sexta-feira, março 25, 2005

A Culpa Não É Nossa...

Esta semana que passou foi assaz atribulada. Senão vejamos: duas reclamações violentíssimas em apenas três dias. Depois de uma semana de merecidas férias, volto ainda mais saturado do que sai. Além disso, sou logo brindado pelo topo de gama dos clientes. Uns atrás dos outros lá vinham eles, desfilando pela loja, tentando desesperadamente dar-me cabo do juízo. E, há que sublinhar o facto que não é propriamente difícil. O regresso foi mesmo doloroso. E quando pensava que as coisas não podiam piorar, entra um homem visivelmente exaltado. Ao aperceber-me de que viriam aí problemas, disse ao meu colega Bond: “Bem, este gajo vai arranjar problemas. Mas é na boa, tamos aqui os dois, não é Bond? Bond? B…?”. Estava sozinho. Bond, como tantos outros na história, estava sentado na cadeira do capitalismo. Nova aquisição da loja, a cadeira de pele almofadada do capitalismo arrasta os mais fracos com o seu poder. E, quatro dos residentes da loja já caíram (literalmente) nela. Já Jerónima, a nossa funcionária de esquerda (existem inclusivamente rumores que indicam que possa ser sobrinha-neta de um líder histórico), atraída pelo negro poder tentou sentar-se na cadeira do capitalismo fazendo com que esta caísse. Uma pesada derrota do capitalismo. Então lá fiquei eu, abandonado, à mercê do cliente furioso. Chega ao balcão, com um livro da Ferrari debaixo do braço e um talão de encomenda na mão. Boa, pensei eu. Estive uma semana fora, não faço a mínima ideia do que se passa em termos de encomendas, seja o que for que o homem perguntar não vou saber responder. De uma forma completamente brusca o cliente diz: “Eu fiz esta encomenda à 2 semanas, entretanto já fui a várias lojas vossas e tinham o livro. Está aí o livro?!”. Procurei incessantemente o livro, e em vão como se esperava. A indignação subiu brutalmente: “EU PODIA TER COMPRADO O LIVRO, MAS MANTIVE A MINHA PALAVRA E VOCES NÃO CONSEGUEM CUMPRIR?!?! QUE RAIO DE EMPRESA É ESTA? EU GOSTO DE COMPRAR AQUI, MAS ASSIM NÃO DÁ, NÃO DÁ!” A esta altura eu já sabia que o melhor era permanecer calado e apreciar devidamente o espectáculo. As queixas continuaram: “ONDE ESTÁ O RESPONSÁVEL? QUERO FAZER UMA RECLAMAÇÃO! AINDA BEM QUE GUARDEI O TALÃO, É UMA PROVA! A SENHORA QUE ME ATENDEU DISSE QUE DEMORARIA UMA SEMANA, QUERO VER A DATA DO PEDIDO! QUERO VER O PEDIDO!” Como seria de esperar, nem sequer encontrei o pedido. Já não sabia onde me havia de esconder, e o homem cada vez mais furioso. No pico da fúria, o espectáculo atingiu o seu auge. Devo salientar apenas alguns dos impropérios que o excelso cliente soltou: “ISTO É UMA INCOMPETENCIA! GOSTO DA VOSSA EMPRESA, MAS ASSIM… NÃO! POR ISTO É QUE O PAIS DEVIA ESTAR MERGULHADO NUMA ANARQUIA! SIM, UMA ANARQUIA! DEVIAM ESTAR TODOS DESEMPREGADOS E MORRER À FOME!”. Bom, neste momento, o cliente já tinha atenção de toda a gente, que, obviamente, não queriam perder pitada deste triste espectáculo. E, se eu pensava que ele tinha atingido o limite, ele continuou: “DEVIAM IR PARA AFRICA E MORRER À FOME! DEVIAM IR PARAR AFRICA! E ESSA SENHORA QUE ME ATENDEU NÃO DEVE GOSTAR DE TRABALHAR AQUI. TENHO MUITA PENA SE GOSTA, PORQUE VAI DEIXAR DE TRABALHAR! SECALHAR DEVIA ERA TRABALHAR NOUTRO TIPO DE CASA!”. Eu continuava no balcão, sereno, sem sequer ter tentado uma vez que fosse interromper ou contradizer o cliente. Afinal de contas, não é todos os dias que se vê um circo destes. Sentia-me como Sir David Attenborough atrás de umas folhagens observando um animal em fúria. Torna-se claro que o silêncio tem de ser absoluto. “JÁ VI QUE NÃO TEM O MEU PEDIDO! QUERO QUE ME CARIMBE UM PAPEL EM QUE DIGA QUE O ME PEDIDO NÃO ESTAVA AQUI. VOU FAZER UMA GRANDE RECLAMAÇÃO! PEÇO IMENSA DESCULPA MAS ESSA SENHORA VAI SER DESPEDIDA. VAI SER.” Aqui devo dizer que tremi. Se ele pedisse o livro de reclamações seria um problema. Não só não faço ideia onde está como também não faço ideia se existe sequer! Claro que eu podia logo ter dito que ela já nem sequer trabalhava lá. Mas, é mais giro dar lhe o trabalho de fazer uma reclamação e ficar ainda mais furioso se lhe responderem que a pessoa em causa já não presta serviços para a respectiva empresa. Preferi continuar a ouvir: “EU NÃO SEI O NOME DA SENHORA. NÃO SEI. NÃO SABE QUEM É? NÃO ME DIGA QUE AGORA TENHO DE ANDAR COM UM POLICIA ATRAS PARA IDENTIFICAR AS PESSOAS COM QUEM INTERAJO!”. Esta declaração fez subir a minha consideração por ele. Vejo que é fã do melhor aspirante a candidato presidencial de sempre: Manuel João Vieira. Ele sim, defende um polícia por cada português. Temos aqui um fã. Portanto, com esta subida de consideração, este cliente situa-se algures entre o Alexandre Frota os buracos da estrada. Entretanto, passou-lhe a fúria. Comprou o livro da Ferrari que trazia debaixo do braço e saiu, calmamente. Sinceramente senhores clientes, um conselho: Quando acordarem de manhã e não tiverem Viagra, e depois a vossa mulher vos chamar Chico e disser: “Electrocuta-me com o teu raio, meu leão!” e ficarem chateados, não descarreguem em nós. Não temos culpa.
Agora seria a altura de escrever sobre a segunda reclamação, mas não posso. Tenho de apanhar o avião para África...