai uns 3 metros à frente da mãe com 3 filhos, que ia gritando: "Tás com pressa? Vais ter com a tua outra esposa é? Com a tua outra família? Vai. Vai!". Adoro o Natal.
Natal que é Natal tem que ter no sapatinho um livro da Alexandra Solnado. Já estou a imaginar as crianças desiludidas quando desembrulham a sua nova XBOX360 (eu também ficaria, mas porque prefiro a Gamecube) pensando que iriam encontrar o livrinho da "Cabrita" (termo que Jesus emprega quando se refere a ela). Essa nova obra de culto tem o sugestivo título de "A Minha Limpeza Espiritual". Limpezas para a alma, para os males de que padece o Homem, este livro tem tudo. Começa com um diálogo entre a autora e Jesus, na qual ela põe as suas dúvidas e Jesus lhe responde. Sempre pronto e afável, Jesus encontra respostas convincentes para tudo. Ou quase tudo, pois continua sem conseguir explicar porque é que Koeman continua a colocar jogadores lesionados em campo. Quando confrontado com esta pergunta, Jesus chorou. O livro vem acompanhado de um CD audio, na qual se encontram exercícios de limpeza espiritual. A minha questão é simples: Quem faz a voz de Jesus? É, sem dúvida, uma questão pertinente. Numa das últimas páginas encontramos vário contactos da autora, especialmente se quiserem participar num curso chamado: "Como Se Conectar Com o Céu Sem Deixar de Andar Por Aqui". Claro que dá para contactar com o céu, se morrermos, e há variadas maneiras para tal, mas aí é que está o truque. Na última página encontramos instruções detalhadas para procedermos às limpezas. Convém ler o texto antes de ouvir o CD. E, o mais importante: "Não faca estes exercícios depois das 22 horas nem antes do amanhecer". Compreende-se perfeitamente, até Jesus tem de descansar. É uma questão de cortesia, não perturbar o Senhor durante o sono. Depois termina referindo que estes exercícios destinam-se a pessoas com um grau de densidade normal (seja lá o que isso for) e, que caso se sintam mal ao executar um exercício, que contactem a autora. Já estou a imaginar o e-mail: "Querida Alexandra Solnado, sendo um fã incondicional de Jesus (tenho todas as action figures e as t-shirts, e até o crucifixo comemorativo de edição limitada) tentei os seus exercícios e penso que algo não terá corrido bem. Desde que tentei os exercícios tenho sentido uma vontande incontrolável de defecar em sítios públicos (posso confirmar que a estátuta do Camões em Cascais me está a fazer olhinhos. Quer dizer, pelo menos um, mas você percebe) e começaram a tratar-me por Maria José na mercearia, quando antigamente era o Sôr Tavares. Terei feito algo de errado? PS: Já agora, sabe se o Sôr Paulo Bento por acaso não terá também feito uns exercícios errados? É que aquele Tello a lateral esquerdo valha nos Deus!"
Se não morrer soterrado por uma avalanche de livros (que está iminente no nosso back office, que já tem livros por cima do tecto falso) voltarei com mais crónicas. Até lá, boas compras.

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Crónicas de Natal 1 - Equívocos

Depois de um longo hiato (quase tão longo como as paragens dos vários lesionados do Benfica, mas também não exageremos…) volto para vos dar algumas novidades. Há mais movimento que nunca, apesar de nós termos menos funcionários que nunca. Existe uma personagem que trabalha (?) connosco, que é conhecido carinhosamente como “O Baixas” devido às suas baixas prolongadas. Portanto, “O Baixas” (vamos tratá-lo assim para proteger a sua verdadeira identidade) anda há alguns meses doente e já teve sintomas de todas e quaisquer doenças que se possa imaginar. Apesar de ser homem, ele quase que jura que lhe dói o útero. É verídico. Sempre acompanhado da sua bomba para a garganta, de um termómetro, um medidor de tensão e um estetoscópio, lá anda ele todo miserável pela casa, à espera do dia em que tem de voltar a trabalhar, ou melhor, voltar ao local de trabalho. E depois ainda se queixa porque é violentamente derrotado no PES5 online para PS2 pelo vosso caro Livreiro. Já o nosso amigo Greenpeace andou pela Europa no Interrail. Finalmente. Trouxe várias fotos interessantes, especialmente uma que é ele a afagar um cão. O animal ficou bastante bem na foto, e o cão também não ficou mal. Agora anda metido numa nova fundação, ele não descansa enquanto não for fazer voluntariado.
Por falar em voluntariado, uma cliente nossa mostrou-se deveras interessada em adquirir um exemplar do livro de Fernando Nobre, da AMI. Ela atravessou a loja, decidida, chegou ao pé de mim e perguntou: “Oh faz favor, tem aquele livro do Fernando Nobre? Não sei o título.” Eu disse à cliente que o título era “Viagens Contra a Indiferença”, ao que a cliente retorquiu: “Não sei se é esse, eu quero aquele com os apontamentos que ele tirou quando ia de férias”. Minha senhora, devo dizer que a sua acepção de férias é curiosa. Portanto, algo que envolva dirigir-se a locais remotos, palcos de catástrofes, repletos de perigos e doenças, para ajudar os mais desfavorecidos são férias. Claro. Imagino o Fernando Nobre: “Querido diário: Bom, depois de virmos da praia (o Zézito voltou a portar-se mal, quando via alguns nativos de costas para o mar gritava “Tsunami!” e fugia) comemos uma sardinhada, agora vamos amputar aquele miúdo que perdeu a perna numa mina. Ah, não me posso esquecer de dizer ao Toni que a pneumonia atípica passa com uns cházinhos. Que belas férias”.
Voltando ao nosso amigo Greenpeace, esse bastião da literatura nacional, trabalha mais que nunca. Num dos dias que passou, estávamos a arrumar alguns dos milhares de livros que temos no back Office e ao tirar umas caixas dei de caras com um manual de medicina sobre saúde da mulher, cuja capa era, nada mais, nada menos, do que uma imagem de uma operação a um cancro da mama. Era uma imagem perturbadora. E eu, na pândega como sempre, mostrei-lhe a capa para o assustar. E qual é a reacção do homem? “Eh eh… Mamilos….”. Ora, o homem está com uma imagem de uma operação ao cancro da mama e o que é que ele diz? “Mamilos”. Muito bom. Fica assim provado que o homem, à mínima visão (ou possível visão) de alguma parte íntima feminina, desce um ou dois degraus na escala evolucionária. Consta que da última vez que o Greenpeace viu um livro com todos os calendários Pirelli, tentou esfregar duas pedras uma contra a outra na tentativa de produzir fogo.
Continuam os pedidos estranhos. Uma senhora, acompanhada do seu marido, queria oferecer a um amigo o livro “Homem Que Mordeu o Cão (Versão Gato Fedorento)”. Não faço ideia do que é isso, mas deve ser muito bom.
Já este fim-de-semana, era suposto ter havido uma acção promocional na loja, algo que suscitou algumas confusões. Estava eu num momento de reflexão quando surge um senhor com um aspecto, vá lá, digamos duvidoso, que diz apenas a seguinte enigmática frase: “Eu é que sou o Pai Natal”. Depois de alguns segundos de estupefacção, primeiro pensei em dizer que queria um Driving Force Pro se faz favor, e que me tinha portado bem, depois pensei em dizer “e eu sou o Duende trabalhador” na esperança que fosse algum código tipo agente secreto e ele me entregasse uma mala cheia de dinheiro. Mas não, pedi apenas que repetisse. O que ele fez: “Eu sou o Pai Natal, daquela acção promocional daquela editora.” Ah, exclamei, muito bem. O senhor que me desculpe a confusão, mas acho que toda a gente entende, afinal de contas, sempre imaginei o Pai Natal vestido de encarnado (ao invés do preto), longas barbas brancas (ao contrário daquele bigodaço à marialva e aquela barba por faver) e que trouxesse um saco vermelho de brinquedos (e não aqueles sacos pretos que pareciam sacos do lixo com roupa do Pai Natal). Para terminar, devo dizer que não se realizou nenhuma acção promocional, devido a um equívoco nas datas, mas que de qualquer modo não deixiria que nenhuma criança se sentasse no seu colo.
Bom Natal, e até breve!

domingo, julho 31, 2005

1 Ano (e algumas semanas) De Loucura

E eis que do meio da bruma, numa localização não identificada do nosso Portugal, surge o Livreiro. Não é nada disto, mas pensei que ficava uma boa introdução. De qualquer forma, estou eu a interromper as minhas férias idílicas (tenho de parar de mentir...) para vir aqui celebrar, perante vocês, o primeiro ano de vida deste blog. Falhei a data certa porque me encontrava num local onde a tecnologia mais avançada que existia era a batedeira lá de casa, que ganhava por pouco à torradeira. Consequentemente, não pude celebrar um ano de estroinice e alguma demência. Nunca pensei que alguém pudesse escrever tanta parvoíce durante tanto tempo. Mas enfim, o tempo passa, os clientes entram e saiem (e, acreditem ou não, alguns até voltam) e o blog cresce.
Não foi só o blog que cresceu e mudou, os nossos clientes e até colaboradores também mudaram. Vejam por exemplo o caso do nosso companheiro Simão. Antigamente, nos velhos tempos, ele ia para o seu canto da informática arrumar livro a livro, milimetricamente, naquilo a que apelidava de operação de charme. Agora, faz a mesma coisa, mas estendeu-se uma prateleira para o lado. Dá um avanço de cerca de 5 centímetros por mês. Prevejo que lá para 2012 ele arrume a loja toda. Já o nosso colega Greenpeace (o senhor escritor, dono do maior ego e dom literário da companhia, já presença assídua numa publicação nacional) mudou também. Outrora, andava com o Spartacus 2004 debaixo do braço, preparando os seus périplos pela Europa. Como ele mudou... Agora anda com o Spartacus 2005, porque não há nada como estar actualizado. Continua um bon vivant, vivendo agarrado à música e à sua musa do amor impossível. E, claro, não podia deixar de acrescentar que continua um mestre na caça do livro perdido, sendo um perito na arte do cotão. Ele e o cotão são uma só pessoa hoje em dia.
Quanto aos clientes, pouco há a acrescentar. Tive de fazer um interregno de três dias nas minhas férias para ir trabalhar, e tive algumas experiências dignas de registo. Primeiro tivemos o solteirão de 30 anos, de fato e gravata, bem apresentado que procurar um livro que se chamava qualquer coisa como: "Como ter encontros felizes" ou coisa que o valha. Não estando disponível, pediu o "Paixão, Amor e Sexo". (Só um pequeno aparte, o meu Word tem como sinónimo de Sexo a palavra Natureza. Depois não digam que o Bill Gates não é geek.) Entreguei o livro ao senhor, e ele lá ficou, na secção da sexualidade que, como sabem, fica exactamente em cima da puericultura. Que é mesmo para um casal dizer "Ena pá, que livros interessantes, não sabia que a mulher era capaz de por... Filhos Saudáveis? Como criar famílias numerosas?" e fogem logo dali. Lá estava então o trintão a ver o livro, quando surgem duas trintonas, também bem parecidas, e travam conversa com ele. Ora, o jovem ou era mágico ou então devia considerar tornar-se um. Porque a maneira como ele ocultou o livro das amigas e fê-lo desaparecer das suas mãos foi algo de extraordinário. Fiquei maravilhado, tenho de confessar. Depois ele partiu e ficaram só as trintonas. A loura (porque as trintonas andam aos grupos de louras e morenas) veio pedir um livro de esoterismo. Enquanto ela fazia o pedido, a morena ostenta um livro bem alto e diz: "Olha, encontrei o teu livro!". Era um livro intitulado: A Vaca Loura. Agora como é que esperam que eu atenda alguém sem rir com episódios destes, não dá.
Depois tive lá uma senhora que desejava livros de apoio escolar para professores. Estando só e desamparado na loja, não me pude deslocar ao local para a ajudar. Estava muita gente na loja, se abandonasse o balcão iam começar os dedos a bater na mesa, as tosses falsas, o bater dos pés. E, se a situação continuasse ia-se ouvir uns dissimulados: "Então mas não tá aqui ninguém?" ou ainda "Daqui nada vou me embora..." ou até mesmo o já clássico: "Onde é que se meteu o gajo?". E lá foi a senhora sozinha, qual Indiana Jones dos livros. Atendo alguns clientes e vejo uns braços a abanar lá bem ao fundo. Pensei que era alguém que se estava a afogar no cotão, mas não, era a senhora que queria ajuda. Quando ela viu que tinha a minha atenção disse: "Não me pode mesmo vir ajudar, é que isto está uma confusão, não percebo nada..." Eu disse que tinha de esperar porque a fila já ia até à porta. E ela continuou a busca. Quando já estava tudo mais calmo, dirigi-me a uma zona contígua à do apoio escolar para buscar outro livro, e ouço a conversa telefónica da senhora: "Sim, ainda estou aqui na livraria, não consigo encontrar nada. Que é que queres, isto parece a feira do Relógio!". Esta nunca tinha ouvido. Feira do Relógio portanto? Os livros estão ao lado dos CD's contrafeitos e das calças Leve's. Tenho de mudar o meu identificador para Jacó, cigano júnior. E claro, tenho de deixar o meu veículo motorizado em casa e trazer o burro para a loja. E depois claro, temos que arranjar umas rusgas de vez em quando para dar vida a isto. Ia ser mítico.
Eu falo dos meus clientes, mas há gente bem pior. Reparem: estava em casa descansado quando tocaram à porta. Era o famosíssimo "homem do gás". Toda a gente tem um "homem do gás". Mas o meu é especial. Entrou, bem-educado, abriu o compartimento onde se encontra o leitor e tentou ver os números. Não conseguindo descortinar o número, pediu que acendesse a luz. O que eu fiz prontamente. E, não satisfeito, o que é que o homem do gás faz? Roda a torneira uma ou duas vezes e acende um isqueiro para ver o número. Ora aí está. O homem do gás a acender um isqueiro junto ao leitor do gás e à torneira geral da casa. A minha estupefacção foi tanta que nem consegui dizer ao amigo que podíamos morrer todos. E melhor. Ele, não satisfeito, acendeu o isqueiro outra vez, e ainda durante mais tempo. É um milagre ainda estar aqui. Ao sair, depois de ver aquele espectáculo, perguntei-lhe: "o amigo gosta de livros? Passe lá na livraria que precisamos de clientes como você." Um homem do gás com um isqueiro junto a uma torneira de gás? Isso é como por o Greenpeace junto a uma rapariga ou a Feiticeira a arrumar a literatura. É desastre certo.
Antes de ir, obrigado aos colegas e ex-colegas por este ano. Alguns de vocês sabem quem são, outros nem por isso. De qualquer forma, obrigado e até à próxima.

quarta-feira, julho 06, 2005

As Férias

As férias aproximam-se. Obviamente, não quero abandonar o meu posto sem deixar aqui umas palavritas. Um hábito que se vai tornando cada vez menos frequente, infelizmente. Pois é, depois de 1 ano e 2 meses de árduo trabalho vou de férias. Isto apesar de já ir no segundo contracto. Isso é secundário. Recordo-me como se fosse ontem, quando nós, os que estávamos a terminar o contracto, demonstrámos a nossa decisiva vontade em ter umas férias. “Férias são para meninas” disseram, ao que o meu colega Greenpeace levantou o braço e disse: “Então isso quer dizer que posso ir?”. Infelizmente também não foi a lado nenhum, embora haja rumores (dizem que é o Cosmos a funcionar) que, se ele não se cala com voluntariado e com o inter-rail que o metem num comboio com o Spartacus debaixo do braço. Já lhe sugeri voluntariar-se no exército, mas ele disse: “Então isso não é para homens?”. Muitas pessoas acusam-me de ser demasiado duro com ele, e que ele não é nada como eu digo. Atenção, este é o homem que suspeita ser alérgico ao seu perfume.
As férias são mais que merecidas, e as saudades não irão ser muitas, posso assegurar-vos. Vou-vos dar uns exemplos porquê:
Um homem com o seu farto bigode e fio de ouro entra de rompante na loja. Chega ao balcão e diz: “Queria um livro de férias para o 1º ciclo.” Perguntei o ano e ele disse: “Para o primeiro ciclo”. Eu perguntei se era para a primeira classe. Ele respondeu confuso: “Epá, é para os putos fazerem nas férias.” Qualquer coisa com números e letras serviria portanto. Adoro os clientes exigentes e seguros do que querem.
Depois temos o jovem que pergunta onde fica a papelaria. Eu respondo que é junto aos elevadores, cumprindo assim o meu dever cívico. Ele, perplexo, pergunta: “Então… E isso fica a quantos minutos?” Oh amigo, isso é muito simples. Ou vai pela Savana, e arrisca-se a ter de fugir dos leões famintos (perderam uma zebra para uma águia que não comia à 11 anos e um antílope para uns caçadores russos no espaço de uma semana) ou vai ali pela praia, e, mais arrastão menos arrastão não demora nada...
Depois temos mais uma vez a mania das dietas no verão. Os livros voam das prateleiras. E é sempre reconfortante ver senhoras anafadas a comerem gelado e a pedirem livros para dietas. Deviam andar com um sinal na testa a dizer: Ironia. E assim, numa tarde quente, chega uma cliente ao balcão e pede já um clássico das dietas. “Boa tarde, tem a dieta de Soto Beach?”. Ora, a dieta de South Beach já não interessa, já está fora de moda. A dieta de Soto Beach é que é o grande êxito de verão. Soto beach, como devem saber, fica ali para os lados de Chelas, assim como quem vai para os Olivais. Praia banhada por um esgoto a céu aberto, é local de culto para os banhistas mais curiosos. A dieta consiste na Patanisca, no croquete desfeito e na batata frita de pacote. Quanto mais cancerígena melhor, emagrece mais.
Á uns meses atrás debati-me com um problema que se vem alastrando e que ameaça ferir de morte a Língua de Camões: o desaparecimento da letra “i” em algumas palavras (Código Da VincE, BenzonE, etc.). Fenómeno curioso e de ocorrência comum, já se tornou um hábito dos portugueses. Mas, venho aqui confessar perante vós que a minha tese tinha falhas. O “i” não desaparece, apenas se transfere para outras palavras. Por exemplo: “Este livro custa cinco Ieuros?” ou ainda “Tem livros sobre peixes de Iágua salgada.” O português é uma língua viva. Ninguém sabe onde isto irá parar.
Depois temos a senhora com as unhas compridas demais, tipo cabeleireira de Marvila. Ao marcar o código do MB engana-se duas vezes e diz: “Desculpe, é das unhas.” Eu pensei para mim, sábio e experiente livreiro “pois, deve ser…”. E eis senão quando, ao entregar o cartão à senhora, ela dá me uma verdadeira naifada à má fila com a unhaca rosa. Parecia um Wolverine de saias, até os pelos faciais eram idênticos. Nunca gozem com uma mulher de unhas compridas.
Ainda relativo a dietas, tivemos mais uma senhora que procurava a melhor linha (ou será curva? Recta? Chicane? Parabólica?) e que tinha a convicção de que o livro que procurava a ia salvar. Entrou calmamente, dirigiu-se a mim e perguntou: “Bom dia, tem a dieta do Gordo?”. Não tínhamos. Nunca tivemos. Eu não quero ser chato, mas algo chamado dieta do Gordo não me parece o melhor método para emagrecer. Digo eu, eu percebo pouco disso. Qualquer dia temos a Fisioterapia do Perneta ou então ainda a Caça do Zé Invisual. Ou as Piadas do Livreiro de Mau Gosto. É o meu preferido.
Boas férias para todos, até breve…

terça-feira, maio 31, 2005

O terror

O sol já está novamente a bater com a força de uma tarde de verão. Como tal, por alguma razão química desconhecida até dos mais proficuos cientistas, saiem à rua as criaturas mais estranhas que se possa imaginar. Surgem remeniscências do verão passado, e aí penso que o melhor está a chegar. Mas, já vão surgindo alguns avisos.
Estava eu calmamente atrás do balcão tentando colocar me de modo a apanhar a lufada de ar fresco vinda do ar condicionado, quando surge um individuo de negro no balcão. Notei logo um odor algo característico, o que, para quem se encontra constipado à duas semanas, é um feito. Desisti da busca do lugar fresco por uns segundos para poder atender o cliente. Antes do protocolar boa tarde ou bom dia, surge um: "Oh amigo, tem o livro de São Capristano? Sabe, aquele, O verdadeiro!" São Capristano, como toda a gente sabe, foi dirigente do Benfica dos tempos de Vale e Azevedo. Conhecido como a "pescada mal morta" (atenção, nome popular, do qual não tenho qualquer responsabilidade), Capristano assumia-se como responsável (?) do futbeol encarnado, costumando ocupar o seu lugar no banco com uma figura algo esfíngica, talvez tentando imitar Pinto da Costa. Lá tive eu que me deslocar para a zona do esoterismo (onde, passe a imodéstia, sou rei e senhor) e dirijo o senhor para os livros de São Cipriano. Ao chegarmos à secção correcta, o cliente solta inesperadamente uma frase: "Ah! Isso está no terror não é?". Tudo bem, a zona está bastante mal arrumada, mas daí a apelida-la de terror vai um bocado. Procurei os livros de São Cipriano. Tinhamos três ou quatro. "Boa, boa" diz o cliente, "mas qual é O verdadeiro? O verdadeiro?", enfatizando o "O" enquanto fazia sinais para mim com os olhos. Bom, pensei para mim mesmo, das duas, uma: ou o gajo tem um tique nervoso, ou então está a fazer-se a mim. Como prevenção, para não haver confusões, decidi afastar-me e dirigir-me para o balcão, tentando novamente apanhar o local onde bate o fresquinho. E lá ficou ele durante alguns minutos, vendo livro por livro, tentando encontrar "O" livro de São Cipriano. Finalmente viu a luz (ou terá sido a escuridão?) e escolheu o que mais lhe agradava. Pagou, calmamente, e tudo indicava que iria abandonar a loja. Mas, a meio caminho entre o balcão e a saída (e olhem que parece pouco, mas já assiti a homens perderem a vida nesse caminho) e volta a dirigir-se à zona do esoterismo. E lá fica, mais dez minutos a contemplar outros livros de São Cipriano. Ele vê, escolhe, paga. Mas à saida fica com dúvidas. E volta para os livros, como que chamado pelo canto da Sereia. Terá temido (e com razão) levar o errado, e não ser "O" livro de São Cipriano, sendo apenas o livro de São Cipriano. Observo-o durante alguns segundos (não vá por algum livro no saco, não convinha) e depois volto à minha vida (novamente a busca do local fresco). Olho por acaso para o balcão e vejo umas chaves. Olho para as chaves. Olho para o cliente. Olho para as chaves. Lá fui eu dar lhe as chaves, mas sempre à distância. Aproximo-me dele o suficiente para lhe dar as chaves (mas não para ele me atacar). Ele sorri, agradece, e diz: "Tou só a ver, tou só a ver, isto é tudo muito interessante!" É normal a reacção dele. Qualquer criança quando descobre o livro pela primeira vez reage assim.
Por falar em reacções, por vezes sou eu que fico sem elas. Chega uma senhora ao balcão e diz, sorridente: "vou lhe só perguntar uma coisa, porque me doiem os pés. Tem livros de receitas do Da Vinci?". Com uma introdução destas até me podia ter pedido o kamasutra animal que eu não teria reparado. Que novidade, que inovação. A dor nos pés realcom a necessidade de conhecimento. Genial. Já estou a ver os próximos clientes: "Oh amigo, tenho uma cárie num queixal, tem o Livro dos Segredos?" ou ainda um, que será concerteza popular, "desculpe, tenho o septo nasal deslocado, importa-se de verificar se tem disponível os Maias?”.
Quem está de regresso à loja é Spartacus, o guia gay 2005. Estão, portanto, oficialmente abertas as festividades, e devo dizer que já se encontra um exemplar guardado para o nosso amigo Greenpeace, que irá para Cabo Verde (ou Açores, é parecido) numa missão de voluntariado. Acho que vai ser uma ferramenta útil para ele levar consigo. Eu diria que é de homem ir fazer voluntariado, mas podia estar a ofendê-lo.
No anterior post referi-me aos blogs que deram em livro. Oportunamente, fui chamado à atenção de que me esqueci do “Livro da Rititi”, também nascido de um blog. Nascido, ou abortado, depende do ponto de vista. Se realmente nasceu de parto natural, terá sido um parto complicado. A reacção mais usual por parte das mulheres a esse livro (?) é: “Este homens nojentos não tem mais nada que fazer do que escrever estas porcarias, ainda por cima passando-se por mulher, como se percebessem alguma coisa de nós!”. Claro que depois, quando reparam que é UMA autora, dizem: “ah, afinal até não tá mal, até tem piada, olha, uma piada, vou me rir: ah ah.” Elucidativo.
Os clientes continuam a tentar Ter piada. Uma rapariga, desesperada, queria um livro para acabar um trabalho para a universidade. Nada de mal até aqui. Faz me vasculhar os confins da loja (vi bolas de cotão do tamanho de bolas de golf, e posso quase jurar que vi um manuscrito do Auto da Barca Do Inferno, mas não os quero induzir em erro). Até que, já sem forças, desisti. Na tentativa de amenizar a situação disse: “Sabe, apesar de dar existência em stock, por vezes os livros saem da loja sem passar pela caixa...”. A senhora ri perdidamente. Estava a tentar, de modo subliminar, dar a entender que poderia Ter sido roubado. Não tem piada. Não era para Ter piada. Mas, não podia suspeitar o que vinha a seguir. Recompondo-se do riso histérico, a cliente ajeita o cabelo e atira, excitada: “Pois, pois, é como dar a volta no Monopólio sem passar pela casa de partida!!!” ao que se seguiram mais gargalhadas descontroladas.
Sou um privilegiado…

domingo, maio 29, 2005

Blogs

Isto dos blogs está na moda. Lentamente a loja vai recebendo cada vez mais e mais blogs editados em livro. Não se pode dizer que o sucesso seja muito. Vejamos por exemplo o Barnabé. Mais de 1 milhão de visitas na net (era o que dizia na capa, atenção os números não são meus...) e 7 vendas. 35% dos livros foram vendidos (o que, para os matematicamente desabilitados significa que entraram 20 livros), não é um desastre total, mas também não deslumbrou. Vejam então o Acidental, o blog que a direita adora. Editado pela Hugin (quem diria? um blog de direita editado pela Hugin, que surpreendente), recebemos 5 livros, vendeu-se 1. Mais do que eu pensava, devo confessar. A direita adora, mas das duas uma: ou não tem dinheiro, ou não sabem ler. O que comprou o livro devia ser um iluminado e deve ter deitado o olho ao Barnabé, sentindo se tentado, qual homosexual perante uma bela mulher. A comparação não podia ser mais apropriada. Continuando pela direita, temos o blog de Ana Anes, intitulado "Estou à Espera Que Me Venham Buscar", também editado pela Hugin. Vieram 3, vendeu-se 1, foram devolvidos 2, vieram mais 2. Nota-se aqui alguma insistência, mas tudo bem. Depois temos o "Leituras de Casa de Banho" de Nuno Gervásio, e aqui sobe o nível dos blogs apresentados. Em termos de vendas, chegaram 10, não se vendeu nenhum, e já lá vai um mês... Depois temos o livro "Inépcia" que, segundo o autor não provêm de um blog mas sim de um e-zine. Mas, enquadra-se bem aqui. Chegaram 15, já passaram 7 dais, não se vendeu nenhum. Como vêm, os blogs editados não primam pelo sucesso. Mas a razão que me fez escrever hoje, qual resuscitação, é o livro do blogo do Gato Fedorento. Aquele link ali na esquerda. E agora reparem, este mastodonte da blogosfera chegou na bela quantia de 50 unidades. Na estreia vendeu 1. Hoje já vendeu outro, mas creio que este se vai safar bem... Curioso é que na nossa base de dados aparece como autor Miguel Góis. Claro, só há espaço para um autor por livro. Sinceramente esperei que aparecesse "Vários" como o autor. Mas não, decidiram-se por Miguel Góis. Porquê? Verão nele alguma qualidade que sobressai? Consideram-no o principal responsável? O maior benfiquista? Ou porque é mesmo o primeiro nome que vem na capa? Depois dizem que não há vantagem em ser o primeiro. E, agora perguntam vocês se gosto do livro. Eu dou-vos a minha opinião: é jeitoso, amarelo, facilmente encontrado em qualquer prateleira ou estante. O amarelo, ainda que sem ferir os olhos, confere ao livro um aspecto que facilmente os distingue dos demais. Sinceramente, espereva um cor-de-rosa bebe, mas não se pode ter tudo. Tem o tamanho ideal, assim a atirar para o gorducho, mais sobre o comprido. É maneirinho, fácil de embrulhar (o que faz com que, desde já, agradeça aos autores e a quem tratou do design do livro, pois, como se sabe, fez um favor à comunidade de pessoas que, tal como eu, tem tanto jeito para embrulhar como o Ricardo para apanhar cruzamentos). Quanto ao odor não posso precisar, pois estou bastante constipado. A textura é rugosa, mas ainda assim agradável, não sendo ideal (ao contrário de outros livros) para limpar o líquido entornado na mesa da sala. Vai bem com batatas a murro e carne assada sobrada do natal, devidamente congelada e selada em vácuo. Foi editado pela editora Livros Cotovia, e como diria o meu amigo: "Ou era pela Cotovia, ou bem que se... Tramva!". Sem ser uma editora com grande peso em termos comerciais, é uma editora bem vista pelo mundo dos livros em geral, cujas novidades expostas por nós são "Iliada" de Homero, tradução de Frederico Lourenço; "Odisseia" também de Homero e também traduzia por Frederico Lourenço; "Gato Fedorento - o Blog" por Ricardo de Araujo Pereira, Miguel Gois, Zé Diogo Quintela e Tiago Dores (troquei-lhes as voltas). É uma sequência mais que lógica: Iliada, Odisseia (dois dos maiores clássicos gregos) e depois o Gato Fedorento. Tudo o que se passou em termos literários entretanto não é digno de registo. Aliás, diz-se que o próprio Frederico Lourenço, confrontado com esta obra mítica disse: "Vou traduzir do grego para português!" Obviamente, foi chamado à atenção que o livro já vinha na lingua de Camões, o que lhe provocou um desencanto enorme. Porque os escritores / tradutores não se chateiam, desencantam-se.
Tenho que acrescentar que o livro traz um texto inédito, intitulado: "Como Escrever Um Texto Humorístico". Claro que, se tivessem editado este texto mais cedo, eu teria chegado mais cedo à conclusão que o texto humorístico não é para mim, e teria se poupado este precioso espaço na internet. Espaço este que facilmente poderia ser ocupado por um clube de fãs do Paulo Almeida, ou por uma página de homenagem a Areias.
Voltando ao livro, perguntam-me se o comprava. Não, porque posso lê-lo aqui. Ou alguém me pode oferecer, alguém famoso que o tenha grátis. Fica aqui o repto. Mas, digo-vos já que vale a pena comprar. E pela primeira vez, apelo à compra.
Agora parem de ler. E venham comprar.

segunda-feira, abril 18, 2005

O Sorriso

Regressado de África, depois de um mês a passar fome, cá estou eu renovado. As coisas por aqui estão basicamente na mesma. Vende-se pouco, reclama-se muito, enfim, o costume. As segundas de manhã continuam a ser uma longa caminhada no deserto. De vez em quando lá aparece um vendedor ou outro, ou algum cliente perdido à procura de jornais ou onde comprar o pão e pouco mais. Os vendedores por vezes até dão para entreter, seja pelos livros mais ridiculos ou pelos desesperados pedidos de verificação de vendas de um qualquer título. Mas, melhor é mesmo quando aparece alguma mulher. Melhor ainda, se for vendedora. Os vendedores são na grande maioria, quase na totalidade, homens. É raro aparecer aqui alguma vendedora. Desde que aqui estou (neste mesmo local, porque raramente saio daqui seja para o que for) só me recordo de ver três vendedoras. E a última que vi veio numa segunda-feira. Se acham que os homens da obras tem piropos caricatos, nunca viram um vendedor de livros a babar-se por uma congénere. E as conversas que eles arranjam para falar com ela também são muito usadas. É o típico: "Ah e tal, eu conheço esta pessoa da sua familia e andei consigo ao colo e tal...". O costume, portanto. Claro que, quando ela sai ouve-se logo: "Aquilo é que é uma mulher bem criada", seguindo-se mais mil e um comentários impercetíveis entre os vendedores. Não me admiro, portanto, que se ouça: "É tão linda que deve vir com 19% de IVA" ou ainda "Queria fáctura-la com 42% de desconto", ou o já famoso "Facturava-te a firme sem direito a devolução" ou até mesmo "Consignava-te até ao fim da minha vida." (Piadas de livreiro. Se não perceberam ou não acharam piada não se molestem por causa disso. É muito à frente).
Em ensaios passados abordei a problemática do sentido de humor dos clientes, no qual salientei, com toda a justiça, a frase: "Se fosse bicho mordia-me.". Frase essa que é utilizada quando algum cliente procura um livro e ele está mesmo à sua frente. Pois bem, hoje defrontei-me com a versão rural deste dito popular, tão do agrado do cliente. Lá estava ele, o cliente, atarantado à procura de livros, quando eu, no pleno cumprimento das minhas funções, lhe indico o livro desejado. Surpreendido, quiçá maravilhado, o cliente solta um sincero: "Epá, é como se tivesse no meio da horta e não visse as couves.". Elucidativo.
Quem esteve cá, depois de uma longa (e sentida) ausência foi a nossa personagem favorita dos Sábados de manhã: Bin Laden. Quem desconhece este mito incontronável vá AQUI. Pronto. Estava eu no balcão a tratar de uns papéis. Atenção, não disse que estava a trabalhar, estava apenas a tratar de uns papéis, fazendo uns desenhos e coisas afins. E vejo-o, qual miragem tornada realidade, a caminhar ao longo da montra. Ciente do que aí vinha, e temendo o pior, digo para a minha colega: "Olha, eu vou só ali dentro ver qualquer coisa." E lá fui eu assim como não quer a coisa lá para dentro. Ela ficou impávida e serena. Já co um pé dentro do back office, já com o doce sorriso da vitória, ouve-se um sonoro: "OH JOVEM!" vindo do interior da loja. Tinha sido apanhado. Apesar da colega se encontrar no balcão, ele queria o expert em terrorismo da loja. E lá tiver que ir. Cheguei ao balcão, ele cumprimentou-me como é hábito. Desta vez, o cheiro a alcoól tinha sido substítuido por um forte odor a perfume. Ficamos agradecidos. Estava mais calmo e bastante mais perecptível que o habitual. Desta vez, por cada 10 palavras que dizia já percebia 4. Como não podia deixar de ser, vinha perguntar pelo Bin Laden, e se já saiu o segundo. Também não sei qual segundo, nem sequer o que era o primeiro, mas é isso que ele quer. Estava calmo e amigável, o que me motivou a dar-lhe uma resposta simpática, o habitual: "não temos, não está previsto a saída, deve estar mesmo esgotado na editora." Antes sequer de conseguir abrir a boca, a minha colega dispara: "NÃO NÃO TEMOS NADA NEM VAMOS TER NEM TAMOS A PLANEAR A TER ESTÁ ESGOTADO E NÃO SAI MAIS!". O homem, deu alguns passos para trás assustado, agradeceu e saiu. A minha colega cruzou os braços e disse: "Aprendeste como é que se lida com eles?". Eu levei as mãos à cabeça e disse: "Tu estás doida? Este homem é um fã do eixo do mal, ele venera o Bin Laden e o 11 de Setembro, tens muita sorte se não tiveres uma bomba no carro." Impenetrável como sempre, a resposta da colega foi: "Quero lá saber." Eu disse que também não queria saber, mas que se depois não conseguisse processar vendas só com um braço ou subir ao escadote sem uma perna que não contasse com a minha ajuda.
Há várias capas de livros que são enigmáticas. Talvez a mais enigmática de todas seja ESTA. Miguel Sousa Tavares, famoso jornalista e escritor responsável pelos best sellers aclamados pela crítica Equador e SUL - Viagens, aparece sentado, ostentando um largo sorriso, no meio de uma estrada, algures em África. O seu olhar está suspenso no horizonte, focando algo que será o motivo do seu sorriso. Durante meses nós olhámos para a capa e pensámos no que estaria fora do enquadramento da fotografia. Alguma explosão? Jovens a fugir de uma manada de bois selvagens? Algum desastre natural? A Manuela Moura Guedes a ser atropelada por um camião de gado? Todos davam as suas razões e já havia até uma aposta relacionada com isso. O que faria o sério, sisudo e carrancudo Miguel Sousa Tavares sorrir? Muitas vezes se pôs a hipótese de ser um sorriso forçado para a capa do livro. Duvido. Tenho-o como uma pessoa íntegra. Rabugenta, mas íntegra. Ontem, olhando para a capa pela mílésima vez, vi a luz. Miguel Sousa Tavares apresenta aquele esgar que se assemelha a um sorriso por uma simples razão: Está sentado em cima de um ouriço. Faz sentido. Ele apresenta um ar como quem diz: "Tirem a foto rápido que já não aguento mais a dor." As melhoras, e esperamos ansiosamente pelo próximo livro.

sexta-feira, março 25, 2005

A Culpa Não É Nossa...

Esta semana que passou foi assaz atribulada. Senão vejamos: duas reclamações violentíssimas em apenas três dias. Depois de uma semana de merecidas férias, volto ainda mais saturado do que sai. Além disso, sou logo brindado pelo topo de gama dos clientes. Uns atrás dos outros lá vinham eles, desfilando pela loja, tentando desesperadamente dar-me cabo do juízo. E, há que sublinhar o facto que não é propriamente difícil. O regresso foi mesmo doloroso. E quando pensava que as coisas não podiam piorar, entra um homem visivelmente exaltado. Ao aperceber-me de que viriam aí problemas, disse ao meu colega Bond: “Bem, este gajo vai arranjar problemas. Mas é na boa, tamos aqui os dois, não é Bond? Bond? B…?”. Estava sozinho. Bond, como tantos outros na história, estava sentado na cadeira do capitalismo. Nova aquisição da loja, a cadeira de pele almofadada do capitalismo arrasta os mais fracos com o seu poder. E, quatro dos residentes da loja já caíram (literalmente) nela. Já Jerónima, a nossa funcionária de esquerda (existem inclusivamente rumores que indicam que possa ser sobrinha-neta de um líder histórico), atraída pelo negro poder tentou sentar-se na cadeira do capitalismo fazendo com que esta caísse. Uma pesada derrota do capitalismo. Então lá fiquei eu, abandonado, à mercê do cliente furioso. Chega ao balcão, com um livro da Ferrari debaixo do braço e um talão de encomenda na mão. Boa, pensei eu. Estive uma semana fora, não faço a mínima ideia do que se passa em termos de encomendas, seja o que for que o homem perguntar não vou saber responder. De uma forma completamente brusca o cliente diz: “Eu fiz esta encomenda à 2 semanas, entretanto já fui a várias lojas vossas e tinham o livro. Está aí o livro?!”. Procurei incessantemente o livro, e em vão como se esperava. A indignação subiu brutalmente: “EU PODIA TER COMPRADO O LIVRO, MAS MANTIVE A MINHA PALAVRA E VOCES NÃO CONSEGUEM CUMPRIR?!?! QUE RAIO DE EMPRESA É ESTA? EU GOSTO DE COMPRAR AQUI, MAS ASSIM NÃO DÁ, NÃO DÁ!” A esta altura eu já sabia que o melhor era permanecer calado e apreciar devidamente o espectáculo. As queixas continuaram: “ONDE ESTÁ O RESPONSÁVEL? QUERO FAZER UMA RECLAMAÇÃO! AINDA BEM QUE GUARDEI O TALÃO, É UMA PROVA! A SENHORA QUE ME ATENDEU DISSE QUE DEMORARIA UMA SEMANA, QUERO VER A DATA DO PEDIDO! QUERO VER O PEDIDO!” Como seria de esperar, nem sequer encontrei o pedido. Já não sabia onde me havia de esconder, e o homem cada vez mais furioso. No pico da fúria, o espectáculo atingiu o seu auge. Devo salientar apenas alguns dos impropérios que o excelso cliente soltou: “ISTO É UMA INCOMPETENCIA! GOSTO DA VOSSA EMPRESA, MAS ASSIM… NÃO! POR ISTO É QUE O PAIS DEVIA ESTAR MERGULHADO NUMA ANARQUIA! SIM, UMA ANARQUIA! DEVIAM ESTAR TODOS DESEMPREGADOS E MORRER À FOME!”. Bom, neste momento, o cliente já tinha atenção de toda a gente, que, obviamente, não queriam perder pitada deste triste espectáculo. E, se eu pensava que ele tinha atingido o limite, ele continuou: “DEVIAM IR PARA AFRICA E MORRER À FOME! DEVIAM IR PARAR AFRICA! E ESSA SENHORA QUE ME ATENDEU NÃO DEVE GOSTAR DE TRABALHAR AQUI. TENHO MUITA PENA SE GOSTA, PORQUE VAI DEIXAR DE TRABALHAR! SECALHAR DEVIA ERA TRABALHAR NOUTRO TIPO DE CASA!”. Eu continuava no balcão, sereno, sem sequer ter tentado uma vez que fosse interromper ou contradizer o cliente. Afinal de contas, não é todos os dias que se vê um circo destes. Sentia-me como Sir David Attenborough atrás de umas folhagens observando um animal em fúria. Torna-se claro que o silêncio tem de ser absoluto. “JÁ VI QUE NÃO TEM O MEU PEDIDO! QUERO QUE ME CARIMBE UM PAPEL EM QUE DIGA QUE O ME PEDIDO NÃO ESTAVA AQUI. VOU FAZER UMA GRANDE RECLAMAÇÃO! PEÇO IMENSA DESCULPA MAS ESSA SENHORA VAI SER DESPEDIDA. VAI SER.” Aqui devo dizer que tremi. Se ele pedisse o livro de reclamações seria um problema. Não só não faço ideia onde está como também não faço ideia se existe sequer! Claro que eu podia logo ter dito que ela já nem sequer trabalhava lá. Mas, é mais giro dar lhe o trabalho de fazer uma reclamação e ficar ainda mais furioso se lhe responderem que a pessoa em causa já não presta serviços para a respectiva empresa. Preferi continuar a ouvir: “EU NÃO SEI O NOME DA SENHORA. NÃO SEI. NÃO SABE QUEM É? NÃO ME DIGA QUE AGORA TENHO DE ANDAR COM UM POLICIA ATRAS PARA IDENTIFICAR AS PESSOAS COM QUEM INTERAJO!”. Esta declaração fez subir a minha consideração por ele. Vejo que é fã do melhor aspirante a candidato presidencial de sempre: Manuel João Vieira. Ele sim, defende um polícia por cada português. Temos aqui um fã. Portanto, com esta subida de consideração, este cliente situa-se algures entre o Alexandre Frota os buracos da estrada. Entretanto, passou-lhe a fúria. Comprou o livro da Ferrari que trazia debaixo do braço e saiu, calmamente. Sinceramente senhores clientes, um conselho: Quando acordarem de manhã e não tiverem Viagra, e depois a vossa mulher vos chamar Chico e disser: “Electrocuta-me com o teu raio, meu leão!” e ficarem chateados, não descarreguem em nós. Não temos culpa.
Agora seria a altura de escrever sobre a segunda reclamação, mas não posso. Tenho de apanhar o avião para África...

domingo, fevereiro 20, 2005

Pérolas da Literatura Parte III - LSD Cósmico

A terceira obra é o enigmátco "Gatilho Cósmico, o Derradeiro Segredo dos Illuminati". Apesar de ainda não ter sido vendido, já está prometido. Já existe uma reserva para um cliente, que parecia bastante interessado no livro. O autor livro é conhecido por RAW, e segundo a sinopse "faz perguntas incômodas na busca pela verdade". Segundo o autor , a nossa consciência está condicionada, sendo o primeiro passo para a libertar "aprender a lembrar o burrico invisível". O LSD bate forte. Livro verdadeiramente assombroso, um prodígio.abrange um panóplia impressionante de assuntos, sempre com a mesma clarividência. Assuntos estes que vão desde a Operation Mindfuck (ou, como eles chama Operação Estupro Mental) até ao milagre de Fátima. Sim, meus amigos, o milagre de Fátima também está contemplado, e passo a citar: "Os católicos agora chamam a Virgem Maria de Nossa Senhora do Espaço" dizendo também que devemos responder à "pergunta cabeluda" relativamente ao que aconteceu em Fátima, onde "100.000 pessoas participaram telpaticamente da mesma alucinação": "Até que ponto essa realidade de consenso é similarmente criada?". LSD 2, RAW 0, siga o jogo.
Mais tarde o autor conta como era editor da revista Playboy, e foi assim que descobriu que o número 23 era tremendamente importante, dando depois uns exemplos de acontecimentos no dia 23 e que tiveram consequências como 23 anos de cadeia ou 23 dentes partidos, acrescentando depois: "A partir do momento em que o burrico que nos carrega observa estranhezas desse tipo, o sinal chave torna-se proeminente em todas as ocasiões".
Avançando umas páginas, chegamos a um capítulo com um título bastante comum em diversos livros: "Seres de Luz, Cães Falantes, Mais Extraterrestres e outras Criaturas Estranhas". Quem já não leu um capítulo com esse título? RAW explica que fala com uma entidade que "não era totalmente coerente" (a lucidez tenta vir ao de cima.) mas depois diz que a culpa era da própria mente que não conseguia captar tudo o que a entidade dizia, algo que, segundo ele é "típico dos fenómenos ocorridos com ovnis". Conta depois três marcantes histórias, que só por milagre ainda não figuraram do Jornal Nacional da TVI.
A primeira consiste no "seguinte diálogo esclarecedor entre um Ufonauta e um ser humano:
Ufonauta - Que horas são?
Ser Humano - Duas e trinta.
Ufonauta - É mentira. São quatro horas."
RAW explica então que "esse incidente ocorreu na França em 1954 e o Ovni acelerou e sumiu logo após o diálogo. O horário era realmente 2h3.". Ai está a prova que faltava para concluirmos que os relojoeiros são fraudulentos mesmo no espaço sideral.
O segundo caso remonta à cidade americana de Pittsburgh, no ano de 1908, onde "um cachorro se aproximou de dois detetives da polícia (.) e disse educadamente: "Bom Dia". Depois desapareceu num sopro de fumaça verde." Há que ressalvar a boa educação do cão, que os cumprimentou cordialmente antes de se esfumar. Cão, se me estás a ler, os polícias sentem a tua falta. O autor explica este acontecimento com alterações no burrico. Mais uma vez a culpa é do burrico, já parecem os adeptos do Porto a queixar-se do Quaresma: "Ah e tal, se ele não estivesse tão preocupado onde estacionou o burrico jogava melhor."
O terceiro caso deu-se no Brasil em 1971, quando "dois jovens encontravam-se um carro quando tiveram a impressão de que um ônibus aproximava-se perigosamente atrás deles. Então, seus metaprogamadores divergiram. Um deles teve a impressão que um disco voador tinha aterrissado. Pensou ter sido levado a bordo e ter feito aquela costumeira viagem a um planeta alienígena." Antes de continuar, atente-se na costumeira viagem, um hábito comum a qualquer pessoa. Continuando: "Em seguida, encostou-se em pé atrás de um carro que alguém estacionara ao lado da estrada. O outro ficou com a impressão de um lapso de memória (ou de um salto no tempo?) e, acordando, simplesmente se encontrou em pé atrás de um carro, sem lembrar de quem parara o carro e de quando saíra dele." Um dia normal na vida de dois jovens brasileiros, portanto. Então, o autor avança três explicações para o sucedido:
"Um - Um disco voador abduziu os dois jovens; após procederem a experiências com eles, usaram uma máquina defeituosa de apagar memórias". Consta que, fruto das experiências alienígenas, um dos jovens começou a ter dificuldade a sentar-se e demonstrou uma violenta vontade de se tornar militante do PS, tendo inclusivamente comprado um livro do Cláudio Ramos enquanto ouvia o hit-single Mr. Gay no carro.
"Dois - havia algum tipo de anormalidade no campo magnético da Terra naquele mesmo ponto em que foi administrado o choque traumático. Uma das vítimas sofreu uma alucinação de estar voando em um disco voador e o outro sofreu um "apagão"." Também eu fui afectado à tempos por isto. Estava a casa, e pareceu-me ter visto o Benfica a perder 2-0 com o Beira-Mar em casa. Ao comentar o facto com a minha esposa, ela exclamou: "Ah, isso deve ter sido uma alucinação provocada pelo campo magnético."
"Três - Eles (os sinistros experimentadores) encontravam-se naquele enigmático ônibus que chegara perigosamente perto, pouco antes do estupro mental. Eles conectaram os jovens a algum tipo de máquina de estupro mental e. Mais panquecas do espaço.?"
Coerência. Clareza. Sinceridade. Verdade. Sentido. Tudo isto se pode encontrar no texto de RAW. LSD 3, RAW 0, é a goleada total.
RAW fala depois na censura que sofreu quando queria publicar um livro chamado Illuminatus, que sofreu um corte de 500 páginas. Diz que a censura partiu da Sociedade Discordiana, uma entidade que honrava o imperador Norton e possuía um livro sagrado intitulado "Como Encontrei a Deusa e o Que Fiz Para Ela Depois de Encontrá-la" que, como sabem, é do mesmo autor do livro "Como Estava Dormindo Um Dia e Acordei e Vi Deus Mas Fugi Porque Ainda Não Tinha Tomado Banho e Não Queria Causar Má Impressão Apesar de Deus Ser Omnipresente e Saber Que Cheiro Mal o Que Pode Prejudicar Seriamente a Minha Ascensão ao Reino dos Céus o Que Iria Traumatizar a Minha Mãezinha Que Deus a Tenha". Esta entidade é representada por personagens como (atenção, isto é verídico) Malaclypse, o Jovem; Mordecai, o Asqueroso; Fang, o Deslavado; Harold, Senhor do Fator Aleatório; Onrak, o Retrógado., entre outros". Correm rumores de a Socidade Discordiana está a pensar em adquirir os préstimos de Bibi, o Pedófilo; Santana, o Galã; Trappatoni, o Senil; Paulo Almeida, o Veloz; Liedson, o Palhaço Verde; Castelo Branco, o Másculo; Manuela Moura Guedes, a Imparcial; entre outros cujo nome ainda mora no segredo dos Deuses. Aqui ficaremos, impacientes, à espera de mais notícias dos Iluminados.
Um bem haja...

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Pérolas da Literatura Parte II - Ufologia

A próxima pérola chama-se UFOs, Espiritualidade e Reencarnação. Neste livro encontramos vários casos relacionados com ovnis e várias entrevistas com pessoas que presenciaram ou foram mesmo raptadas por estes. Depois relaciona ovnis com reencarnação e dá várias explicações acerca do fenómeno (fenômeno em português do Brasil) extraterrestre. Tudo, obviamente, apresentado da forma mais científica e racional possível. Se pensam que os Americanos acham que os ovnis vão sempre lá parar é porque não conhecem os brasileiros. A meio do livro encontrei um caso que me suscitou um interesse especial: o caso Varginha. O estudo do caso foi levado a cabo pelo renomeado advogado/ufólogo Ubirajara Rodrigues. O seu nome e as suas ocupações transpiram credibilidade. Várias pessoas, supostamente, avistaram um ovni que se despenhou rapidamente. Aqui entra a saga de duas irmãs e uma amiga (L, V e K - nomes fictícios), que a caminho de casa, já de noite, decidiram ir por um atalho e deram de caras com "uma criatura agachada junto a um muro (.) pele marrom, viscosa, olhos enormes de cor vermelha e três protuberâncias na parte superior da cabeça (.) não notaram sinais que indicassem a presença de uma boca (.), apresentava ainda muitas veias saltadas". Deixo aqui, cortesia dos meus contactos dentro do mundo da UFOlogia , a verdadeira história de Varginha: (atenção, ler com sotaque)
L - Nossa, já é de noite e tá tão escuro, vamo pra casa.
V - Sim, vamo, ma já que tá tão escuro vamo pelo atalho pelo meio da mata, A nossa aldeia já é tão mal iluminada, mais vale ir pelo escuro mesmo.
K- Oh diacho, tá ali um bicho do mato agachado! Que horror! É o Frota!
L - Não liga K, é apenas o vovô cagando na mata!
V- Não L! Não Não! Olha só os olhos vermelhos e a pele marrom! E os altos na testa?
L - Pois, tá vendo? É o vovô mesmo! Vá, vamo pra casa que vai começar a novela!
V - Eu vou lá. Vovô? Vovô? A vovó voltou a expulsar vocemessê de casa? Vocemessê voltou a deixar a dentadura e o capachinho na sopa? É, garotas, eu acho que vovõ não se tá sentido bem não. Olha só quanta veia saltada gente!
K - Eu acho que não é o seu avô não, olha só! Não tem boca!
L - Não liguem não galera, ele tem problemas de trânsito intestinal, só isso! Se demorassem horas também iam encolher a boca e saltar veia né? Daí que custa gente, deixa o vovô em paz!
Criatura do Espaço - errrrrrrrrrrrrrrrr, errrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr.
K - Ouçam, ele disse qualquer coisa.
L - AH! FUJAM! Vovô tá querendo que o limpemos!
E assim fugiram para casa enquanto choravam compulsivamente, afirmando ter visto o demónio. Quando Ubirajara voltou, a criatura já não estava lá, e várias pessoas afirmaram ter visto helicópteros do exército a rondar a área. O mistério subsiste.
Este livro mitico também desvenda uma das mais antigas duvidas da humanidade. O autor dá razão a quem duvida da vinda dos extraterrestres à terra, porque não faz sentido nenhum viajarem milhões de anos luz para cruzarem os nossos céus e voltarem para trás. E, realmente não faz, tenho que concordar. É então que ele sugere a resolução para esse problema: bases sub-aquáticas. Sim, bases sub-aquáticas. Quem não se lembra dos mistérios do triangulo das Bermudas? São apenas as bases a funcionar... Assim, já é totalmente plausível a vinda dos extraterrestres: querem sol e praia. Nada mais. Nadar, ver uns peixes, raptar e sodomizar uns quantos terráqueos, nada que os turistas ingleses não façam no Algarve.
Esta obra-prima também já foi vendida, sendo agora propriedade de uma personagem que cá vem muitas vezes, sobejamente conhecida pela sua voz anasalada (há quem o trate por fanhoso, eu não vou tão longe.) e pelo seu interesse em livros de matemática e agricultura. Só sei que se ele voltar aqui e não estiver fanhoso foram os extraterrestres. Agora deem me licença que vou alinhar a cabeça e o coração EEEEEEEE...

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Pérolas da Literatura Parte I - EEEEE....

Na já famosa encomenda dos 450 livros chegaram algumas pérolas da literatura contemporânea. Sem bem que denominar algumas delas de contemporânea é estar a denegri-las, porque algumas destas obras são eternas. Em seguida vou-vos apresentar passagens dos mais selectos e brilhantes livros que chegaram à nossa loja neste início de ano. Há que salientar também o facto de eles estarem escritos no melhor português do Brasil que possam imaginar.
Começamos com o livro “11:11 A abertura dos Portais”. E o que é o 11:11? Pergunta o nosso leitor mais incauto. O 11:11 é um porta dimensional, aliás, é muito mais que isso, e passo a citar: “Quão numerosos são os que tiveram as suas vidas pautadas por súbitas pausa [sic] no que quer estivessem fazendo, para, ao olhar para o relógio, constatar ser onze horas e onze minutos?”. No mínimo isto é misterioso... Portanto, atenção se olharem para o relógio e forem 11:11, são especiais e juntam-se assim (sem quaisquer encargos) ao restrito grupo de pessoas que olharam para o relógio e eram 11:11. Vou tentar entrar, vou olhar para o relógio. Raios, são 21:40, não vou a lado nenhum. E continuam: “O 11:11 nos fala, (…) nos permite acessar a outra dimensão.” É verdade, conheço eu mesmo pessoalmente pessoas que, olharam para o relógio e eram 11:11, e passado poucos segundos estavam nas 11:12, viajando assim para o futuro. O livro fala também dos rituais a fazer quando forem 11:11 (atenção, de 1992. Eu sei que já passou, mas isso é secundário. Estejam à vontade para prosseguir com o ritual num dia à escolha, afinal, todos os dias são bons dias para fazer figuras ridiculas) façam alguns movimentos com os braços, de forma mais ou menos aleatória e que os faça fazer figuras tristes, a que o autor (Solara de seu nome) dá o nome de “Movimentos Unificados”.
Um dos primeiros movimentos que o autor descobriu foi o alinhamento cabeça coração. Diz então o autor: “… eu estava tendo grande dificuldade em alinhar minha cabeça e meu coração…”. Sendo que a cabeça está centrada no corpo e o coração do lado esquerdo, percebe-se a dificuldade. É então que ele descobre um exercício (o tal alinhamento da cabeça e coração), que consiste num movimento dos braços como se fosse um arco-íris. Ao fazer este movimento, diz o autor: “Faça o som EEEE. Enquanto faz esse som visualize o som EEEE.” Ora, escusado será dizer que quando eu estava a fazer o movimento fui interrompido por um cliente que me perguntou se eu estava-me a sentir bem ou se precisava de ajuda.
O autor dá também especial atenção aos golfinhos, que considera “grandes Mestres” que se irão unir à presença estelar de “A-Qua-La A-Wa-La”. Devo advertir para não dizerem isto em voz alta porque correm o risco de, além de passarem por loucos com os movimentos unificados, darem a ideia de terem deficiências na fala. Isto pode prejudicar gravemente a vossa vida sexual.
O mesmo autor dá depois uma lista de acontecimentos por tudo o mundo no 11:11. (5:11 no GMT, porque estes jovens estão atentos às tecnologias):
Austrália: Luzes laranja foram vistas por milhares de pessoas.
Egipto: Jean Houston liderou um grupo de 90 pessoas nos movimentos unificados em Luxor
Nova Zelândia: Uma senhora foi até ao Monte Cook e um Maori viu dois seres altos em Auckland
Pólo Norte: Uma pessoa ancorou a energia aqui.
Portugal: Santana Lopes foi nomeado primeiro-ministro.
Reparem no número decrescente de intervenientes nos vários locais, e no crescente ridículo das situações.
Quando vi este livro pela primeira vez pensei: Boa, mais um para ficar a apanhar pó. Mas, não, vendeu-se. E logo dois ou três dias depois de ter chegado, e ainda para mais sendo um livro que custa 30.90€. 30.90€… Está a ficar caro fazer figuras tristes enquanto se grita EEEE…

terça-feira, fevereiro 08, 2005

Do Outro Mundo...

Adoro aqueles programas em que os apresentadores perguntam, em jeito de conclusão, aos distintos convidados o que gostavam de ver no ano que agora se iniciou. Fim da fome, início da paz mundial, cura para todas as doenças. Chamem-me modesto, mas eu peço apenas para alguém não voltar a por o cd do Phil Collins o dia todo aqui no centro comercial. É mau demais para ser descrito por palavras, e a única imagem que me vem à cabeça sou eu com uma corda à volta do pescoço a tentar fazer com que o banco que me segura caia de uma vez no chão. E eis que, quando eu pensava que tinha atingido o pico do sofrimento audível, começam a intercalar Seal com Phil Collins. Durante horas. Basicamente é o mesmo que alternar entre qualquer tipo de tortura medieval com jogos do Benfica este ano. É mau demais para suportar.
O mais curioso é que eu já tinha escrito isto há alguns dias. Confesso que pensei em não me pronunciar relativamente a este assunto, mas após três dias de audição contínua e ininterrupta a minha mente enlouqueceu de vez. A minha mão está constantemente a tentar agarrar em objectos pontiagudos e a espetá-los nos meus ouvidos. E eu sem controlo nenhum sobre as minhas acções. E, o pior de tudo. A música ainda toca. E toca.
Recentemente recebemos a visita de uma reconhecida autora de livros para os mais estu.. perdão, os mais crentes: Alexandra Solnado. Paladina das conversas com o além, Alexandra Solnado tem mais um best-seller em mãos: O Eu-Superior. Consta que, fruto das suas avançadas comunicações com o outro mundo, a Vodafone está a pensar em contratá-la. Vodafone que, por sua vez, já tem um bom historial de relações com entidades que falam tu cá tu lá com o além. Basta ver o Benfica: tem uma equipa que valhas nos Deus. Nunca uma equipa pôs tanta gente a rezar. Voltando à Alexandra Solnado, cá esteve ela, a espalhar a sua boa disposição por todos os cantos deste estabelecimento. Para quem desconhece a obra (shame on you) Deus trata-a carinhosamente por "cabritinha". Ora, depois de a ter atendido, já fiquei a perceber porquê. A sua má disposição é divinal. Ela queria um livro, não sei bem precisar qual porque estava maravilhado com a sua presença, e pareceu bastante chateada por não haver. Tenho umas questões a fazer: Porque não perguntou a Deus se existia ou não? Não saberá mais Deus do que eu, um mero livreiro? Será que Deus também tem erros de stock? São questões pertinentes. Tendo inquirido Deus, ela escusava de ter vindo cá, poupando a si o trabalho e a nós a sua boa disposição.
Outra situação curiosa prende-se com um facto que ocorre com alguma frequência: autores virem aqui à livraria para saber do sucesso (ou falta dele.) dos seus livros. Embora possa saber isso através da editora (fonte, ainda que duvidosa, bastante mais fiável) adoram vir aqui perguntar. Obviamente que, todos os livreiros como eu, não temos mais nada que fazer do que satisfazer os pedidos dos requintados autores. E convém termos atenção e decorar todos os stocks e respectivos movimentos de cada livro de cada autor português. O que é ainda mais engraçado é que os autores perguntam pelos livros mas nunca se assumem como tal. O problema é que se esquecem duma coisa: muitas vezes nós conhecemo-los. Fazem figura triste. Outras vezes ainda é melhor: não fazemos ideia de quem eles são, e à pergunta "Este livro tem vendido bem?" surjam respostas, como inclusivamente eu já ouvi: "Isso? Não, isso não vende nada, as pessoas não demonstram interesse nenhum nisso!", provocando expressões hilariantes nos autores. Imaginem que vem um autor chamado Tony (nome fictício, acontecimento verídico) aqui à loja. Ao indagar das vendas do livro de um autor chamado Tony, uma colega perguntou: "É o autor?" e ele respondeu: "Não, não, tenho só curiosidade!". Ao acabar de dizer isto, aparece uma senhora à porta da loja que diz: "Então Tony, o teu livro tá a vender bem?". O constrangimento é uma coisa tão bonita.
Esta mesma colega participou noutro acontecimento caricato. Num momento calmo na loja, entra uma senhora completamente desvairada. Aproxima-se do balcão e diz, indignadíssima: "Fui ali à Fnac e, veja-me bem isto, nenhum funcionário sabe quem é o Tchaikovsky! Nenhum! Que vergonha!". A resposta da colega foi a seguinte: "Pois, sabe, a culpa não é deles. É da administração. Não lhes dão formação, não os ensinam, como quer que saibam?" Os níveis de indignação da senhora rebentaram a escala: "Eu vou ali à Fnac e dizem me que não sabem quem é o Tchaikovsky e agora, ainda pior, venho aqui e respondem me isto?" Faz me lembrar qualquer coisa. Ela ficou chateada , concerteza que ficou chateada. Secalhar é melhor a senhora ir a algum lado onde inclusivamente lhe dirão "ah e tal sim senhor."...

domingo, janeiro 30, 2005

Na Iminência de Ser o Que Será

Na semana passada chegou uma encomenda com o bonito número de 450 livros, o que se veio a traduzir em 22,5 metros de etiquetas. Que diversão. Para piorar o caso, alguns dos livros não constavam da base de dados, o que significava que não se poderia finalizar a encomenda. Nestes casos à que recorrer a uma técnica samurai milenar: o pedido de abertura. E no que é que consiste o pedido de abertura? Simples (pelo menos para os mais dotados): inserir os dados referentes ao livro (título, autor, proveniência, tipo de livro, preço, etc, etc...). Há que referir desde já que, em 90% dos casos, todos os dados estão bem vísiveis nos livros. Greenpeace, esse monstro dos livros cujo balido faz tremer até os mais duros marujos do mar da literatura, esse salteador do cotão perdido, pegou num monte de livros e resolveu deitar mãos à obra. Qual treinador de pokemon, ele ia apanhá-los todos. E assim o fez. Aconchegou-se junto ao computador e lá começou ele a fazer os pedidos de abertura. Quando cheguei no dia seguinte, ao ver os pedidos de abertura todos feitos disse para mim mesmo: "Com mil raios, este homem é fenomenal, está tudo feito!". Tudo parecia em ordem para terminar a encomenda, mas a tragédia abateu-se sobre os céus da livraria umas horas mais tarde. O impensável aconteceu: 90% dos pedidos de abertura de Greenpeace foram rejeitados. Levado pela fúria, Greenpeace tenta corrigi-los, mas em vão. Foram novamente rejeitados. Tentou novamente, e novamente. E sempre com o mesmo destino: a rejeição. Imbuído de um espírito fraterno e altruísta, decidi partir eu na aventura de corrigir os pedidos. Ao fazê-lo, descobri algo que nunca tinha visto antes. Qual foi o meu espanto quando percorro a página do pedido até ao fim na ânsia de desvendar o erro, e dou de caras com algo chamado histórico do documento. Neste histórico vem discriminado as horas dos pedidos, as suas rejeições, e o porquê das rejeições. E é esse histórico que venho aqui transcrever, devido ao seu carácter único. Reparem bem, no ínicio do histórico tudo corria lindamente, mas a situação iria piorar... Tenha também atenção às notas deixadas pelo tribunal de decisão de pedidos de abertura.
Histórico do Documento
23/01/2005 20:05 (Sistema) Novo Pedido
23/01/2005 21:05 (Sistema) Pedido Submetido por Greenpeace
24/01/2005 18:03 (Tribunal) Pedido Rejeitado com a seguinte justificação: Insira o nome do autor correctamente, escolha o país de origem da editora, o tipo de encadernação e insira o nº de páginas.
24/01/2005 19:20 (Sistema) Pedido Re-Submetido por Greenpeace (NOTA: Será Desta?)
25/01/2005 12:50 (Tribunal) Pedido Rejeitado com a seguinte justificação: Verifique autor, país de origem da editora, tipo de encadernação e insira nº de páginas!!!! (NOTA: Irra que é chato)
25/01/2005 14:33 (Sistema) Pedido Re-Submetido por Greenpeace (NOTA: Não desistas.)
25/01/2005 14:50 (Tribunal) Pedido Rejeitado com a seguinte justificação: Verifique autor, país de origem da editora, tipo de encadernação e insira nº de páginas!!!! (NOTA: Quem é que contratou o Stevie Wonder para fazer pedidos de abertura?
25/01/2005 15:03 (Sistema) Pedido Re-Submetido por Greenpeace (NOTA: Força Martunis)
25/01/2005 15:10 (Tribunal) Pedido Rejeitado com a seguinte justificação: Verifique autor, país de origem da editora, tipo de encadernação e insira nº de páginas!!!! (NOTA: Tanto tsunami por aí e não há nenhum que leve este jovem.)
25/01/2005 15:33 (Sistema) Pedido Re-Submetido por Greenpeace (NOTA: Alguem dê vaselina ao rapaz...)
25/01/2005 16:04 (Tribunal) Pedido Rejeitado com a seguinte justificação: Verifique autor, país de origem da editora, tipo de encadernação e insira nº de páginas!!!! (Se erra mais uma chamem o Bibi por favor)
25/01/2005 17:13 (Sistema) Pedido Re-Submetido por Greenpeace (NOTA: És mais chato que o Santana)
25/01/2005 17:20 (Tribunal) Pedido Rejeitado com a seguinte justificação: Verifique autor, país de origem da editora, tipo de encadernação e insira nº de páginas!!!! (NOTA: Se fosses jogador de futebol eras o Iordanov)
25/01/2005 17:41 (Sistema) Pedido Re-Submetido por Greenpeace (NOTA: Alguém diga ao rapaz que o Castelo Branco não é, eu repito, não é um exemplo a seguir, alguém lhe baixe a mão)
25/01/2005 18:00 (Sistema) Pedido Aceite (NOTA: EEEH VIVAAAAAAAAAAAAAAAAA UAAAAAAAAAAAAAAAU Alguém dê a taça ao rapaz, já posso morrer descansada...)
Para terminar, uma palavra de apreço ao colega Greenpeace, não só pela sua determinante falta de jeito a fazer pedidos de abertura, mas pelo seu sentido de humor (não se chateia com pouco o rapaz, e pelo título, sugestão do próprio. És grande.

terça-feira, janeiro 11, 2005

O Pêndulo

Qual é o nível aceitável de conhecimento que deve ser exigido a um livreiro? Mais uma senhora da alta sociedade (mora talvez no quinto andar) visitou a loja trazendo consigo uma pergunta curiosa: "Olhe, destes livros toooodos (apontando para metade da loja) o que é teve primeira edição este ano?" Falhei, estive muito mal. Ela apontou só para cerca de 1000 livros. Devia saber no mínimo de cór os livros que saíram o ano passado. Depois de um ou dois tiros no escuro, que obviamente falhei, consegui irritar a senhora, que disse o seguinte: "Mas se o senhor não sabe, quem é que há de saber? O senhor está aqui a fazer o quê?" Pensei em dizer que estava a estudá-la para a poder retratar no meu blog, mas duvido que ela soubesse o que era isso, o que daria azo a eu ver me obrigado a perguntar: "Se a senhora não sabe, quem é que há de saber? A senhora está aqui a fazer o quê?" Quando ela saiu, dei por mim a subir ao balcão e a pensar em acabar a minha vida na livraria, tal o impacto que a senhora teve em mim. Decidi viver, debaixo do aplauso dos presentes.
Realmente estas senhoras da alta sociedade são engraçadas. Têm piada, co'a breca. Era pegar numa mão cheia delas, pô-las em frente a uma cãmara e pronto, tinham programa. Não precisavam de motivo, nem de cenário, nem de nada. Deixeim nas falar e vão ver. Por exemplo: uma senhora queria um livro. De momento não tinhamos, mas a senhora queria encomendar. Depois de ter tomado nota dos dados da senhora (algo que demora cerca de 5 minutos, porque tenho de registar os 14 nomes da senhora, mais o telefone de casa e o celular, e o outro celular porque pode estar na ginástica ou a tomar o chá) ela diz o seguinte: "Olhe, se ligar e atender uma senhora MEIA estrangeira, não se assuste, diga só LIVRO, que ela depois diz me e eu percebo." Ora bem, temos aqui algo deveras interessante do ponto de vista sociológico: o MEIO estrangeiro. Não é português, não é estrangeiro. É apenas meio estrangeiro. Talvez nascido na fronteira com Espanha, talvez fruto de alguma experiência maligna, o meio estrangeiro está aí para ficar. Segundo a senhora, a inteligência do meio estrangeiro é limitada, daí a necessidade de refrearmos o palavreado, sendo necessário usar somente a palavra LIVRO, pois algo mais do que isso faria o meio estrangeiro entrar em curto-circuito e explodir, manchando a carpete persa da cliente.
A terceira senhora foi a estrela da companhia. Chegando cedinho, pela manhã, praticamente ao som dos galos, lá foi ela à procura de um livro de medicina veterinária para oferecer ao médico do seu cão. Não sei se é só de mim, mas oferecer um livro de medicina veterinária a um veterinário é um bocado mau. O pobre homem já faz disso a sua vida, tipo dissecar cães e gatos, fazer-lhes toques rectais e coisas que tais, e ainda por cima como agradecimente ainda recebe um livro que lhe explica as coisas que ele faz no dia-a-dia. Ou o senhor acima referido tem pouco ou nenhum jeito para a matéria (consta que a cadela Sissi da senhora antes de lá ter ido era um másculo pastor alemão chamado Rex) ou então a senhora acha que ele ainda pode melhorar. Porque não oferecer como forma de agradecimento livros de condução a estafetas ou mesmo livros de cozinha a cozinheiros? "A comida está tão boa que eu vou lhe dar um livro que ensina a cozinhar." Mas, isto nem sequer é a razão pela qual a senhora figura ilustremente no blog.
Quando lhe peço amavelmente que me siga, com o intuito de lhe mostrar a secção reservada aos livros de medicina, a cliente, como é normal, dirigiu-se em direcção à única saída do balcão, provocando um congestionamento na livraria. Nem eu saía, nem a senhora se mexia. É habitual, mas ainda ninguém conseguiu explicar o porquê de as pessoas, cada vez que saímos do balcão para mostrar algo, em vez de aguardarem dirigem-se em direcção a nós, cobrindo a única saída. Enfim. Quando finalmente resolvemos o imbróglio e seguimos caminho em direcção à distante zona dos livros de medicina, a cliente pára entre duas secções. Chegado à medicina, noto logo que falta qualquer coisa: a cliente. Olho para trás e deparo-me com ela parada, ainda um pouco afastada, entre duas secções (livros de bolso e humor) de braço estendido, assim tipo futebolista abixanado, com a mão suspensa. Castelo Branco não faria melhor. Aguardei com expectativa o próximo movimento, e o que se passou em seguida foi algo de mítico: a cliente leva a mão direita ao bolso (a esquerda continuava suspensa) e tira de lá um cristal preso a um fio. Boa, um pêndulo, pensei eu. De seguida, segura o pêndulo acima da sua mão esquerda ficando o pêndulo a cerca de 3cm das costas da mão, começando este imediatamente a girar à volta das costas da mão. A senhora estava concentradíssima, olha focado no pêndulo, não se mexendo um milímetro. E eu ali, especado, agarrado aos livros de medicina. Nisto se passaram talvez 5 minutos. Parecendo ter acabado, a cliente diz umas frases para ela própria e dirige-se para mim. Pensei que era algo estranho, mas já vi tanta coisa nesta loja que não fiquei afectado com aquilo. Já com a senhora ao meu lado, começo a procurar livros de medicina veterinária para ela. Estava dificil a busca, o pó era muito, o que me fez demorar uns minutos, facto que se veio a revelar fatal. A senhora saca do pêndulo em poucos segundos (vê-se que treinou e que está habituada a fazê-lo ao mais alto nível e nos maiores palcos europeus), estica a mão abichanada e volta a apontar o pêndulo, voltando este a girar. Deixou-me ali, ao seu lado, como nem sequer existisse. Passado pouco tempo, tive de vir ao balcão e ela lá ficou, a falar sozinha e a rodar o pêndulo durante uns bons 10 minutos. Voltou a guardar o pêndulo e a proferir algo que parecia uma oração e abandonou a loja. Há quem tenha medo, há quem goze, há quem respeite. No que toca a mim, pouco mudou aqui na loja. Sinto apenas uma leve dor de cabeça quando paro nos sítios em que a senhora usou o pêndulo, e ultimamente a minha bisavó, que morreu já à algum tempo, tem vindo aqui comprar uns livros de origami. Fora isso está tudo na mesma, portanto não há que temer.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Isto é Verídico

Como diria o companheiro Greenpeace, isto é verídico. Tudo começou quando chego de mais um sossegado almoço e sou imediatamente chamado ao back office pelo mestre gerente livreiro. A urgência da chamada deixou-me um pouco preocupado, porque desta vez não tinha estragado nada ou não me tinha esquecido de nada. Pelo menos que me lembrasse, o que também não me ajudava muito. Mas não, não era nada comigo. "Olha, teve cá uma senhora que queria ser atendida por ti." disse ele, já sem conseguir conter o riso. Chamou os colegas para confirmar, e todos confirmaram. "A senhora queria ser atendida pelo senhor do blog." Duvidoso, pensei eu. E com razão. Era tudo mentira. "Mas, devias ter cá estado..." disse o gerente, passando depois a descrever me pormenorizadamente o que se passou. E o que se passou foi o seguinte, e atenção, isto é verídico: A senhora aproxima-se do balcão, onde se encontrava o senhor gerente, e de imediato iniciou os contactos: "Está a ver isto?" apontando vigorosamente para o canto da boca. A resposta foi positiva. "Está bem a ver isto?", apontando novamente para a boca, ficando mais nervosa. Depois continuou: "Está a ver aqueles livros deitados? Fui eu que os deitei. Porque ontem, quando ia tirá-los, levei com eles na boca!". A senhora era a personificação da fúria. Com toda a experiência e qualidade que lhe é reconhecida, o mestre livreiro respondeu um coloquial "E?". Brilhante. A cliente é que não achou piada. "E?!?!??! E!?!?!?!? Isso é resposta que se dê? E?!?!?! Devia me pedir desculpa!". Como o senhor doutor gerente não gosta particularmente de gritos, tentou refrear a conversa dizendo: "Minha senhora, se é isso que pretende, eu peço desculpa." Ela continua furiosa, e responde afirmativamente. "Então, desculpe." diz o gerente, ao que ela responde: "Desculpe? DESCULPE! Quero desculpas mas não com esse sarcasmo!" A perturbação da cliente era evidente, e lá saiu, furiosa como entrou. Mais um episódio curioso, entre muitos outros, mas que pensámos que tivesse acabado. Não podíamos estar mais enganados.
Ontem à tarde, com a loja relativamente calma, estava cada um para o seu lado a arrumar uma parte da loja, mais uma pessoa ao balcão. Tudo calmo, as arrumações estavam a ir bem, finalmente a livraria está com um aspecto minimamente apresentável. Estava a dedicar a minha atenção à zona da medicina, quando vejo um livro de BD entre os pesados livros de anatomia. Boa, pensei eu, mais uma maravilha da funcionária pública da nossa livraria. Pego no livro, e, enquanto me dirijo para a secção respectiva, vou folheando-o lentamente como costumo fazer com os livros que não conheço. Chegado à zona de BD, deparo-me com um cenário devastador: a zona do esoterismo estava virada do avesso. Prateleiras semi-vazias, livros sem ordem, na base das estantes um caos como nunca antes tinha visto, e pior, livros espalhados pelo chão. Então, antes sequer de ter tido tempo de me virar para a loja e perguntar que hecatombe teria passado por ali (ainda por cima porque, recentemente, tinha sido eu a arrumar aquela secção), ouço uns berros, tipo mistura de guinchos com grunhos, foi qualquer coisa dificil de explicar. "PELO MENOS NÃO ME CAIRAM EM CIMA!". A atenção de todos os presentes para a loja virou-se para uma criatura que trajava de branco, parada a meio da loja. Continuou: "A VINGANÇA SERVE-SE FRIA! VINGANÇA! NÃO ME CAIRAM EM CIMA PORQUE FUI EU QUE OS ATIREI AO CHÃO!" A minha reacção roçou a estupefacção, pelo que esbocei um sorriso provocado pela situação inacreditavelmente ridícula. Virei as costas e comecei a apanhar os livros, quando ouçou passos ao meu lado. Quando os passos cessam, os berros voltam: "ESTÁ SE A RIR?!?! NÃO TEM PIADA!" Eu, mudo de sítio e arrumo outro lado. O bicho persegue-me, continuando com os berros: "VOCÊ ESTAVA CÁ VOCÊ OUVIU O QUE O SEU GERENTE DISSE!" Eu não estava lá, mas enfim, não se contraria os loucos. "E?!?! E?!?!?! ACHA QUE ISSO É UMA RESPOSTA QUE SE DÊ?!? ATIREI AO CHÃO TUDO, NÃO ME ACERTARAM NA BOCA, TENHO JÁ UMA NODOA NEGRA, E AGORA O QUE É QUE EU FAÇO?" E aí, dirigiu-se rumo à porta, parando ainda para delirar sobre vingança e livros caídos. Ficámos todos em silêncio, a olhar uns para os outros, ninguém sabia bem o que dizer. Que mente retorcida é capaz de chegar a uma loja e atirar livros para o chão? Tudo bem que a governação de Santana Lopes não foi famosa, e ok, ele e Paulo Portas consumaram a união de facto, mas nada justifica isto meus amigos. Apelo aqui à calma. Será que o nosso querido Presidente da República também a pode dissolver?
Os livros que a atingiram na face, mais propriamente no canto da boca, foram uns manuais de TAROT. Pois, queria saber o futuro era? O futuro não digo, mas estrelas deve ter visto. Aposto que o horóscopo dela dizia: "Saúde: ATENÇÃO! Tenha cuidado com os problemas na zona da boca." Nunca a ensinaram a não brincar com o TAROT? É o que dá. Agora é que pode dizer que conhece o TAROT bem de perto. Aposto que a carta preferida de TAROT dela é a BOCA. Ela agora está qualificada para "falar" de TAROT. É mesmo uma mulher com o TAROT na ponta da língua. Deviam mudar o nome do livro para "TA-quieta ou levas com isto na boca". É tão esotérica mas não previu que o livro ia cair. (Foi a tentativa de entrar no Guiness com o maior número de chalaças sucessivas sobre TAROT mas sem piada nenhuma.) Realmente não estava lá quando os livros caíram, embora gostasse de ter estado. Para alcançar os livros da última prateleira, é necessário elevar o braço (caso seja uma pessoa com uma altura que ronde 1,70m) a um angûlo de aproximadamente 50º. Portanto, e tendo em conta a base alargada das estantes que tem espaço para conter livros, seria necessário uma posição estranha para ser atingida na boca por um livro. Ou isso, ou então ela puxou os livros com demasiada força em direcção a ela. Mas, digo desde já: não ponho de parte a hipótese da cliente ter tentado mesmo tirar o livro os dentes, ou então ter tentado tirar o livro de costas, tentando fazer algo parecido com a ponte. Pela maneira de agir dela, diria que o livro a tinha atingido em cheio na cabeça.
Fica no ar a dúvida: irá voltar? Aguardemos então. Eu só sei que vou estar atento, não vá cair me nada em cima. E, não se esqueçam: Isto é verídico.