terça-feira, dezembro 20, 2005

Crónicas de Natal 3 - Lá Fazem Me Tudo!

As vendas vão aumentando. Quase tanto com as várias tarefas do nosso colega Gulbenkian (artista anteriormente conhecido por “Greenpeace”, devido à sua boa vontade e à sua camisola verde-alface), que é, (pasme-se!), músico, livreiro, estudante de filosofia, escritor, trabalhador voluntário e membro de uma fundação, e ainda ditador que tentará dominar o mundo com o seu riso maléfico. Não é brincadeira. E este aumento de vendas é acompanhado por um aumento ainda maior do numero de pessoas na loja ao mesmo tempo. Torna-se praticamente impossível ir de uma ponta à outra da loja sem ser-se interpelado algumas dezenas de vezes. Vou eu à procura de um livro de culinária e ouço: “Queria a Sombra do Vento”, “Queria livros infantis”, “Queria livros de bebes”, “Acho que este gajo trabalha aqui, Oh Faz Favor!”, e por aí fora, até chegar ao meu destino.
Ainda ontem, estava eu a tentar ajudar uma colega com um cliente particularmente difícil (idosa e exigente, aparentemente da alta sociedade) e não conseguia sair da secção do esoterismo. Sempre que me tentava virar surgia alguém (posso jurar que era do nada, mas prefiro não entrar por aí) a perguntar-me sobre livros esotéricos. E, quando finalmente consigo libertar-me daquela secção, passo por trás da senhora que estava a ser atendida pela minha colega, que dizia em voz baixa, para si mesma: “Não tem as Encíclicas, não tem os Papas… (longa pausa) Que Merda! (bastante enraivecida) ”. Até me arrepiei.
Isto das senhoras idosas tem que se lhe diga. Temos uma cliente idosa (mais ou menos habitual, passa a vida a dizer que vai deixar de vir cá, mas acaba sempre por voltar) que é da mais alta sociedade, mas que tem uma educação e uma disposição terrível. Sempre mal encarada, sempre à espera que acedam a todos os seus caprichos. É tipo um Liedson, mas mulher e idosa. O peso mantém-se. Quer aquele livro porque sim, porque quer aqui e quer agora e quer com desconto senão nunca mais volta. Até à próxima vez. Da última vez que cá veio comprou bastantes livros, e obviamente “não sou eu que carrego isto tudo”. Queria que lhe carregássemos os livros para o carro. Sugerimos à senhora que fosse buscar um carrinho de compras para melhor transportar os livros. Ela concordou, e lá saiu, contrariada, para buscar um carro. Demorou 4 horas. Quando chegou, já só estava um colega nosso na loja. E era o nosso amigo Gulbenkian. Olha quem. Queria que ele fosse com ela levar os livros para o carro. Obviamente que ele não podia abandonar o seu posto. É um soldado bravo, um lobo-do-mar, aquela barba não engana. E a senhora ficou furiosa. Gritou. Barafustou. Disse que não voltava mais, e que, inclusive ,“LÁ EM BAIXO FAZEM ME TUDO!”. Portanto, segundo a senhora, na nossa loja lá de baixo fazem lhe tudo. Bom, nós vendemos livros. É essa a nossa função. O que é que poderão eles fazer lá em baixo?
Não pensei mais no assunto, até surgir um senhora idosa, bastante simpática por sinal, que queria o D. Quixote. E foi o D. Quixote que levou, depois de ter passado quase meia hora a queixar do atendimento lá de baixo. Com a minha quase infindável paciência lá fui ajudando a senhora, enquanto ela continuava a queixar-se. Lá saiu da loja, feliz da vida. Tudo para voltar cinco minutos depois furiosa, porque o livro era 4€ mais barato na FNAC. Gritou. Barafustou. Disse: "VOU QUEIXAR-ME AO DECO! É UM ROUBO! 4€! 4€ MAIS BARATO. É UM ROUBO! VOU FAZER UMA QUEIXA E NUNCA MAIS VOLTO! E SÓ VOU LÀ ABAIXO POR LÁ FAZEM ME TUDO!". Lá está. Lá em baixo fazem-lhe tudo. Mas tudo o quê? Haverá algum caso de gerontofilia lá em baixo? Alguém mande lá o José Maria Martins e levem uma camara para o caso de ele ser expulso ao pontapé.
Até à próxima. E eu só tou aqui para vender livros. Fica o aviso.

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