quinta-feira, dezembro 27, 2007

O Natal, Essa Enfermidade

Intensas reivindicações e eventos anómalos depois, surjo aqui, ainda não recobrado, para vos deixar mais uma breve crónica sobre o período mais temido por alguém que alguma vez tenha colocado o pé atrás de um balcão: o Natal. Claro que a pluralidade das pessoas deve achar misterioso o facto de eu considerar o Natal como a pior de todas as épocas conhecidas pela humanidade (peste negra incluída), mas a esse tipo de coisas já estou eu acostumado. O grande problema do Natal, caros leitores, são, basicamente, as pessoas. Porque com as pessoas surgem ainda mais pessoas tresloucadas e fora de si, surgem pessoas apressadas, demoradas, enfim, todo um manancial de seres (às vezes pouco) humanos, aqui na loja.
Temos a senhora que quer dar livros de arquitectura a um arquitecto. O normal. Pede-me, educadamente, um livro sobre arquitectura antiga. Quando lhe mostro um livro sobre igrejas medievais, sua construção, plantas e tudo o que tenha a ver com arquitectura, ela perde as estribeiras: “IGREJAS? ISSO NÃO TEM NADA A VER COM ARQUITECTURA!”. Obviamente que não tem, e o erro foi meu. Porque toda a gente, incluindo eu, devia saber que as igrejas são feitas a partir da arte da pastelaria, e não da arquitectura. Isso de arquitecturas e engenharias é tudo balelas. É só mudar um ou dois ingredientes e, em vez de uma bola de Berlim, temos uma Sé de Lisboa.
Raramente as pessoas sabem o que querem. Esta cliente em particular apenas sabia que queria um livro passado em África, não sabendo especificar nada mais. Na impossibilidade de ajudá-la, ela pergunta: “Então diga-me lá, onde é que é a zona de África?”. Não percebo como é que ela não viu logo, com os leões e as dunas.
A língua portuguesa é traiçoeira, já nós o sabemos. Mas os portugueses conseguem ainda torná-la mais intrincada. Temos o senhor que pretende adquirir livros de “ORALGAMI”, que será origami feito com a boca, penso eu. Ou então algo de cariz sexual que prefiro nem saber o que é. Temos também o senhor que procura o segundo volume do livro Eragon, de seu nome “ELDESPE”, onde o autor preferiu optar por caminhos de índole, cariz ou natureza sexual. E por fim, temos a senhora que procura uma prenda de Natal para a sua filha: “Eu queria aquele livro, aquele para miúdas de catorze anos, o Prepúcio, sim, é isso, chama-se Prepúcio e é assim para adolescentes, elas gostam dessas coisas, sabe o que é?” Sei, mas o que a senhora quer chamava-se Crepúsculo. Não sei até que ponto as raparigas de catorze anos deveriam gostar dessas coisas, mas, estamos no século vinte e um, eu já não digo nada.
Nesta altura natalícia a loja está cheia de colaboradores. Raramente partilhamos todos este espaço ao mesmo tempo, portanto há que saber organizar as tarefas. O nosso caro Professor Bond (mais uma vez, parabéns pelo terceiro lugar na categoria de melhor blog de literatura de 2007) estava firme e hirto nos embrulhos, como é seu apanágio e costume, quando eu fui abordado por duas jovens excitadas que queriam algo como “o diário do meu pipi”. Sabendo que o elas queriam era “O meu Pipi”, livro proveniente do blog com o mesmo nome, por momentos não perguntei, em voz alta e com a loja cheia, “BOND, VISTE O MEU PIPI?”. Seria, sem dúvida, um momento curioso.
Gostei igualmente de uma cliente que queria trocar um livro porque alguém “TEVE O DESPLANTE DE ME OFERECER O LOBO ANTUNES. EU ABOMINO O HOMEM, ESTÁ A VER? ODEIO. NÃO O SUPORTO: ESTÁ A PERCEBER? NÃO POSSO COM ELE!” Eu estava prestes a oferecer-lhe o dicionário de sinónimos para ela continuar a demonstrar o seu desagrado com o Lobo Antunes, mas ela foi-se embora (sem trocar o livro) enquanto continuava a barafustar pela loja fora. Eu até a compreendo. O Lobo Antunes tem muitas letras nos romances dele, e palavras, e o gajo, com a mania, ainda lá tem frases! O convencido que um gajo tem de ser para fazer uma cena dessas. Enfim
A minha cliente preferida deste Natal não poderia deixar de ser a senhora que procura livros de culinária para oferecer à sua filha, ainda criança. Estava tudo a correr pelo melhor até eu sugerir o livro “A Vóvó Ensina-te a Cozinhar”. A senhora arregalou-os olhos e disse: “ACHA? ACHA MESMO? ALGUMA VEZ EU DARIA ISSO Á MINHA FILHA! ISSO É UMA VERGONHA, ESSES LIVROS SÃO UMA VERGONHA!”. Eu não devo ter conseguido esconder o meu espanto, e ela continuou: “ESSES LIVROS RETRATAM A AVÓ A COZINHAR E, IMAGINE-SE! A PASSAR A FERRO! ALGUMA VEZ A AVÓ DELA PASSA A FERRO?! ELA TEM DEZENAS, DEZENAS DE CRIADAS! SE AS CRIANÇAS VISSEM UMA AVÓ A PASSAR A FERRO ELAS TINHAM UM CHOQUE TÁ A VER? UM CHOQUE! ALGUMA VEZ, A AVÓ A FAZER SEJA O QUE FOR!”. Depois passou a explicar o que queria: “EU QUERIA UMA DAQUELAS COISAS; DAQUELES LIVROS DE CULINARIA PARA JOVENS, TÀ A VER? O MEU FILHO FOI PARA BEJA ESTUDAR E EU DEI-LHE O LIVRO E DISSE: TOME, QUERIDO, TOME LÁ ISTO E FAÇA UNS HAMBURGUERS OU QUALQUER COISA!” Que mãe atenciosa, pensei eu. Isto sim é espírito de Natal.
Boas Festas para todos.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Quase Natal

É com muito gosto, que, depois de conseguir sair daquele labirinto a que chamamos livraria, venho aqui deixar mais um singelo post.
Antes de dar início a mais uma crónica de carácter, cariz, ou outros sinónimos que se consigam recordar, natalício, queria dar as boas vindas ao nosso colega Mestre, num regresso apenas passível de ser equiparado ao regresso do próprio D. Sebastião. Aparentemente o nosso douto colega decidiu deixar os ares da cidade, e nós achamos que ele fez muito bem. Realmente fazia nos falta alguém que arrumasse uma estante e respectivas gavetas por tema, depois por editora, em seguida por autor, depois por cor, a seguir por sabor e finalmente por odor. Claro que há uma acesa discussão relativamente ao que vem primeiro, se o sabor ou se o odor, mas até chegarmos a uma conclusão ele continua a arrumar à sua maneira.
Já o nosso excelso colega Gulbenkian, agora mais arredado dos seus princípios humanitários (consta que teve quase para pedir o Fernando Nobre em casamento), tem na sua mente que o livro Timbuktu, de Paul Auster, é a solução para todos os males de que padece a humanidade.
- Olhe, queria um livro daqueles de auto-ajuda, para a pessoa se sentir melhor...
- Para se sentir melhor? Timbuktu. Depois de ler este livro sente-se logo melhor, é uma história lindíssima.
- Mas é sobre o quê?
- É sobre um vagabundo que morre e depois o cão dele anda à procura dele e morre também. Lindíssimo. Poético, até.
- ....
Duvido que exista alguém nas livrarias por este Portugal fora que tenha vendidos tantos livros do Timbuktu como ele.
- Bom dia, queria um livro de desporto.
- Desporto? Ora bem... Timbuktu.
- Timbuktu?
- Sim. É um livro sobre um cão. E os cães correm. E correr é desporto.
As Edições Asa devia começar a dar presentes ao rapaz. Até porque ouvi dizer que ele me vai oferecer um exemplar no Natal.
- Boa tarde, queria um livro de medicina.
- Sim senhora, tem aqui o Timbuktu.
- Desculpe, eu não disse medicina veterinária.
- Ah, mas não deixe o cão da capa enganá-la. Isto é um cão com sentimentos humanos.
Esta livraria sem o Timbuktu basicamente mais valia fechar as portas.
Voltando aos clientes, que é para isso que aqui estamos, gostei muito da senhora que ficou a empatar a fila de pagamento porque queria confirmar se constava nas fotografias do livro da Mocidade Feminina Portuguesa. Compreendo a dificuldade da senhora, com os buços da altura aquilo fica muito difícil de se distinguir.
O Livro de São Cipriano continua a aterrorizar os mais incautos. Especialmente um casal que, ao procurar um livro de esoterismo, quando viu o Livro de São Cipriano (O Verdadeiro Capa de Aço e Letras de Sangue e Páginas de Papel e Pó de Estante e o Raio Que o Parta) me disse:
- Jovem, queima isto. Queima isto, jovem. Não deixes isto aqui.
Eu peguei no livro e arrumei no sítio, dizendo que já estava habituado.
- Não abras isso. Deus te proíba de abrires isso.
Apeteceu-me dizer-lhe que já trabalhava numa livraria, que pior não me podia acontecer.
Também gostei muito de atender um senhor que queria livros de astrologia. Indiquei-lhe o livro do Paulo Cardoso. Apenas porque temos muito e precisamos do espaço para outras coisas. Ele ficou muito espantado.
- Não, eu queria assim algo mais técnico e científico, isto é tudo mentiras. Queria mesmo para ler os astros e ver o futuro, mas assim mais científico e exacto.
Devia apresentá-lo ao Professor Bambo, é destes clientes que ele precisa.
Se há algo de que eu gosto mesmo são clientes adeptos do self-service. Eles vão tirar livros dos expositores mais altos, tentam passar os cartões nas máquinas do Multibanco, tiram os talões das caixas, é uma maravilha. Mas ninguém foi tão longe como uma senhora. Estava no balcão e vejo um cartaz da montra a abanar e por fiquei curioso, passando depois a ficar estupefacto quando vejo um cabelo encaracolado e um casaquinho de velhinha a passar pela montra. Então não é que a intrépida senhora foi montra a dentro para colocar o livro que algum colega tinha tirado para ela consultar? É de clientes destes que nós precisamos.

segunda-feira, setembro 24, 2007

Tal Como Jig-me Ling-pa disse a Jig-me Gyal-wai Nyu-gu

Há quem se interrogue, e, admita-se, que eu sou pessoa para admitir coisas com uma inusitada facilidade, com toda a razão, onde é que eu ando. Certamente que muitos de vós, imbuídos do mais profundo e benemérito espírito de simpatia, crêem que eu li “O Segredo” e me tornei, assim, com toda a simplicidade, da noite para o dia, num milionário excêntrico. Não, com mais pena minha do que vossa, não ganhei o Euromilhões ou sequer li o Segredo. Até porque por o título de “Segredo” em algo que milhões de pessoas lêem é triste. Se fosse segredo ela não contava a ninguém, a mal-formada. Bom, se alguém enriqueceu foi mesmo a autora e parabéns para ele por explorar, perdão, ajudar milhões de pessoas por esse mundo fora.
Sou rico, isso sim, em experiências e acontecimentos rocambolescos, para deleite do ocasional leitor. Ser rico em coisas dessas não ajuda muito na vida. Já experimentei dizer que vou pagar a prestação da casa com uma história sobre clientes que fazem isto e aquilo. Não resultou. Com a do carro também não. E com a escola da minha filha, também não. E olhem que eram historias das boas. Ao contrário das que vou contar a seguir.
O Dalai Lama esteve cá em Portugal. Consta que disse que há muitas afinidades entre Portugal e o Tibete. Principalmente em termos de invasão chinesa. Como tal, tivemos uma campanha especial sobre o senhor e os seus dizeres, com livros variados sobre o Budismo. Há um em particular que nos tocou a todos pela sua simplicidade. “O Caminho da Grande Perfeição”. Deixo aqui, se me permite, o primeiro parágrafo do prefácio de Sua Santidade o Dalai Lama: “Jig-me Gyal-wai Nyu-gu, que foi um dos mais eminentes discípulos de Jig-me Ling-pa, o grande mestre do Dzog-pa Chen-po Long-chen Nying-thig, proferiu um ensinamento oral sobre Long-chen Nying-thig e o seu discípulo Dza Pal-trul Rinpoche transcreveu-a, intitulando-a KUNZANG LA-MAI ZHAL-LUNG”. Cá está, eu proponho desde já este livro como parte integrante do plano nacional de leitura. Qualquer criança em fase de aprendizagem adorará ler passagens como esta.
Muitas pessoas não ficaram indiferentes à vinda de Sua Santidade. Os livros venderam-se bem e levantaram a curiosidade de algumas crianças. Uma delas perguntou à mãe quem era o Dalai Lama. E a conversa foi a seguinte:
- Mãe, quem é o senhor careca?
- É o Dalai Lama.
- Quem é o Dalai Lama?
- É o líder do Budismo.
- O que é o Budismo?
- É uma religião.
- Mas o que é que ele faz?
- Ele é o líder religioso.
- O que é isso?
- Então, ele é líder dos recursos humanos do Tibete.
Como toda a gente sabe, o Dalai Lama tinha passado antes pela contabilidade e pelo marketing, mas foi nos recursos humanos que encontrou a sua vocação.
Na semana passada, devido à transladação dos restos mortais de Aquilino Ribeiro, surgiram novas edições dos seus livros, e com eles uma acrescida procura das suas obras. Um cliente, ciente do que se passava, ligou para cá:
- Bom dia, tem aí o Malhadinhas?
- Ainda não recebemos a reedição.
- É que hoje vão lhe levantar o esqueleto, e mandá-lo lá para o outro lado, e enquanto mexem nos ossos vão ler o Malhadinhas.
- Ah…
Que maneira tão carinhosa de se referir aos restos mortais do grande Aquilino.
Não quero parecer paranóico, mas acho que o Jel ligou para aqui a gozar comigo. Ligou para cá um cliente, com a voz exactamente igual a um dos bonecos do Jel, com a seguinte conversa:
- Ora então bom dia.
- Bom dia.
- Tem prosas?
- Provas? De que ano?
- Prosas. Provas. Prosas.
- ??
- Então. Há poesias. E há prosas. Tem prosas?
- Sim, temos livros em prosa. Que autor procura.
- É um qualquer, que é para oferecer. Mas tem que ser prosas. Tem ai prosas?
- Sim, temos variados livros em prosa, é só uma questão de o senhor vir cá e ver o que lhe parece mais adequado.
- Mas é prosas?
- Exacto.
Jel, se foste tu pá, quase me apanhaste. Se não, foi apenas mais um acontecimento que não servirá para me pagar nada. Nem um queque.

sexta-feira, julho 27, 2007

Tornar-se Humano

As férias são sempre algo positivo. Permitem-nos olhar para trás, para além da névoa fresca do passado recente e analisar tudo o que se passou de modo mais calmo e eficaz. Há quem diga que as férias também dão para descansar, mas eu acho que isso são mitos do calibre, por exemplo, de clientes ao que são, ao mesmo tempo, simpáticos, gastadores, educados e agradecidos. São mitos, pura e simplesmente mitos.
Confesso que creio piamente na existência de clientes que decoram o que têm de dizer antes de passarem aquela entrada de madeira velha e se dirigirem ao devoluto balcão. Depois, sendo confrontados com alguma pergunta, perdem as estribeiras. Uma cliente chega ao balcão e despeja, sem mais nem menos, um nome de um pintor. Acontece que, em livros de arte (tal como noutras secções…) por vezes o nome do pintor é o próprio título do livro. Perguntei se era esse o título do livro que procurava. A cliente ficou ofendidíssima, e respondeu: “ELE NÃO É UM TÍTULO, É UM AUTOR!”. Quem me acode, pensei eu, que já ofendi a humanidade do tal pintor. Chamei-lhe título, o que, assim como assim, é uma ofensa gravíssima.
O que me leva a outro acontecimento. Outra cliente (qualquer dia faço uma estatística do número de homens e mulheres que figuram aqui neste espaço…) vem a andar para o balcão, acabada de entrar, com a loja praticamente vazia. Éramos dois no balcão e ficámos a aguardar que a senhora chegasse. Assim que o fez, dissemos logo bom dia e ficámos à espera do seu pedido. Ela faz uma pausa de cinco segundos e diz: “HÁ AQUI ALGUMA PESSOA QUE ME POSSA AJUDAR?”. O que foi uma pena, porque eu gosto de ajudar os clientes, mas pessoas, a trabalhar numa livraria, não costuma haver. Há uma pessoa, o Gulbenkian, esse poço de ética (consta que rejeitou um projecto com o comediante famoso e tudo, devido à ética), mas naquele momento, pessoas, nem vê-las. Lá teve de se contentar com a nossa ajuda. Dá para alguma coisa, mas não se pode comparar ao ser ajudada por pessoas. Como eu a compreendo.
Depois temos o executivo que espreita quatro ou cinco vezes enquanto estou a fazer o pagamento no Multibanco. Dobra-se todo sobre o balcão, para ver o que eu estou a fazer antes, durante ou depois. E tudo porque eu vi que era um cartão que tinha desconto, e fiz o desconto sem ele pedir. E é assim que ele agradece. Sempre a espreitar para trás do balcão, sempre a olhar para mim. Mas coragem para dizer alguma coisa? Até depois de receber o pagamento, de conferir o talão, ele volta para trás e vai espreitar. Perguntei se necessitava de mais alguma coisa, disse que não e fugiu. Totó. Nem era homem para dizer, na minha cara, que eu lhe estava a clonar o cartão. Alguma vez eu clonava o cartão dele? Ainda apanhava a totózice dele, aposto que aquilo é contagioso. Sou muito selectivo nessas coisas. Totó.
Já o nosso colega mais recente também tem a sua apetência para apanhar personagens. Numa das noites que estive com ele, apanhámos uma mãe e respectiva filha capaz de nos deixar com uma irresistível vontade de dar uns goles na benzina que temos no back office. Primeiro era o tom de voz caracterísco daquelas personagens, capaz de rebentar os tímpanos até para um admirador confesso de música aos berros cantada por gajos aos berros. Depois, vem a mãe ao balcão perguntar se o livro do Bill Bryson, “Breve História de Quase Tudo”, é tanga. Está lá escrito atrás que ganhou um prémio para melhor livro científico. Obviamente que é tanga, aquilo só está ali para enganar. Depois lembraram-se de comprar uma enciclopédia que tinha na capa várias personagens historicamente relevantes. Chegaram ao balcão, pousaram a enciclopédia, e o que se passou foi o seguinte: “Mãe, eu sei que estes são!” Diz a filha com cerca de 19 anos. “Ah sim então diga lá”. E começa a filha, apontando para o Infante D. Henrique, “Este é o Afonso Henriques!”. A mãe arregala-lhe os olhos. “Ah, então é o Colombo!”. A esta altura já eu e o meu colega estávamos a ir buscar as pipocas e a Coca-Cola, porque isto é entretenimento da melhor qualidade. Penim, põe os olhos nesta mãe e filha, está aqui o futuro da SIC. Em seguida, apontanto para Napoleão e Wellington: “Este é o Napoleão, este é o Bonaparte!”. Obviamente, Napoleão Bonaparte era o estado de fusão deles, tipo Dragon Ball, aliás, Napoleão é considerado o Son Goku da história francesa. Até nosso Senhor Jesus Cristo não escapa: “Este é Jesus Cristo. Ou não?”. É normal a confusão, porque sem a cruz nas costas podia ser só um gajo barbudo de toga branca. Até que a mãe aponta para Mandela e diz: “E este sabe quem é, Martoca?”. A jovem olhou, pensou (quer dizer, isto é algo que eu afirmo sem total certeza) e disse: “Ah. É um prémio Nobel.” A mãe sorriu. “É o George W. Bush! Prémio Nobel da Paz”. Até nos engasgámos com as pipocas. Bush, Mandela, são parecidos em tudo. Desde os ideais políticos à cor da pele, são praticamente indiferenciáveis. Tentaram (e vamos colocar aqui todo o nosso ênfase, por favor, no tentaram) preencher o folheto para aderirem ao nosso cartão de cliente. Ninguém sabia bem a morada, e muito menos o código postal. Aparentemente o novo formato de código postal é totalmente desconhecido para elas. “PONHA AÍ UM QUALQUER QUE ISSO VAI LÁ DAR Á MESMA!” Grita a mãe para a filha, do outro lado da loja. Admira-me como é que elas próprias conseguem chegar a casa.

quarta-feira, junho 13, 2007

Tenho o Curso Todo

Vivemos numa época conturbada. Não que isso tenha alguma coisa a ver com o que vou aqui escrever de seguida, mas fica bem dizê-lo, faz-me parecer atento e crítico em relação à sociedade onde me insiro. Mas, no fundo, eu sou apenas mais uma alma atrás de um balcão, sujeito a mil e uma maleitas que podem (e irão, certamente) atingir-me, para gáudio de quem está desse lado, sentado em frente a um monitor. Ou em pé, todo nu, barrado com nutella (Nunca se sabe). Assim sendo, torna-se imperativo relatar o acontecimento seguinte, tentando sempre evitar o temível pensamento de que o senhor em questão não foi enviado por algum de vós, sequiosos que estão por mais relatos aqui do vosso escriba.
Estava a ser uma tarde calma. O gerente tinha ido tratar dos seus assuntos de gerente, e eu e o grande Santo aqui estávamos, em amena cavaqueira. Até que o senhor Santo decidiu ir encher o bandulho com o seu lancezinho, deixando-me aqui à mercê de qualqer maníaco que pudesse aparecer.
Quase de imediato surge um senhor de cabelo grisalho, barba por fazer, dentes a variar num bonito tom entre o preto e o castanho, um distinto e acolhedor bafo a tinto de garrafão e uma vestimenta a combinar.
“Eu é que sou o dono disto!” – Grita ele, ao entrar na loja. – “Eu tenho cartão daqui! Não me conhece?”. Muito bom, pensei eu, logo agora que estava sozinho apanho com um senhor que tem alguns problemas de dicção, qual presidente da junta. Ele aproxima-se do balcão, encosta-se nele e diz: “Eu queria folhas daquelas cortadas, assim folhas! Do costume!”. Expliquei-lhe que não vendíamos folhas. Ele parou de falar, olhou à sua volta, circunspecto, levou as mãos à cintura e disse: “Tão mas isto não é a papelaria Fernandes?”. Aparentemente não, e pensei que tinha acabado aqui. “Olha esta! Mas eu também sou vosso cliente!”. Estava enganado. “Já que aqui estou quero um livro, até é editado por vocês, chama-se Conhecer!”. Tentei obter mais informações, não me soube explicar melhor. Pesquisei, não surgia nada. “Afinal não é conhecer, é Viver! Sim, Viver! É sobre animais!”. Eu já via a pesquisa a dobrar com o cheiro do álcool, mas tentei continuar. Em vão. “Então, é Viver, sobre animais, em inglês. Sobre animais em extinção! É isso! Life Animals. Life. Animals, Life, mas ao contrário!”. Além de enólogo é poliglota. Tinha-me saído o jackpot. Continuei sem encontrar nada. “Sim quero os livros em inglês porque tenho o curso todo!”. Life Animals = Animais em Extinção? As coisas que se aprendem atrás de um balcão. “Tenho o curso todo, veja lá que até tive para ir para os Estados Unidos!”. Pena não ter ido já, pensei eu. “Sabe, eu sou o melhor capista em Portugal. Faço capas. E até já me convidaram para ir para os Estados Unidos. Mas não fui. Não gosto. Aliás, já fiz capas para vocês e tudo. Não tenho é máquina.” E parafusos também não… “É que é o seguinte: eu até comprava uma máquina, mas não me cabe em casa. Se entrasse a máquina, eu tinha de dormir na rua, e com a chuva é mau. E a máquina, apanhar chuva também estragava-se logo não é?” Nem mais, nem mais.
Nesta altura o Santo, já farto de rir à minha conta, faz uma chamada interna, para que eu fingisse que atendesse o telefone e ele se fosse embora. Em vão. Eu fingia que falava ao telefone e ele não se calava. Fui até à secção infantil, fingir que ia buscar um livro e ele veio atrás de mim.
“Sabe que sou o melhor capista em Portugal? Já me convidaram para ir para os Estados Unidos, mandaram me uma carta! Mas eu não vou, aquela merda é só porrada.” É uma perspectiva sociológica digna de ser aprofundada. Eu continuava a procurar um livro qualquer e ele continuava a falar. “Eu podia ir para os Estados Unidos, porque tenho o curso de Inglês todo. Já lhe disse?”. Acho que já tinha falado assim por alto disso… “Até recebi uma carta para me convidarem!” Nisto, tira do bolso um monte de papéis e desdobra uma carta, efectivamente escrita em inglês. Eu já estava a pensar que talvez ele não fosse assim tão alucinado. Mas quando ele me põe a carta à frente dos olhos leio o seguinte: “Your VISA card hás been canceled due to illegal…”. Estes americanos têm maneiras deveras estranhas de convidar uma pessoa para o seu país. “Está a ver? Convidaram-me, mas eu não vou, é só porrada”. Este deve andar a ver wrestling a mais. Voltou à conversa dos livros, perguntou-me onde poderia encontrá-los, eu indiquei-lhe que tentasse na zona do Chiado, porque lá há várias livrarias antigas. O que eu fui dizer…
“Chiado? Bairro Alto? Fui ontem ao Bairro Alto, cantar ao Chico! Conhece o Chico?!” Ainda não tive esse prazer, infelizmente. “Tem de ir, tem de ir. Para cantar lá ou aguentas ou não! Eh Touro! Eh Touro!” Dizia ele, enquanto fingia ser um forcado. Depois cantou (?) um bocado e continuou: “Fui cantar ao Chico! Ou aguentas ou não!”.
Aparentemente não aguento, não…

segunda-feira, maio 21, 2007

A Brilhar Desde, Deixa Lá Ver... Há Muito Tempo.

É com toda a autoridade que a posição de livreiro (independentemente de não ser uma profissão reconhecida institucionalmente… este blog poderia ter o melindroso título de “O Caixeiro” o que, vistas bem as coisas, tira um pouco do romantismo inerente à profissão) me confere que faço a seguinte afirmação: o mundo está perdido. E quando digo perdido não me refiro a aquele sentimento que se apodera de nós quando damos a terceira ou quarta volta ali para os lados de Cinfães e ficamos sem saber bem onde estamos e para onde vamos. Perdido no sentido metafísico da coisa, e assim. E porquê?
Primeiro, temos uma velhinha, que, à primeira vista, facilmente mereceria o epíteto de amorosa, que queria livros do Álvaro de Campos porque, segundo ela, “eu confundo-os a todos, já não sei o quem é o Álvaro e quem é o Ricardo Reis ou o Pessoa”. O que, diga-se em abono da verdade, é perfeitamente natural. Se a senhora já tem ar de quem confunde os nomes dos filhos, o que dizer dos heterónimos de Pessoa? Depois de lhe dar o livro que ela procurava, incumbiu-me de outra missão: encontra um livro sobre a história dos Judeus. Tínhamos um sobre a história do Judaísmo, mas não era bem isso que ela queria. E aí começou o seu triunfante discurso: “Ah filho, isso do Judaísmo não quero, era mais a história dos Judeus, o povo, está a ver? Quer dizer, eu sei onde eles estão, e melhor, onde eles deviam estar, que era lá para baixo em África e não onde estão hoje em dia, e só foram para lá arranjar guerras, deviam era ter ido para África, lá para o fundo, que era para onde deviam ter ido. “ Aquele senhor alemão do bigode ridículo iria adorar esta senhora.
Depois temos o cliente que, com a loja vazia, começa a espreitar para o back Office. A princípio pensei que procurava alguém, mas quando ele se dirigiu para mim percebi que não era isso. “Então, amigo”, diz ele. O que, para ficarem a saber, é sempre mau sinal. Quando um cliente se refere a nós como amigo é caso para ficarmos de pé atrás. “Então, amigo, por acaso não tem aí quadros, nem posters?”. Respondi negativamente, e ele voltou à carga: “Não tem mesmo quadros nem posters?”. Respondi novamente da mesma forma, e ele aí ficou desarmado: “Pronto, eu digo-lhe o que queria. Sabe aqueles posters de gajas, assim, pronto, gajas nuas e boas, por acaso não têm aí?”. Há que referir em nome do rigor histórico que o senhora, cada vez que dizia "boas e nuas" fazia com as mãos o gesto universal de mulher curvilínea. É normal ele perguntar isto, visto a nossa livraria ser apenas uma fachada para um negócio de pornografia ilegal, mas de qualquer forma fiquei confuso. “ É que eu tenho uma parede vazia no quarto e queria ter assim uma gaja boa, está a ver?”. Como ele estava numa nobre demanda vi-me forçado a ajudá-lo, enviando para a Kodak mais próxima, onde, passe a publicidade, fazem uns quadros todos janotas a partir de fotos. Fica mais um acto revelador de um profundo humanismo.
Mas nenhum humanismo se compara ao do nosso colega e amigo Gulbenkian. Um cliente aproxima-se de mim e pede-me um livro alusivo ao seguinte tema: estar às portas da morte, passar para o lado de lá e depois voltar. É um tema bastante complicado, e, tanto eu como o Gulbenkian, estávamos com algumas dificuldades. Até que me recordei do livro “E Depois?”, que retrata, ficcionalmente, uma experiência de quase morte. Mas o Gulbenkian, qual herói encapuzado, decide ir mais longe. “Então e ali um livro que temos, “Viver Melhor a Quimioterapia?”. A expressão do cliente oscilou entre a surpresa, depois a tristeza e por fim uma desconsideração abismal. “A ideia era animá-lo.”, diz o cliente. Ah, como é danado este Gulbenkian.
Já hoje de manhã, o primeiro cliente foi digno de registo. Tudo parecia correr dentro da normalidade até ao momento de ele pagar e se ter esquecido do cartão de cliente. Ora, como não estava para chatices, decidiu fazer um novo. Denotou algumas dificuldades em preenchê-lo, enchendo o formulário de setas e riscos. Depois entrou num enternecedor monólogo: “Isto do cartão é bom porque a vossa loja é boa. Eu vou a muitos sítios e tenho que procurar muito, aqui não, aqui encontro muita coisa. E compro. E é barato. Sou um cliente muito antigo. Vosso e da Valentim de Carvalho. Sim, porque vocês antigamente eram uma luz no meio da MER-DA. Agora a Valentim perdeu muito com a Fnac, e levou uma batelada nos livros e nos discos. Veja lá o Top da FNAC, aquilo é para rir, é um conjunto de MER-DA! Mas eu não gosto desses franceses e prefiro vir aqui, aqui e à Valentim de Carvalho, porque sou um cliente antigo”. Foi aqui nesta altura que ele entrou em loop até sair pela porta, sempre a falar sem parar. Bela maneira de começar o dia.

quarta-feira, abril 25, 2007

Este é O Livreiro Sem Estudos

Como eu gosto da nova campanha do governo, “Novas Oportunidades”, onde se vê uma sorumbática e abatida Judite de Sousa a arrumar uns livros. Curioso é que 90% das pessoas que trabalharam aqui tinham ou estão a tirar formação superior. Mas pronto, o Shor Zé é que sabe de licenciaturas, quem somos nós para questionar os seus projectos? Formação é muito bonita, mas e que tal emprego? E que tal o facto de estando as pessoas em formação deixem de contar para as estatísticas do desemprego, fazendo assim parecer que as politicas do governo estão a funcionar? Se houvesse um blog chamado “O Primeiro-Ministro” eu ia visitar, seria uma barrigada de riso!
Chegou uma cliente ao balcão com um saco, dizendo aos quatro ventos que tinha um livro com defeito. Rapidamente me ofereci para trocar o livro à senhora, e mal ela começa a tirar o livro do saco eu reparo que é o “Cemitério de Pianos” do José Luís Peixoto. Tendo lido o livro (grande livro) percebi logo o que vinha seguir. “É que a partir da página cento e tal as frases não coincidem umas com as outras, e eu começo a ler uma coisa, depois aparece outra sem ligação, depois outra, depois vou apanhar o resto da primeira coisa, isto tem defeito!”. Expliquei à senhora que era mesmo assim e expliquei as razões para isso. Ela ficou desconfiada: “Mas como é que sabe? Foi mesmo o autor que disse isso?”. Ela levou o livro de volta mas não pareceu muito convencida. Ser um escritor muito à frente tem destas coisas.
Por vezes, ao arrumar a livraria, deparo-me com os livros mais estranhos que nunca me tinham passado pelas mãos. Um dos últimos casos é o da colecção “A Saúde Do Diogo”, que tem títulos muito bonitos e animadores. Vejamos o caso dos clássicos “Diogo Vai à Clínica” e “Diogo Vai Ao Hospital”. São duas bonitas experiências, diferentes entre si que merecem cada uma o seu livro. A minha questão e: para quando o livro “Diogo Vai Ás Urgências Mas Estas Estavam Encerradas”? Outro clássicos incluem o enternecedor “Diogo é Operado”, o inspirador “Diogo Tem Alergias” e o drama “Diogo Tem Diabetes”. Resta saber quando sai o resto da colecção, nomeadamente o “Diogo Morre” e o “Diogo é Autopsiado” e o final feliz, “Diogo é Cremado”.
O que dizer dum cliente que vagueia pela loja, mal ela abre, durante dez ou quinze minutos e depois passa por mim e diz, com o tom mais irado do mundo: “TAMBÉM NUNCA TEEM NADA!” e dirige-se para a porta? Pensei que ele se tinha passado, mas depois o facto de o ver, quando uma senhora deixa cair os seus dez saco do Gato Preto à frente da montra, gritar “VÁ FORÇA! FORÇA NISSO!”, fiquei com a certeza de que ele era sempre assim. Deus o ajude.
Há assuntos sobre os quais eu prefiro permanecer ignorante. Um deles são as “Provas de Fricção para o 9º ano” que um cliente me pediu, ontem. Será que o filho dele anda nalguma escola onde o deboche é um lugar comum? Lá está, prefiro não saber.
Depois temos a velhinha inofensiva que caminha para o balcão, enquanto eu vou pensando já em que livro da Sveva Modignani é que ela quer, e me deixa logo sem resposta. “Tem livros de Cientologia?”. Depois de refeito do choque, respondi afirmativamente. Claro que temos. Qualquer livraria que se preze tem livros de Cientologia, a base de todo o conhecimento humano. Levei a senhora comigo, lentamente, pelo meio das gôndolas até à secção de esoterismo. Quando chegámos, ela foi clara nos seus objectivos: “Olhe que eu quero um livro de Cientologia, mas dos sérios!”. Claro que é dos sérios, aliás, relativamente à Cientologia é dificíl encontrar algo que não seja sério. Fazem cada pergunta… Comecei a mostrar-lhe os livros que temos, e ela ficou desconfiada: “Mas isto é a sério?”. Mais a sério não podia ser, expliquei à senhora, pois os livros eram redigidos pela mão divina do criador da Cientlogia, L. Ron Hubbard. Ela ficou mais descansada. Mas agora outra dúvida inquietava a sua mente: “Então e qual é o melhor para começar?”. Aí tive de puxar dos galões de ilusionista e ludibriar a senhora, lendo o título e umas palavras da contra capa Este é o “Cientologia – Fundamentos do Pensamento”, e fala nas raízes da Cientologia e nos seus fundamentos, disse eu. A senhora ficou maravilhada: “Ahhhh, então você percebe disto…”. Na altura pensei que era bom. Agora que penso que ela acredita na Cientologia, o meu mérito sai bastante mal tratado nesta questão. Enfim.

terça-feira, abril 03, 2007

E Vão 100. Este é Dos Grandes.

Aqui estou, segundo o Blogger, a redigir o meu centésimo post. Parecendo que não, e tendo em conta que alguns dos posts são o que se denomina vulgarmente por “testamentos”, já é qualquer coisa. O quê precisamente não sei bem dizer, mas é qualquer coisa. E claro, lá por ser o centésimo post não quer dizer que não tenham que gramar com mais do mesmo. Portanto ora aqui vai.
A infância é uma época bonita na vida de uma pessoa. Permite-nos brincar, sonhar, aprender e especialmente entrar nas lojas e dirigir-nos ao balcão passando à frente de tudo e todos e interrompendo a soberana figura do livreiro. Esta criança conseguiu a minha atenção à força, e não esperou para fazer o pedido: “OLHE, QUERIA VER ALI O LIVRO DA ESTROMANIA QUE ESTÁ NA MONTRA!”. A mãe olhou para ele de lado: “Tu queres ver o quê?”, o que, curiosamente, era o mesmo que eu estava a pensar. “O LIVRO DA ESTROMANIA! TÁ ALI FORA!”. Tive de lhe pedir para me mostrar o que raio é que ele queria, porque já tinha percebido que não íamos sair dali tão cedo. Então a tal “ESTROMANIA” não era senão o livro “Bem-vindo Ao Mundo Do Wrestling”. O que é praticamente a mesma coisa. Agora percebo que ele queria dizer “Wrestlemania”, apesar de isso não estar no título ou não ser o nome do desporto em si, foi um bom esforço mas precisa de treinar mais. Talvez em vez de ver uns gajos suados a dar umas mocadas na cabeça um dos outros devia aprender a ler. Não sei, digo eu, não percebo nada de educação.
Um cliente bastante decidido aproxima-se de mim e pergunta: “Tem livros de plantas? É que eu preciso de livros sobre plantas… Onde é a secção das plantas?” Saí do balcão e desloquei-me, com o cliente a seguir-me, até à secção de plantas e disse aqui tem a secção de plantas. E o que responde o cliente? “Ah, mas eu queria era mesmo livros de árvores!”. Ah brincalhão.
Há funções deveras entediantes inerentes ao trabalho numa livraria, sendo que a conferência de créditos é uma delas. Estava eu com quatro facturas na mesa e no colo, confirmando valores um por um, num papel com letra pequena e mal imprimida, quando aparece um cliente a espreitar para dentro do back Office. Pousei as facturas e segui para o balcão. A minha colega estava a atender, estava outra senhora na fila e estava o senhor a pôr-se à frente. Perguntei quem estava primeiro, e a senhora, assustada, queria dar lugar ao senhor mas eu não o permiti. Ele não achou piada: “ISTO É INCRIVEL, QUANDO A LOJA ESTÁ CHEIA É MAIS RÁPIDO, POIS QUANDO A LOJA ESTÁ CHEIA POEM TODA A GENTE A TRABALHAR!” Pois, eu estava no escritório a brincar com as facturas às mamãs e aos papás, na esperança que dessem uns créditos bonitos quando ele me interrompeu. Ele não percebeu que eu só trabalho quando há mais de dez pessoas na loja. Menos que isso não merece a minah atenção.
Definitivamente, e voltando a um assunto que abordei no testamento, perdão, no post anterior, há qualquer coisa que faz de mim Livreiro, mesmo nas folgas. A minha pequena filha insistiu em vir dizer olá ao Santo. É o respeito pelo divino. Enquanto ela estava a conversar com ele (e se o Santo gosta de conversar com alguém que tem o mesmo nível emocional que ele) eu fiquei parado na loja, a observar. É então que chega um senhor ao pé de mim e pergunta se temos um certo e determinado livro. E eu sem farda, sem nada, era apenas um anónimo parado no meio da loja. Alguma coisa há que nos distingue. Por favor digam que não é algum odor estranho.
Dizem que as crianças são a alegria da casa, eu digo que as Tias são a alegria da loja. Elas berram, esbracejam, dançam, fazem a festa sozinhas. Depois de andarem horas a ver livros e a fazer barulho, finalmente decidiram oferecer um livro sobre armas a um amigo, e queria oferecer um postal, e passo a citar, “QUE TIVESSE ASSIM DUAS BOAZONAS COMO NÓS!”. Obviamente que não preciso de dizer que as duas senhoras na casa dos sessenta anos não se enquadravam no perfil de boazonas. Mas fica a boa disposição. Na despedida, ficou o aviso de uma das amigas para a outra: “TEMOS DE IR À NOITE, E NÃO DEIXES A TERESA BORREGAR!”. Ah, como é bonito ouvir termos de equitação ou aviação na mesma frase que nomes de mulher.
Há clientes indignados, alguns com toda a razão. E há outros que são como este cliente que passa na montra, visivelmente irritado, mete a cabeça dentro da loja, olha à volta e diz: “AQUI SÓ TEM LIVROS!”, da forma mais irritada e nervosa que possam imaginar. E continua furiosamente pelo corredor fora. Ora tendo em conta que este local é, lá está, uma livraria, penso que não estamos diante de um caso paranormal. Mas talvez isto só seja claro para umas quantas mentes iluminadas.
Para terminar, que o testamento já vai longe e ainda nem sequer decidi a quem deixar a minha Playstation2, temos a cliente que estava desesperada: “POR FAVOR, QUERO UM DECRETO-LEI!”. Tentem perguntar o que é que ela queria concretamente, mas ela só dizia: “QUERO UM DECRETO-LEI! SEI LÁ! NÃO HÁ NENHUM LIVRO QUE TENHA UM DECRETO-LEI?”. É nestas alturas que penso que dava jeito ter ali o Sr. Jurista como colega. Disse à cliente que não havia nenhum livro com esse título, tentei novamente perguntar a que era referente o decreto-lei, ou se sabia o autor ou editora. A resposta surgiu ainda mais nervosa: “ENTÃO! O AUTOR DO DECRETO-LEI É O ESTADO! O ESTADO!”. Sem mais alternativas, levei a senhora até ao local do direito para ela dar uma vista de olhos, tentando sempre fazer perguntas que a levassem a dizer qualquer coisa coerente. O melhor que consegui foi: “QUERO UM DECRETO-LEI DE LIMPEZAS! E JÁ LIGUEI PARA CASA NACIONAL IMPRENSA DA MOEDA E NÃO ME SOUBERAM RESPONDER!”. Apesar de ter feito um ar surpreendido, obviamente que no fundo sabia que ninguém lhe conseguia responder seja o que fosse. Os senhores da Casa da Moeda não são milagreiros. Lá saiu a senhora, altamente desiludida por não ter encontrado o seu decreto-lei. Boa sorte, e o que o senhor Estado, o que redige os decretos-lei, te acompanhe! Bom escritor, o gajo.
Obrigado pelas leituras, comentários bons, maus e esquizofrénicos. Obrigado.

quinta-feira, março 01, 2007

O Que Faço Aqui?

Por muito que pudesse estar alheado da realidade, nas nuvens, distraído do mundo, ouvir, mal entro na loja, uma coisa como: “Ah, isso é como ter problemas na Tiróide, mas ao contrário!”, faz me logo lembrar que, sim, sou Livreiro. E o que é um problema da Tiróide, mas ao contrário? Prefiro não saber...
Depois, antes sequer de tirar o casaco e mostrar ao mundo a bela farda, já estavam umas adolescentes espanholas a abordar-me. E antes de passar à questão propriamente dita das adolescentes espanhola, há que abordar outra questão. Como é que raio elas, estando eu de casaco e parado junto à entrada da loja, apenas a ver um livro, sabiam que eu era Livreiro? Como? Emanará o Livreiro um odor a bolor típico dos livros? Ou teremos isso estampado na testa? Eu não sei, a verdade é que por vezes estou de farda e de identificador e ainda assim amigos, ainda assim perguntam se eu trabalho na Livraria. É verídico. Que mais preciso fazer para as pessoas verem que trabalho aqui? Bem, talvez os engraçadinhos digam coisas como “ah e tal e se trabalhasses?”. É um ponto de vista. Mas a verdade é que me fazem essa pergunta mesmo quando eu carrego uma valente pilha de livros.
Passando novamente às adolescentes espanholas, a primeira coisa que a mais destemida me diz é: “Tienes un libro antigo?”. Eu tentei, através do método Socrático, fazer perguntas que desvendassem um pouco o mistério. Qual seria o livro antigo? Autor, editora, título? Nada disso. Ela apenas repetia “libro antigo” como se a vida dela dependesse disso. Depois, sempre que tentava estabelecer alguma comunicação, dizia “no entiendo” e elas e as amigas riam-se nervosamente, agarradas umas às outras. Onde é que está o Gulbenkian, esse verdadeiro poliglota, quando precisamos dele? E onde estava o Santo, esse dominador de pitas nacionais e estrangeiras? Se há um livro engraçado que costumamos ter junto ao balcão é a agenda Maria Raquel. É uma bonita agenda, azul na edição deste ano, com uma senhora de fato de treino a correr em direcção a parte incerta. E a agenda vem dentro de uma embalagem que inclui um pedaço de cartão que anuncia, além do preço, as ofertas e qualidades da agenda. E que fantásticas oferendas são estas, cortesia da agenda Maria Raquel? O belo do avental e do bloco de compras, ficando assim munidas, desde já, com as mais importantes ferramentas que uma mulher pode necessitar. Se quiserem incluir o direito ao voto e à equidade no trabalho entre homens e mulheres, estão à vontade, mas isso é muita emancipação para a Maria Raquel. A agenda inclui também segredos de culinária, conselhos de beleza, medicina doméstica e anedotas. A prenda ideal para aquelas três ou quatro dona de casa que ainda existem neste vosso Portugal.
Depois temos aquela cliente que andava a vasculhar os álbuns colocados em cima da mesa, mexendo e remexendo freneticamente e que, sem qualquer aviso prévio ou saudação educada, berra lá da outra ponta da mesa: “O QUE É QUE ESTE HOMEM FAZ DA VIDA?”. Uma pessoa fica sempre na dúvida, estará a falar connosco? Haverá alguém debaixo da mesa? E este homem quem? Decidi aguardar por novos desenvolvimentos. A senhora levantou um livro e disse: “O AUTOR DESTE LIVRO, O QUE FAZ NADA VIDA?”. Desloquei-me até à senhora, pois se continuasse a berrar daquela forma a senhora acabaria por perder a voz e, sem voz, não seria capaz de dizer parvoíces. E sem parvoíces não há blog. Lá fui eu, então, e antes de chegar junto a ela, já estava a falar outra vez: “É QUE EU NÃO VOU COMPRAR ISTO SEM SABER O QUE É QUE O AUTOR FAZ!”. Eu tentei procurar na capa e contracapa alguma indicação biográfica do autor, mas sem sucesso. Não havia qualquer informação disponível. A senhora não ficou nada contente: “DESCULPE LÁ, EU NÃO VOU COMPRAR UM LIVRO SEM SABER QUAL É A PROFISSÃO DESTE JOAQUIM VIERA! PODE SER PESCADOR, PODE SER QUALQUER COISA, SEI LÁ!”: É, é isso mesmo, é pescador, e nos intervalos da faina anda a recolher informações e fotografias para fazer um livro sobre o Portugal dos anos 50. Típico, aliás, de qualquer pescador. E que tal, não sei, vamos fazer assim um exercício louco, que tal se a profissão dele for, imagine-se lá, escritor? Sei que parece uma loucura, mas pode acontecer. Qual é a profissão deste escritor? É escritor. Seria o choque total.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Vai Tudo Dar Ao Mesmo

Há coisas que, por muito que ouça, por muito que veja, me deixam sempre com um riso difícil de conter, com aquele sensação de que vou explodir em gargalhadas e lágrimas. Especialmente quando tenho, nada mais, nada menos, que o lobo do mar Gulbenkian ao meu lado. Uma tia e sua respectiva filha (reparem no inicio desta frase. Se traduzissem isto para um inglês, de certo ele perguntaria: mas não devia ser tia e sua respectiva sobrinha? Devia. Bem vindo a Portugal) procuravam, espalhafatosamente, uns livros. Primeiro a filha chega ao balcão e pede livros da Agatha Christie, e quando eu saio do balcão para indicar a respectiva secção, ela vira as costas e sai da loja para falar com umas pessoas. Eu fiquei parado junto à secção, estupefacto, enquanto o Gulbenkian já estava com ar de quem queria rir. Lá veio ela, lá escolheu os livros e pediu à mãe para pagar. A mãe tinha ar de quem era irmã dela, tanta a plástica. Quase que posso jurar que cada vez que ela sorria, só mexia o lábio esquerdo e levantava ao mesmo tempo a perna direita. Se fizesse um som tipo “GHHHHHHZ COMO TE LLAMAS? QUIERO SER COMO TU!” eu tentava por lhe uma moeda na boca a ver se saía um ovo com brinde. Antes de pagar atendeu o telefone e desatou aos berros, a dizer como ficava louca porque ia jogar o Chelsea. Depois viu um livro de cavalos e disse que estava lá o cavalo dela. Mas ela não estava porque estava fora. Quando finalmente se lembrou de pagar, entregou o seu VISA, mas esta não passava. Ela disse que era normal, porque, atenção, “É O MEU CARTÃO SUBRESSALIENTE!”. E a esta altura já eu pedia encarecidamente ao Gulbenkian para se ausentar para o Back Office porque se olhássemos um para o outro alguém ia perder o controlo.
Depois há clientes que enganam. Veja-se o caso da adolescente com ar cândido, com todo o aspecto de quem acabou de largar as saias da mãe, e que se passeia junto à secção de livros juvenis. Cara de quem não tem mais de treze anos, roupa de quem não tem mais que quinze, vê os livros descansadamente. Quando se dirige para o balcão, penso que lá vem mais uma adolescente perdida que não sabe onde estão os livros do Diário de Sofia ou do Diário da Princesa. Mas o que ela diz é o seguinte: “Boa tarde, tem o MANUAL DA BRUXA SATANICA?”. Ora bem. Nem mais. “O Manual da Bruxa Satânica.” Deve ser um clássico da literatura juvenil que desconheço. É que, reparem, não é só o facto de ela querer o manual da Bruxa, ela quer o manual da Bruxa que é Satânica. Podia ser uma bruxa cristã, ou hindu, porque não? Mas tinha logo de ser Satânica. A juventude está perdida. Depois de verem a Floribella vão fazer rituais satânicos para o quarto.
A secção do esoterismo atrai realmente muita gente. Num destes dias tentei ir buscar um livro ao esoterismo, uma secção que não tem mais de um metro de largura, e estavam cinco pessoas a tentar ver o que por lá havia. Seis, a contar comigo. Fui empurrado e acotovelado por pessoal feio e vestido de preto enquanto via pentagramas. Não me acontecia nada parecido desde o concerto de Slipknot.
Um senhor chega ao balcão e diz o seguinte: “Boa tarde, vinha aqui há procura de um livro que ajudasse ou ensinasse a escrever. É tenho lá em casa um miúdo, que por acaso é meu filho, que tem dificuldades!”. Por acaso é filho dele. Que curioso. O pessoal geralmente tem miúdos em casa mas é para outras coisas. Olhem a casa de Elvas. Também podiam dizer que tinham uns miúdos em casa. Lá encontrei um livro para o caro senhor, e, depois de alguma conversa, falámos sobre o que ajudaria à escrita. Ele defendia a prática. Eu defendia que, além da prática, a leitura é essencial. Até que ele diz o seguinte: “Ler livros para depois ir escrever é a mesma coisa que ver futebol na televisão e depois ir jogar. Não serve de nada!”. É aqui que eu não digo mais nada, apenas fico a ouvir na esperança que surjam mais pérolas como esta.
Há coisas que me fazem alguma confusão. Astrologia para bebés é uma delas. Duas amigas que procuravam o livro comentavam que “aquilo é mesmo igualzinho ao bebé da Maria! O que diz lá é como ele é e como faz!”. Estavam maravilhadas. Esse livro é uma boa ideia. É só copiar o que os outros dizem sobre os adultos e acrescentar um horóscopo tipo: “segunda-feira o seu bebé vai fazer chichi e chorar quando tem fome. No plano das relações vai dar-se bem consigo se for boa para ele. Já na parte da noite, vai acordar quando tiver a fralda suja.”. E as pessoas compram… E vão mais além, compram Astrologia para Animais. “Deixa-me cá ver se é hoje que o Rex me mija o sofá…”. Com livros assim, o mundo é um local melhor.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Quem é o Mais Forte?

Para aqueles que temiam que eu tivesse perecido perante a temível e dura formação, eis que eu volto para vos sossegar. (A minha empresa põe os clientes em primeiro lugar) Nada temam, a formação não foi a lavagem cerebral que toda a gente dizia que ia ser. (A minha empresa é a melhor do mundo.) É verdade, aquilo até foi engraçado, ver que nas outras lojas também é tudo doido, quer sejam os clientes quer os colaboradores. (Vender é importante, e o cliente é de ouro.) Mas a formação passou-se bem, afinal de contas, foram apenas dois dias. (O atendimento Premium é importante para fidelizar o cliente). Claro que quando voltei ao trabalho não pude aplicar nada do que aprendi, mas não dei o tempo por mal empregue. (Temos de ajudar os clientes a ajudar a empresa.) Há sempre coisas úteis que ficam e que ajudam a desempenhar melhor esta espinhosa função. (Vender. Vender. Vender. Vender. Vender.)
E, logo um dos primeiros clientes que apanho é um senhor que, antes sequer de eu ter posto em prática as tácticas de aproximação ao cliente, já está a disparar em todas as direcções: “QUERO UM LIVRO AHN? MAS LITERATURA A SÉRIO AHN? TENHO 3500 LIVROS AHN? E ESCREVO CONTOS.”. Eu respondi apenas: Ahn… E desloquei-me para as novidades, para ver o que poderia agradar ao senhor. Enquanto pesquisava, ele continuava: “3500 LIVROS AHN? E ESCREVO CONTOS. E QUERO UM LIVRO A SÉRIO, NADA DESSAS PARVOÍCES QUE POR AÍ ANDAM”. Comecei por lhe sugerir alguns livros, que ele prontamente recusou, dizendo pérolas como: “O QUÊ? JÁ LI TUDO DESSE AUTOR AHN?” (quando o autor em causa apenas tinha um livro), “JÁ LI ISSO PRÁI HÁ TRÊS ANOS AHN?” (quando o livro era português e tinha saído o ano passado), “JÁ LI ISSO EM FRANCÊS! JÁ LI ISSO EM ESPANHOL! JÁ LI ISSO EM ITALIANO AHN? JÁ LI EM INGLÊS!” eram as respostas que ia dando conforme eu ia lhe passando livros para a mãe. Quando lhe dei o novo livro de José Luís Peixoto para a mão (brilhante, claro), o cliente diz: “JÁ LI TUDO DELE AHN? ESTE NÃO! HMMMMM… É MAÇUDO?” pergunta o cliente, e eu disse que não era nada maçudo. “ENTÃO E DIGA ME LÁ, É LINEAR? NÃO GOSTO DE CONFUSÃO AHN?” Muito linear, é uma linha trás da outra, não há que enganar… Mostrei-lhe a parte da maratona, e o cliente até ficou azul: “AH QUE CONFUSÃO! NADA DISTO, NADA DISTO AHN?”. Depois mostrei-lhe Murakami, e ele folheou e disse: “OUÇA LÁ, EU NÃO SEI QUANTO A SI, MAS EU DE CERTEZA QUE NÃO FALO COM O MEU GATO E ELE ME RESPONDE! NÃO QUERO ISTO!” Elucidativo da gentileza do senhor. Farto de mostrar novidades, passei para os clássicos da literatura. A resposta era invariavelmente: “TENHO 3500 LIVROS AHN? ESCREVO CONTOS!”: Quando lhe mostrei Dostoievsky, disse: “JÁ LI EM RUSSO AHN. ISSO É MAÇUDO, SÓ SE FOSSE PARA LER NAS ESTEPES DA SIBÉRIA, É MAÇUDO!”. Era claramente isso que Fiodor Dostoievsky tinha em mente quando escreveu “O Idiota”. Eu tentei manter critérios de qualidade na apresentação dos livros, mas, passado dez minutos já não fazia ideia do que lhe estava a passar para a mão. E foi assim, a escolher aleatoriamente, que ele se decidiu finalmente por dois livros. Os livros para ele ou não eram literatura a sério ou eram maçudos.
E não podia partir sem vos falar de uma personagem já habitual da loja. Não temos (ainda) alcunha para ele, mas ele é merecedor de uma. Costuma ir à loja, nunca comprou nada, e consegue fazer as perguntas mais estranhas e sem sentido ou sem utilidade que se possa imaginar. Por exemplo, ele passa na loja, aproxima-se do Santo e pergunta: “Quem é mais forte, a Patrícia ou o Bernard Cronwell?”. O Santo teve de pensar três vezes antes de responder, caindo a sua resposta no Bernard. Eu, se tivesse no lugar dele escolhia a Patrícia, porque apesar de ser mulher ainda levanta 80kg com facilidade, o que não é de desprezar. Não contente, o cliente continua “Então e quem é mais forte, o Bernard Cornwell ou o VacVandermint?”. O Santo nunca tinha ouvido falar do VacVandermint, mas não hesitou em eleger este como o mais forte. E lá seguiu, o cliente, feliz da vida. Mais tarde viemos a perceber que ele se referia a Val McDermid, o que tinha obrigado o Santo a mudar a sua resposta. A próxima vítima fui eu. Perguntou-me como é que se fazia uma base de dados de livros, como é que nós a tínhamos organizado, como é que a podíamos melhorar. Depois da longa (e eficiente) resposta que lhe dei, perguntou-me quem era melhor, se o John Le Carré ou o Robert Wilson. Disse que era o John Le Carré, e ele disse: “Pois, eu prefiro o Robert Wilson, é que vi o filme “O Fiel Jardineiro”, depois li o livro e não havia nada de novo, parecia tudo muito familiar.” Não argumentei esta parte, porque ele tinha toda a razão. Depois pediu-me para comparar o tamanho dos capítulos de um e de outro, e claro, se eram mais fortes que o Bernard Cornwell. Tive que dizer que não e dar a mão à palmatória, o Bernard é o maior.