terça-feira, maio 30, 2006

Obviamente, Demito-o!

É quase morto por um calor insuportável que O Livreiro regressa às hostes do seu blog. O calor, meus amigos, o calor… Nós temos ar condicionado, por isso, não se está mal na loja. Mas, para quem vem de fora… Passou lá um cliente, com o já típico ar de veraneante, calções, chinelos, etc., que estava interessado no livro “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas” de Dale Carnegie. Bom, é uma atitude nobre, querer fazer amigos. Mas talvez fosse melhor ele comprar o livro “Como Tomar Um Banhinho Jeitoso Antes de Sair de Casa” antes de tentar fazer amigos, porque, com aquele pestilento odor a segui-lo nem o Dale Carnegie o ajuda. O homem não faz milagres.
Alguns clientes continuam a insistir nas velhas frases, e, por mais inverosímil que possa parecer, alguém lembra-se sempre de alguma maneira nova para as dizer. Veja-se o caso do já mítico “Se fosse bicho mordia!”, frase preferida dos clientes quando querem um livro que, espante-se, afinal se encontra diante dos seus olhos. Já dissertámos sobre variantes como “é como ir à horta e não ver as alfaces” ou o clássico “se fosse cão mordia”, mas, desta vez, deparei-me com um original e, porque não dizê-lo, brilhante comentário. Quando indiquei ao senhor a pilha de 50 exemplares do “Código Da Vinci” a um metro de si, o senhor exclama, entusiasmado: “EPAH! SE MORDESSE, MORDIA!”. Ora, ai está. Se mordesse, mordia. Parabéns, Capitão Óbvio, salvou o dia mais uma vez!
Depois temos a habitual discussão do “já é boa tarde / ainda é bom dia”. Custava muito às pessoas responder tal e qual o que lhe dizem? Se digo bom dia, diziam bom dia. O mesmo para o boa tarde e boa noite. Quando respondem algo de diferente, enfim, aceita-se. O pior é quando, além de responderem de forma diferente, ainda acrescentam comentários. E é o costume, “boa tarde, porque já almocei”, ou “boa tarde porque já passa do meio-dia”, ou “bom dia porque ainda não é uma da tarde”. Mas, o meu preferido é o cliente que, depois de eu dizer um simpático Boa Tarde, responde “PARA MIM AINDA NÃO É TARDE!”, completamente ofendido. Abram alas para entidade reguladora do Universo! Peço imensa desculpa, se para si ainda não é boa tarde, não é para ninguém! Já agora, que dia é hoje? Não vá estarmos todos enganados.
Devo vos dizer que aquele balcão é um lugar privilegiado para assistir a certos e determinados acontecimentos, como o já milenar “a minha vida é melhor do que a tua, amigo que não vejo à um ano”. Mas, às vezes, as coisas não correm como de esperado. A livraria, mais do que um estabelecimento comercial, é um ponto de encontro. Uma, vá lá, sala de estar do pequeno Portugal. Vejam o caso paradigmático dos dois amigos e respectivas mulheres e filhos que se encontram numa livraria. Encetam uma agradável conversa, com um dos amigos particularmente empenhado em mostrar os seus sinais de riqueza. E qual é um dos pontos fulcrais do seu triunfante discurso. O telemóvel, obviamente. “Queres ver o meu telemóvel?” Antes do pobre coitado dizer que não, já estava com o objecto a 3cm do nariz. “Tem Bluetooth, Internet, MPTHREEEE, (Não é mp3, é mpTHREEEE), agenda, alarme, despertador… “ A lista de conteúdos era grande, realmente, e eu estava ansioso por ouvi-lo dizer que fritava batatas, mas, aparentemente, o telemóvel dele não é assim tão bom. Quando termina a extensa lista, foi a vez do amigo falar. E eis que, a única coisa que diz é: “Olha, mas ele está desligado.”. O pânico apoderou-se da cara do amigo. Voltou o telemóvel para ele, dizendo: “Não, não pode ser, ainda a bocado o carreguei, queres ver, devo ter desligado sem querer!”. E ligou o telemóvel, que, imediatamente, se desligou outra vez. Depois de voltar a ligá-lo, tentou tirar uma foto e o telefone bloqueou. “É topo de gama, garanto-te, é brilhante, queres ver umas fotos?” Era o desespero em pessoa. Quando o pobre amigo saiu, finalmente, o dono do telemóvel comenta para a mulher: “Telemóveis de 100€ é o que dá…”. Nem mais, nem mais…
Realmente há coisas inexplicáveis. Alguém me dê um motivo (quem disser o mais plausível habilita-se a prémios fantásticos) para um cliente que se dirige ao balcão, onde estava com a minha colega, e diz “Queria o livro do General Humberto Delgado!”. Eu olhei para a minha colega, ela estava mais perto da saída do balcão. Ela percebeu a deixa e disse: “Só um segundo, vou ali buscar…”. E qual é a reacção do cliente? Basicamente foi isto: “JÁ VI QUE NÃO TEM! É MELHOR IR A OUTRO LADO, IR Á FNAC, INCRÍVEL!”, disse, enquanto esbracejava vigorosamente. E a minha colega perto do livro, olhava incrédula para ele. Acho que ele, obviamente, demitia-nos! Claro que ele, depois de ter dito furiosamente que iria à FNAC, saiu da loja para o lado exactamente oposto. Estava perdido, em todos os sentidos.
Até breve...

domingo, maio 14, 2006

Montagem de Expositores Para Totós

Têm sido uns dias atribulados, estes que vivemos. Quinta-feira de manhã, por entre uma enchente de pessoas logo às 11 horas, conseguimos ver uma rapariga desmaiar mesmo à frente da loja. Pobre criatura, trabalha num stand da Philips alusivo ao mundial, onde, os felizardos consumidores, podem habilitar-se a ganhar umas televisões e outras coisas que tais. Tudo bem que eles dizem que os prémios são de cair para o lado, mas a rapariga não devia levar isso tão à letra. Isto dos prémios tem que se lhe diga. Não é raro chegarem aqui pessoas com cupões para ganharem qualquer coisa. Nós tentamos explicar que não é aqui que se entregam os cupões, mas as pessoas não desistem. Quando finalmente param de reclamar para nos ouvir, nós explicamos que é “aqui à frente” que se entregam os cupões. As pessoas olham, dão uns passos para o lado para ver melhor e perguntam: “Aqui à frente? Onde?”. Basicamente é no stand no meio do corredor, a 2 metros da porta, que tem mais de 10 metros de comprimento, com cabines ENCARNADAS, em cima de um tapete VERDE, que dizem MUNDIAL DE PREMIOS em letras garrafais. Eles até têm uma baliza com um televisor de plasma lá dentro, por amor de Deus! Como é que é possível não ver?
Estava eu no balcão com o grande Gulbenkian, esse grande filantropo, figura de proa da missão Crescer em Príncipe (que, pasme-se, até já figurou numa edição do Expresso), quando surge uma senhora, com um ar bastante confuso. “Vou-lhe pedir uma coisa difícil…” disse-nos. Eu expliquei-lhe que se ela queria que o Gulbenkian agisse como um homem, ia ser difícil, mas de resto, podíamos ver o que é que podíamos fazer para ajudar. Queria um livro que não tínhamos, que surpresa.
Devo admitir, em primeira-mão, que sou um homem mudado. Não há que negar, sou um homem mudado. E tudo devido a algo que presenciei, durante hora e meia. Noddy Live, era o nome do espectáculo… Pois é amiguinhos, fui ao Noddy Live e saí de lá um homem mudado. Foi a loucura. Deviam ter visto os miúdos, no espaço entre o palco e a primeira plateia, a lutarem, saltarem, rebolarem, correrem, e espancarem-se quase até à morte com uns paus cheios de luz que eles por lá vendiam, para desespero dos pais. Ainda pensei em começar um mosh, mas ninguém me ligou nenhuma. Não brinquem, aquelas músicas do Noddy roçam o heavy metal. Posso quase jurar que vi o Sonso a tentar fazer stage diving, e um puto a saltar do primeiro balcão para a plateia. A seguir ao espectáculo, nos corredores do Pavilhão Atlântico, ocorriam as habituais conversas sobre o desempenho dos artistas. “Ah e tal, o Noddy já esteve em melhor forma, tem chegado atrasado aos treinos…”. Mas o mais curioso foi uma conversa entre dois petizes. Ao olharem para um poster alusivo ao espectáculo, disseram o seguinte:
- A minha tia faz me lembrar a Ursa Teresa
- Que giro, chama-se Teresa?
- Não, é uma ursa!
Sempre na pândega, estas crianças…
Temos tido várias campanhas especiais nas últimas semanas. A mais recente prende-se com a colecção “Para Totós” da Porto Editora. Para o efeito, além de termos que por os livros dessa colecção na montra, recebemos uma expositor com mais de 1,50m de altura, com 3 prateleiras com uma divisão central para expormos os livros. É um expositor vistoso, amarelo, ocupa muito espaço e basicamente desempenha bem a sua função. Que é incomodar. E o maior problema nem é o expositor em si, mas sim a montagem. O expositor veio completamente desmontado, dentro de um caixote. Este caixote deveria ter escrito num dos lados “Como Entreter Três Livreiros Durante Cerca de Uma Hora”. Porque foi isso que aconteceu. Três Livreiros, um expositor, mais de uma hora. O Expositor deveria vir acompanhado do livro “Montagem de Expositores Para Totós”. Devo-vos dizer, que, da primeira vez que conseguimos montar e juntar todas as peças, fizemos um Eusébio de cartão amarelo. É verídico. Isto de dobrar e encaixar cartão não é, definitivamente, connosco. Mas, depois de muita luta, lá conseguimos erguer o expositor e ficámos a olhar para ele, orgulhosos, durante alguns segundos. Depois do orgulho veio a vergonhoa, porque não era possível termos demorado uma hora a montar aquilo. Depois disso, veio a aceitação. Tudo bem, demorámos, mas ficou bem montado. E, por fim, veio o esquecimento. Menos para o Gulbenkian. Ele passou da aceitação para o amor. Consta que quando a campanha acabar ele quer levar o expositor para casa. Que sejam felizes...

quinta-feira, maio 04, 2006

Eu... Eu é Que Sou o Inspector do Trabalho!

O José Pedro Gomes, no seu livro “O Pais dos Jeitosos”, escreve sobre uma carta, e o tempo que esta demoraria a chegar de Lisboa a Cascais. Sem querer tirar a piada do texto, o facto de um livro demorar uma semana a fazer o mesmo trajecto (ou até mesmo dentro de Lisboa, ou dentro de Cascais) tem muito mais piada. Geralmente quando dizemos que um livro demora uma semana a vir de Lisboa, a reacção dos clientes tende a cair na indignação: “O QUÊ? SÓ PODE ESTAR A BRINCAR! É RIDICULO!”. Mas, hoje, um cliente, quando confrontado com o facto de que o seu livro demoraria uma semana a chegar, pura e simplesmente desatou a rir. Ia rindo, enquanto tentava pedir desculpa por rir, se agarrava à barriga e limpava as lágrimas dos olhos. Toma lá, Zé Pedro Gomes, aposto que os teus espectadores não choram a rir.
Depois temos a nossa colega Feiticeira. Só para terem uma ideia, uma cliente chega junto dela com um livro e pergunta: “Está cá há muito tempo?” e a resposta dela é: “TOU CÁ DESDE AS 10 HORAS JÁ NÂO POSSO COM ISTO; ESTA CHOLDRA, SÓ MULHERES-A-DIAS E MERCEEIROS!”. A cliente assustou-se, e disse: “Eu só queria saber se este livro era recente ou não…”. E depois, a meio da tarde vê uma pessoa lá fora a olhar para ela. Olham uma para a outra. Anda para trás e para a frente ao mesmo tempo. Finalmente dirigem-se até à entrada da porta. Chegaram lá, ficaram a olhar mais um bocado. Encetam uma conversa, perguntam o nome uma da outra, locais de trabalho, locais de lazer. Nada, não encontram nada em comum, não havia uma coincidência. Desiludidas, parte cada uma para seu lado. Que conversa tão eloquente e interessante. Que momento bonito. Por momentos temi que fossem irmãs separadas à nascença ou coisa que o valha.
E depois são os Trovante, o Represas, o Rui Veloso e a Mafalda Veiga. Sempre que pode a Feiticeira mete estes artistas a tocar. No outro dia, à porta do hospital, presenciei uma conversa que considero bastante elucidativa:
- A música da Mafalda Veiga leva-me às lágrimas.
- É muito comovente não é?
- Não, faz me doer os ouvidos, é tramada… …
- Ah… Mas então diga-me, vizinha, porque é que veio ao hospital?
- Tenho tido um corrimento esverdeado…
- Ah… Pois.. É chato… Eu aqui tou, estas varizes… Sempre aproveito e ouço um bocadinho de Rui Veloso pelo caminho.
- RUI VELOSO? Comparado com o que tenho não é nada, os meus pêsames…
Não me levem a mal, os artistas que mencionei não são maus. Pronto, a Mafalda Veiga secalhar até é… Mas, mesmo assim, o que é demais enjoa.
Estava eu, descansado, a tratar de umas facturas no Back Office quando surge uma criança, com cerca de 6 anos, com os olhos completamente esbugalhados. A sua mãe andava aí a ver livros, despreocupada. A criança dirigiu-se a mim e perguntou-me “O que é estás a fazer?”. Eu expliquei-lhe que estava a trabalhar e que o meu patrão devia estar a chegar, e que o segurança não deixava ninguém entrar ali, por isso era melhor ele ir lá para fora ter com a sua mãe. Ele não me ligou nenhuma. Chegou-se ao pé de mim e agarrou o meu braço, deu me um pequeno abraço e disse, pegando no meu identificador: “É o teu nome?”. Respondi afirmativamente, e voltei a insistir na história do segurança. “AGARANÇA?”, respondeu ele, admirado. Eu tentei que ele saísse, e só quando ele desviou a atenção para uma colega minha é que saiu: Andou a correr pela loja, a sair da loja com livros na mão, a correr atrás do balcão, a mexer em tudo e mais alguma coisa. Volta pela terceira vez lá dentro, e pela terceira vez eu disse-lhe a mesma coisa. Ele deixou de sorrir, abriu ainda mais os olhos, recuou e disse: “CALA-TE! NÂO MANDAS EM MIM!” E ficou a olhar para mim. Eu ri-me e disse para ele ir brincar. Então saiu, foi falar com a minha colega e correr pelo balcão, sempre sorridente e feliz. Mas, cada vez que passava à porta do Back Office dizia: “CALA-TE! NÂO MANDAS EM MIM!” Depois voltava a sorrir e fugia. Chegou a falar com uma colega, todo sorridente, e, ainda estava ela a falar, ele volta-se para trás, lança-me um olhar mortífero e diz, entre dentes: “Cala-te… Não mandas em mim…”. Tive medo.
Na sexta passada tivemos a visita de uma brigada da Inspecção Geral do Trabalho. Eram três vingadoras, de crachá aberto, parecia uma entrada tipo NYPD. Só faltou terem dito Freeze! Fizeram umas perguntas e tal, eu admiti que conhecia o Fat Tony (Toni Gorducho, para os leigos) mas que não matei o Jimmy Weasel (o Jaime Doninha). Elas não perceberam do que eu estava a falar, e pediram-me para assinar um papel. O problema é que elas é que assinaram no local onde eu devia ter assinado. Não me restou solução senão assinar no local de Inspector. Isso é que daria um belo blog…