quinta-feira, dezembro 27, 2007

O Natal, Essa Enfermidade

Intensas reivindicações e eventos anómalos depois, surjo aqui, ainda não recobrado, para vos deixar mais uma breve crónica sobre o período mais temido por alguém que alguma vez tenha colocado o pé atrás de um balcão: o Natal. Claro que a pluralidade das pessoas deve achar misterioso o facto de eu considerar o Natal como a pior de todas as épocas conhecidas pela humanidade (peste negra incluída), mas a esse tipo de coisas já estou eu acostumado. O grande problema do Natal, caros leitores, são, basicamente, as pessoas. Porque com as pessoas surgem ainda mais pessoas tresloucadas e fora de si, surgem pessoas apressadas, demoradas, enfim, todo um manancial de seres (às vezes pouco) humanos, aqui na loja.
Temos a senhora que quer dar livros de arquitectura a um arquitecto. O normal. Pede-me, educadamente, um livro sobre arquitectura antiga. Quando lhe mostro um livro sobre igrejas medievais, sua construção, plantas e tudo o que tenha a ver com arquitectura, ela perde as estribeiras: “IGREJAS? ISSO NÃO TEM NADA A VER COM ARQUITECTURA!”. Obviamente que não tem, e o erro foi meu. Porque toda a gente, incluindo eu, devia saber que as igrejas são feitas a partir da arte da pastelaria, e não da arquitectura. Isso de arquitecturas e engenharias é tudo balelas. É só mudar um ou dois ingredientes e, em vez de uma bola de Berlim, temos uma Sé de Lisboa.
Raramente as pessoas sabem o que querem. Esta cliente em particular apenas sabia que queria um livro passado em África, não sabendo especificar nada mais. Na impossibilidade de ajudá-la, ela pergunta: “Então diga-me lá, onde é que é a zona de África?”. Não percebo como é que ela não viu logo, com os leões e as dunas.
A língua portuguesa é traiçoeira, já nós o sabemos. Mas os portugueses conseguem ainda torná-la mais intrincada. Temos o senhor que pretende adquirir livros de “ORALGAMI”, que será origami feito com a boca, penso eu. Ou então algo de cariz sexual que prefiro nem saber o que é. Temos também o senhor que procura o segundo volume do livro Eragon, de seu nome “ELDESPE”, onde o autor preferiu optar por caminhos de índole, cariz ou natureza sexual. E por fim, temos a senhora que procura uma prenda de Natal para a sua filha: “Eu queria aquele livro, aquele para miúdas de catorze anos, o Prepúcio, sim, é isso, chama-se Prepúcio e é assim para adolescentes, elas gostam dessas coisas, sabe o que é?” Sei, mas o que a senhora quer chamava-se Crepúsculo. Não sei até que ponto as raparigas de catorze anos deveriam gostar dessas coisas, mas, estamos no século vinte e um, eu já não digo nada.
Nesta altura natalícia a loja está cheia de colaboradores. Raramente partilhamos todos este espaço ao mesmo tempo, portanto há que saber organizar as tarefas. O nosso caro Professor Bond (mais uma vez, parabéns pelo terceiro lugar na categoria de melhor blog de literatura de 2007) estava firme e hirto nos embrulhos, como é seu apanágio e costume, quando eu fui abordado por duas jovens excitadas que queriam algo como “o diário do meu pipi”. Sabendo que o elas queriam era “O meu Pipi”, livro proveniente do blog com o mesmo nome, por momentos não perguntei, em voz alta e com a loja cheia, “BOND, VISTE O MEU PIPI?”. Seria, sem dúvida, um momento curioso.
Gostei igualmente de uma cliente que queria trocar um livro porque alguém “TEVE O DESPLANTE DE ME OFERECER O LOBO ANTUNES. EU ABOMINO O HOMEM, ESTÁ A VER? ODEIO. NÃO O SUPORTO: ESTÁ A PERCEBER? NÃO POSSO COM ELE!” Eu estava prestes a oferecer-lhe o dicionário de sinónimos para ela continuar a demonstrar o seu desagrado com o Lobo Antunes, mas ela foi-se embora (sem trocar o livro) enquanto continuava a barafustar pela loja fora. Eu até a compreendo. O Lobo Antunes tem muitas letras nos romances dele, e palavras, e o gajo, com a mania, ainda lá tem frases! O convencido que um gajo tem de ser para fazer uma cena dessas. Enfim
A minha cliente preferida deste Natal não poderia deixar de ser a senhora que procura livros de culinária para oferecer à sua filha, ainda criança. Estava tudo a correr pelo melhor até eu sugerir o livro “A Vóvó Ensina-te a Cozinhar”. A senhora arregalou-os olhos e disse: “ACHA? ACHA MESMO? ALGUMA VEZ EU DARIA ISSO Á MINHA FILHA! ISSO É UMA VERGONHA, ESSES LIVROS SÃO UMA VERGONHA!”. Eu não devo ter conseguido esconder o meu espanto, e ela continuou: “ESSES LIVROS RETRATAM A AVÓ A COZINHAR E, IMAGINE-SE! A PASSAR A FERRO! ALGUMA VEZ A AVÓ DELA PASSA A FERRO?! ELA TEM DEZENAS, DEZENAS DE CRIADAS! SE AS CRIANÇAS VISSEM UMA AVÓ A PASSAR A FERRO ELAS TINHAM UM CHOQUE TÁ A VER? UM CHOQUE! ALGUMA VEZ, A AVÓ A FAZER SEJA O QUE FOR!”. Depois passou a explicar o que queria: “EU QUERIA UMA DAQUELAS COISAS; DAQUELES LIVROS DE CULINARIA PARA JOVENS, TÀ A VER? O MEU FILHO FOI PARA BEJA ESTUDAR E EU DEI-LHE O LIVRO E DISSE: TOME, QUERIDO, TOME LÁ ISTO E FAÇA UNS HAMBURGUERS OU QUALQUER COISA!” Que mãe atenciosa, pensei eu. Isto sim é espírito de Natal.
Boas Festas para todos.

8 comentários:

JoanaRSSousa disse...

ena
só clientes «prenhes» de espírito natalício!

um bom ano, com bons livros

Ana Isabel Pedroso disse...

E mais uma vez me diverti com o seu post!
Um Bom 2008 para si e para os seus!!!

O Livreiro disse...

Joanarssousa, obrigado, igualmente! Demasiados livros, pouco tempo...

Ana, muito obrigado! E obrigado pelo link.

Anónimo disse...

Grande Livreiro,

estava eu no dia 31 de Dezembro a trabalhar quando decidi dar uma vista de olhos no teu Blog! Muito bom! Só tu com mil e uma histórias para contar! Eu confesso que ainda hoje acho hilariante como uma livraria tem tanto p contar!
Um Abraço
Nuno Póvoa

O Livreiro disse...

Eu aposto que uma ida à China tem coisas bem mais interessantes.
Grande abraço!

António Miguel Miranda disse...

Divulgação

Um Blog ,dois livros!

www.camaradachoco.blogspot.com

“Camarada Choco”

e

“Camarada Choco 2”
António Miguel Brochado de Miranda
Papiro Editora

Papelaria “Bulhosa” Oeiras Parque, Papelarias “Bulhosa”, FNAC ou www.livrosnet.com

Tema: Haverá uma fronteira entre os Aparafusados e os Desaparafusados?"

Filmes de Apresentação no “Youtube” em “Camarada Choco”

Anónimo disse...

caro colega de profissão,

descobri muito recentemente o seu blog, e aminha única pena é não ter nada deste ano acerca do fantástico periodo pós-natálicio, conhecido por trocas e devoluções.

Por favor queira partilhar as suas brilhantes opiniões de tão alegre data.

Esperando por um post em breve

O Livreiro disse...

Cara colega,

Se vasculhar no blog encontrará com toda a certeza algo relacionado com esse assunto.

Isso do post em breve é que é mais complicado.

Mas chegará.