segunda-feira, dezembro 26, 2005

Crónicas de Natal 7 - O Pior Já Passou

Chegam assim ao fim as Crónicas de Natal, e não posso terminar sem dizer que este foi um Natal extremamente produtivo. E, como diz o título, o pior já passou. Quem aguentou esta última semana aguenta tudo. O próprio Rambo terá passado uma semana numa loja de um centro comercial português antes da sua deslocação para o Afeganistão, em Rambo 3. Como diz ele tão eloquentemente no seu filme, "errrr uuggghh ahhhh", que, traduzindo assim livremente, quer dizer: "Com a breca, isto no Afeganistão está mau, mas prefiro os Talibans a estar fechado 8 horas naquele centro comercial." Como eu concordo com ele, como eu concordo...
Claro que o dia 23 ainda teve assim uns acontecimentos Para-Anormais. Tivemos um cliente simpático que chegou ao balcão com uma pilha de livros e disse: "olhe, quero levar isto e quero 250€ em cheque-livro" (de vez em quando pedem-nos cheques FNAC, pelo menos não foi assim tão mau). Lá preencheram então os cheques-livro enquanto eu ia processando o resto da venda. Quando já estava tudo terminado, disse o valor total ao cliente, algo que rondava os 400€. E diz ele: "Não, desculpe, você não percebeu". E eu: "Ah, pois, é normal, sabe que eu tenho a quarta classe tirada à noite (e com cábulas) logo o meu nivel de compreensão é bastante baixo..." E continou: "Eu quero comprar os cheques-livro e depois comprar os livros com os cheques". "Ahh.." pensei eu... Esta é nova. O cliente compra cheques e depois usa os imediatametne em livros. Ena pá, o que as pessoas não arranjam para me dar trabalho. Que tal isto, não sei, é só uma ideia, mas pensem comigo: o cliente vem com o cartão multibanco e faz um transferência para nós de 1000€. Depois nós damos-lhe os 1000€ em numerário. E ele troca por cheques-livro. De 5€ cada. Depois, compra uns livros com os cheques. Que depois troca pelos livros que realmente quer. Isso sim, era divertimento.
Finalmente recebemos alguns audio-books. Esta chegada inesperada abriu ainda mais os horizontes do nosso caro colega Gulbenkian, que vê nos audio-books uma oportunidade de emprego. Já o estou a ver, com aquele seu timbre grave, qual Zeus da era moderna, a ler o clássico "O Verdadeiro Diário de Uma Noiva", da colecção Champanhe e Morangos" da Editorial Presença: "Estou completametne passada com o meu sonho erótico com o Rick. Depois de tocar congas no meu rabo nu, tocou em toda eu. Durante horas. E muito bem. " Seria épico. É só de mim ou "tocou em toda eu" não soa nada bem? Quer dizer, dito por ele deve soar bem, isso nem se pôe em causa, o homem é um verdadeiro tenor da leitura.
Mas encontrámos uns personagens memoráveis, não haja dúvida. O homem da camisola verde e relógio de ouro, sempre ao telefone, que berra do outro lado da loja, com a loja cheia: "QUALQUER COISA DE BOM TEM? QUALQUER COISA DE BOM?". Uma coisa ou outra, mas está reservada para a minha esposa. Claro que ninguém lhe respondeu, sabíamos lá se ele estava a falar para o telefone ou para nós no balcão. Então decidiu aproximar-se, e dirigiu-se à minha colega: "COMO É QUE SE CHAMA O ULTIMO LIVRO DO JOSE RODRIGUES DOS SANTOS?", berrou ele, como se estivesse na praça a vender tomate fresquinho. "Codex 632" disse a colega. "O QUE?" berrou ele. "Cortex 632" repetiu e "O QUE?" disse ele. A cada repetição ele ia chegando-se mais para a frente, estando já numa proximidade constrangedora. Finalmente lá ouviu, quando percebeu que se largasse o telefone enquanto fala com outras pessoas dá mais jeito. E é mais civilizado, mas isso ele não deve perceber.
E os clientes do descontinho? Eles andam sempre aí. Devido a pressões da concorrência tivemos alguns títulos com 20% de desconto. E há um cliente que sempre que vem cá, mesmo que compre livros de 4€, vem sempre perguntar: "quanto é que fica o meu desconto?". Todas as vezes que cá vem. Eu já sei que ele quer desconto, mas ele frisa aquilo todas as vezes. Então desta vez, lá chegou ele com um dos títulos com 20% de desconto e perguntou: "quanto é que fica com o meu descontinho?". E eu disse, em tom de brincadeira: "Com o seu desconto fica 17,11€. Com o desconto para todos os outros clientes fica em 15,21€. Qual prefere?" Ele ficou alguns segundos a pensar, não devia estar a perceber bem. Finalmente lá deve ter visto a luz e disse que prescindia do seu descontinho.
Pior do que isto é o cliente que, sempre mal humorado, chega ao balcão e ordena que lhe deêm 10% de desconto. E, ainda pior, uma das vezes que ele cá veio, tinha a minha colega na caixa, eu estava no computador do lado a trabalhar. E ela, cordialmente, deu-lhe os bons dias, apenas para o cliente dizer-me isto, da pior forma possível: "OLHE, DIGA Á SUA COLEGA PARA EMBRULHAR ISTO E EU TENHO 10% DE DESCONTO". Além de não ter respondido educadamente à saudação, ainda a ignorou por completo e disse-me para eu lhe dizer o que ela tem de fazer. Obviamente que não fiz nada, saí para guardar umas facturas. Tem problemas em falar com mulheres é? Deixam-no nervoso? Olhe que há cura para isso. E porquê tão mandão? A sua esposa não o deixa ficar com o comando é? Gozam consigo no balneário do ginásio porque o Zézinho é pequenino? Deixe lá, mais ano menos ano deixa de servir para alguma coisa. Secalhar já nem serve não é? E assim vem descarregar nos pobres trabalhadores do comércio livreiro.
E assim se passou mais um Natal, espero que tenha sido bom para toda a gente.
Até breve...

sábado, dezembro 24, 2005

Crónicas de Natal 6 - Milionários

O pior dia do ano já passou, e o resultado disso foi uma valente dor de cabeça. Mesmo assim, não podia deixar de vir aqui deixar umas notas para acabar este Natal em beleza.
Primeiro que tudo, devo dizer que já não posso aturar o Baixas e o Gulbenkian, se eles continuam com birras vou obrigá-los a dar "aquele" abraço como se fosse um árbitro de futebol e eles fossem o Paulinho Santos e o João Pinto (o João Pinto é o Gulbenkian, não só por ter jogado no Sporting mas devido aos pelos do peito).
Nestes dias tivemos a preciosa colaboração da Maria dos Embrulhos, futura Cientista da Educação. Perita em por livros mínusculos em embrulhos gigantes, lá estava ela sempre pronta a ajudar. Isto claro quando não estava colada ao colega Baixas. Aqueles dois... Ela dava-lhe tanta atenção e tantos mimos que o rapaz ficava fora de si. Ouvi dizer, e atenção, isto podem ser apenas rumores, que ele ficava tão maluco que se agarrava ao Gulbenkian, quando ela não estava lá, e dizia, enquanto alçava a perna: "Tou tão maluco, rega-me, rega-me, sou uma Acácia!". Felizmente nunca assisti a nada disso. A presença da Maria dos Embrulhos é sempre bem-vinda, volte sempre! (Mesmo que o Gulbenkian não saiba explicar-te nada da filosofia de Nietzsche, apesar de ser estudante de Filosofia...)
Quando eu e o Gulbenkian partilhamos o balcão tudo pode acontecer. Devemos ter algum efeito no campo magnético da terra ou qualquer coisa do género, porque acontecem sempre as coisas mais incríveis. No início de Dezembro, numa manhã aparentemente calma estava eu descansado no balcão enquanto o Gulbenkian arrumava a loja como se não houvesse amanhã. Lá estava ele, junto à informática a arrumar quando chega um senhor perto dele. Os dois encetam o que parece ser uma conversa normalíssima, até que o Gulbenkian desmancha-se a rir. E eu, lá do fundo no balcão a ver aquilo tudo e a pensar: "Hmmm.. Que é que se passa ali? Não me digas que o cliente pediu ajuda para comprar um livro de informática e ele indicou-lhe o Timbuktu (como faz com qualquer pessoa que peça seja que tipo de livro for)". Não liguei mais, mas a verdade é que continuavam a rir-se. Sem nada o fazer prever, o senhor dirige-se para o balcão, mas ao ver a quantidade de gente que por lá andava voltou para trás. Tentou duas aproximações, sempre sem sucesso, e eu sempre a vê-lo, tinha uma sensação que não vinha aí nada de bom. Quando finalmente consegue chegar até mim, diz o seguinte: "Já que o senhor é tão sabichão, foi o que o seu colega me disse, diga-me se tem o livro com os números do Totoloto que vão sair hoje à noite. Se não tiver todos, pelo menos uma parte...". A minha resposta surgiu imediatamente: "Peço desculpa, mas se tivéssemos esse livro ele seria para mim que eu bem preciso!". O senhor desatou-se a rir e apertou-me a mão: "Parabéns, você percebeu, era uma piada, é preciso é levar a vida na brincadeira, saúdinha! O seu colega não percebeu!". Então o cliente contou-me o que se tinha passado com o Gulbenkian. Ele tinha-lhe feito a mesma pergunta, e não é que o Gulbenkian ficou todo encavacado a tentar indicar sítios onde o livro pudesse estar. Só quando o homem o agarrou e disse: "É uma piada, PI-A-DA!" é que ele percebeu. Claro que depois mandou o cliente vir ter comigo para ver se eu caía. Não satisfeito por ter enganado 50% dos nossos funcionários, decidiu ir à FNAC tentar a sua sorte. Passado alguns minutos voltou todo contente porque todas as pessoas com quem tinha entrado em contacto na FNAC caíram na sua piada. Já devia saber que o pessoal aqui é (quase) todo mais inteligente do que na concorrência. E definitivamente com mais sentido de humor.
Há que adorar alguns dos pedidos deste Natal. Uma pessoa pensa que já ouviu tudo, mas não... Desde a senhora que queria um "Livro infantil daqueles que se abrem" até à senhora que queria um livro, mas a única indicação que me sabia dar era que "é um livro de papel" até ao senhor que quer o "Cortex 632", isto ouve-se de tudo. E, claro, depois de um reportagem na TV sobre o Mein Kampf, temos as pessoas a pedir a "biografia do Hitler", "a autobiografia do Hitler", "qualquer coisa dos relatórios médicos do Hitler", "qualquer coisa dos gostos pessoais do Hitler", e tudo porque viram uma "PUBLICIDADE" (?!) na televisão que dizia que comercializávamos o livro. Eu sugiro que deixemos de colocar avisos de segurança em alguns utensílios e deixemos a selecção natural agir naturalmente...
Um Bom Natal para os meus colegas que trabalham hoje (todos menos eu) e boa troca de prendas!

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Crónicas de Natal 5 - Imperceptível

Se há coisa que eu gosto é de vender dicionários às pessoas. Ena pá, o que eu gosto disso. Disso e de interromper as pessoas. Como acontece todos os anos, lá vão os pais mais zelosos às livriarias comprar os dicionários para os filhos. Claro que tudo começa a correr mal quando me perguntam qual é que é bom. Eu geralmente digo que o da Texto é que é o bom, porque o da Porto Editora além de ter tráido a esposa tem ligações com a Máfia de Leste na Brandoa. É sempre bom prevenir. Obviamente que é complicado dizer qual é o melhor dicionário. Não sou, nem de perto nem de longe, um entendido em Dicionários. Mas olhem que há muitos clientes entendidos. Pedem me um dicionário, e a minha resposta é mais pelos tamanhos, tipo: "Ah, olhe este aqui tao jeitosinho" ou então "olhe que isto é um GRANDE dicionário". Mas os clientes querem ver, querem comparar. Então, como entendidos que são, pegam nos dicionários, fazem um ar altamente arrogante e passam as páginas rapidamente para trás e para a frente, equanto dizem que sim. Depois pegam no outro e fazem o mesmo, terminando depois com um "sim, realmente este parece-me melhor, levo este...". Alguém me explica que raio é que o cliente viu para o ajudar a decidir? Passou as folhas rapidamente, não leu nem uma palavra. Imagino que pensava para si enquanto punha o seu melhor ar de entendido e folheava o dicionário durante uns longos 3 segundos: "Sim.. Este tem letras... Umas pequenas e outras grandes, algumas Bold e Itálico, sim, parece-me que é este, que belo dicionário, vou fazer amor com ele quando chegar a casa". Depois pega no outro: "Oh... Este é tão igual ao outro que eu perco a cabeça. Letras, mais letras, sim é este." E lá vai todo contente. Outros usam o método de ver se tem uma palavra. Arranjam assim uma palavra estranha tipo "Undífero" e vão ver se o dicionário tem. Se tiver, é aquele. Se me perguntarem que palavra é que hão de procurar para ver se o dicionário é bom, eu serei obrigado a dizer "Néscio".
Quer me parecer que o Natal afecta os sentidos de algumas pessoas. Senão, vejamos: uma cliente, depois de lhe indicar o livro que desejava, pegou nele, e, em vez de o folhear e tal, cheirou-o. Mas assim uma snifadela daquelas que deixaria a Kate Moss orgulhosa. Não sei como é que não teve uma overdose de pó. Quem é que cheira um livro? Nem vou por aí.
Depois temos aqueles clientes que veêm mal, que não encontram o preço nos livros e que passam a vida a derrubar torres de livros. Até já me habituei ao barulho. Mas há quem se assute, por isso, recomendo que, caro cliente, se vir que vai derrubar uma torre de livros grite: "Madeira!"
E claro, temos as clientes com problemas de audição. Uma senhora pergunta-me se temos dois livros em inglês. E eu respondo EXACTAMENTE isto: "Bom, sabe que a nossa secção de livros estrangeiros é bastante pequena, por isso só recebemos alguns livros, uma ou outra novidade e só de algumas editoras, por isso não temos o que procura. Se for a uma das nossas maiores livrarias encontra uma maior e mais variada selecção de livros em língua estrangeira." Enquanto eu dava o meu discurso triunfal a senhora ia abanando a cabeça, parecia estar a concordar comigo e eu todo contente com o meu brio profissional. Quando termino a resposta foi esta, por entre o mascar da pastilha: "OLHE DESCULPE MAS EU NÃO PERCEBI NADA DO QUE DISSE PORTANTO SUPONHO QUE QUISESSE DIZER QUE NÃO! ADEUS!" Furiosa, abandonou a loja intempestivamente. "MARCO PAULO!" disse eu (que é o que digo quando fico chateado ou me aleijo) "Que senhora rude!" e lá continuei o meu trabalho.
Bom Natal para todos com problemas de visão, audição e olfacto. Hm, não sei se quero enfrentar alguém com problemas de paladar...

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Crónicas de Natal 4 - Mania da Perseguição

No Natal vale tudo para vender. Promoções vertiginosas, sessões de autógrafos, descontos especiais. E tem resultado bem, pelo número de vendas que temos tido. Por ocasião de uma destas sessões de autógrafos (com o grande José Rodrigues dos Santos. Zézito, se me estás a ler, um grande bem haja) a editora forneceu um expositor de cartão com a fotografia do autor do livro “Codex 632” (que tem vendido como se o próprio livro contivesse o segredo da vida eterna. Ou isso, ou o segredo de como conquistar a Isabel Figueiras. O que vos parecer mais importante.) que foi colocado junto à porta, para promover o livro bem como a respectiva sessão de autógrafos. E isso tem dado azo a situações curiosas.
Primeiro temos aquelas clientes que entram na loja e berram “Ai!” de susto. “Parece verdadeiro!” exclamam assustadas. É essa reacção que vão ter quando o encontrarem em pessoa? Não quero ser chato, mas se encontrarem o José Rodrigues dos Santos não gritem “Ai!” de susto. Parece-me mal. Depois temos aquelas clientes que passam à montra, que se assustam, vão ver se é real, e chamam os maridos para verem como parece verdadeiro e, inclusive, “é mais bonito em pessoa”. Ou em cartão. Depois, temos aquelas clientes que dizem que o cartão está, e passo a citar, “a olhar para mim” e chama os maridos para verem como o cartão as segue com os olhos. Ao que os maridos, plácidos como habitualmente, afirmam: “Sim, realmente isto está bem conseguido…Ele segue-te mesmo… E logo a ti que és bonita”.
Torna-se incomodativo estar no balcão a tentar trabalhar e estar alguém constantemente a berrar de susto devido ao cartão. No outro dia cheguei mesmo a dizer ao meu colega: “Gulbenkian, vai dizer ao Zézito para parar de assustar as pessoas, se faz favor.”. Ele não foi porque diz que eu estou sempre a interrompê-lo.
Por falar em colegas, encontrei uma vidente que me jurou a pés meio juntos (tinhas as pernas tortas, não dava para mais...) que viu na sua bola de cristal o Baixas a trabalhar, por entre umas névoas. Uma charlatã, portanto.
Num destes dias que passou testemunhei um encontro mítico em frente ao balcão. Uma senhora com uma idade respeitável e um senhor também já com a sua idade encontraram-se no balcão, indo cada um pagar à sua caixa. Depois de duas ou três trocas envergonhadas de olhares, eis que a senhora toma a iniciativa: "Ahhhh.. Olá! Como está!?" ao que o senhor, espantado, respondeu: "Muito bem obrigado minha senhora, e a senhora, como tem passado?" Bem e tal, respondeu ela, e eu pensei que aquilo não passava dali, porque virou-se cada um para o seu lado. Mas eis que a senhora volta à carga: "Você é o José Antunes não é?" perguntou decidida, e a resposta surgiu prontamente: "Não, o José Antunes é o meu pai, eu sou o António Antunes.". Segue-se um pequeno e incómodo silêncio, e a senhora volta a perguntar: "Ah, então é o irmão do Miguel Antunes!" e o senhor retorquiu: "Não, isso é o meu tio!", segundo-se novamente o silêncio. A senhora, qual Petit das conversas de circunstância, não desistiu: "Ah, então foi o caro António que teve na tropa com o meu mais novo. Não foi?", "Não, isso foi o meu primo, o Manuel Antunes!" retorquiu o senhor. E eu lá atrás do balcão bastante interessado, não há nada melhor que telenovelas em tempo real, a TVI é que nunca se lembrou disto. Pensei em gritar: "O Zé Milho é filho do tio do professor de ginástica que traiu a mãe com a prima da mulher da limpeza!" mas pensei que talvez já tivesse a passar das marcas. Remeti-me ao meu habitual silêncio e deixei que aquilo se desenrolasse naturalmente. Passada a conversa das identidades, mesmo sem ter a certeza com quem tava a falar, a senhora continuou com as perguntas: "Então, diga-me lá, como é que vai a sua irmã Adelaide?". "Faleceu..." respondeu o senhor, seguindo-se o já habitual silêncio. "Ah... Pois, que pena... E a sua prima como vai?" insistiu a senhora, sendo brindada com a já esperada resposta: "Também faleceu...". Bom, depois de mais uma ou duas personalidades já falecidas, a senhora parecia não desistir, estava à espera de vê-la perguntar, sei lá, pelo Bocage, ou mesmo pelo D. Dinis. Eventualmente desistiu e partiram os dois, com um sincero desejo de Bom Natal, felizes da vida. Não me divertia tanto desde que a SIC passou em directo o circo para os funcionários do Benfica, em que o apresentador desafiou as crianças: "Agora gritem bem alto o que querem ver!" e as crianças gritaram em uníssono: "PALHAÇOS! PALHAÇOS! PALHAÇOS!" e o João Pereira levantou-se e acenou.
Boas compras (ha 95% de hipóteses de quem estiver a ler isto ainda não ter completado as compras de natal) e até à próxima!

terça-feira, dezembro 20, 2005

Crónicas de Natal 3 - Lá Fazem Me Tudo!

As vendas vão aumentando. Quase tanto com as várias tarefas do nosso colega Gulbenkian (artista anteriormente conhecido por “Greenpeace”, devido à sua boa vontade e à sua camisola verde-alface), que é, (pasme-se!), músico, livreiro, estudante de filosofia, escritor, trabalhador voluntário e membro de uma fundação, e ainda ditador que tentará dominar o mundo com o seu riso maléfico. Não é brincadeira. E este aumento de vendas é acompanhado por um aumento ainda maior do numero de pessoas na loja ao mesmo tempo. Torna-se praticamente impossível ir de uma ponta à outra da loja sem ser-se interpelado algumas dezenas de vezes. Vou eu à procura de um livro de culinária e ouço: “Queria a Sombra do Vento”, “Queria livros infantis”, “Queria livros de bebes”, “Acho que este gajo trabalha aqui, Oh Faz Favor!”, e por aí fora, até chegar ao meu destino.
Ainda ontem, estava eu a tentar ajudar uma colega com um cliente particularmente difícil (idosa e exigente, aparentemente da alta sociedade) e não conseguia sair da secção do esoterismo. Sempre que me tentava virar surgia alguém (posso jurar que era do nada, mas prefiro não entrar por aí) a perguntar-me sobre livros esotéricos. E, quando finalmente consigo libertar-me daquela secção, passo por trás da senhora que estava a ser atendida pela minha colega, que dizia em voz baixa, para si mesma: “Não tem as Encíclicas, não tem os Papas… (longa pausa) Que Merda! (bastante enraivecida) ”. Até me arrepiei.
Isto das senhoras idosas tem que se lhe diga. Temos uma cliente idosa (mais ou menos habitual, passa a vida a dizer que vai deixar de vir cá, mas acaba sempre por voltar) que é da mais alta sociedade, mas que tem uma educação e uma disposição terrível. Sempre mal encarada, sempre à espera que acedam a todos os seus caprichos. É tipo um Liedson, mas mulher e idosa. O peso mantém-se. Quer aquele livro porque sim, porque quer aqui e quer agora e quer com desconto senão nunca mais volta. Até à próxima vez. Da última vez que cá veio comprou bastantes livros, e obviamente “não sou eu que carrego isto tudo”. Queria que lhe carregássemos os livros para o carro. Sugerimos à senhora que fosse buscar um carrinho de compras para melhor transportar os livros. Ela concordou, e lá saiu, contrariada, para buscar um carro. Demorou 4 horas. Quando chegou, já só estava um colega nosso na loja. E era o nosso amigo Gulbenkian. Olha quem. Queria que ele fosse com ela levar os livros para o carro. Obviamente que ele não podia abandonar o seu posto. É um soldado bravo, um lobo-do-mar, aquela barba não engana. E a senhora ficou furiosa. Gritou. Barafustou. Disse que não voltava mais, e que, inclusive ,“LÁ EM BAIXO FAZEM ME TUDO!”. Portanto, segundo a senhora, na nossa loja lá de baixo fazem lhe tudo. Bom, nós vendemos livros. É essa a nossa função. O que é que poderão eles fazer lá em baixo?
Não pensei mais no assunto, até surgir um senhora idosa, bastante simpática por sinal, que queria o D. Quixote. E foi o D. Quixote que levou, depois de ter passado quase meia hora a queixar do atendimento lá de baixo. Com a minha quase infindável paciência lá fui ajudando a senhora, enquanto ela continuava a queixar-se. Lá saiu da loja, feliz da vida. Tudo para voltar cinco minutos depois furiosa, porque o livro era 4€ mais barato na FNAC. Gritou. Barafustou. Disse: "VOU QUEIXAR-ME AO DECO! É UM ROUBO! 4€! 4€ MAIS BARATO. É UM ROUBO! VOU FAZER UMA QUEIXA E NUNCA MAIS VOLTO! E SÓ VOU LÀ ABAIXO POR LÁ FAZEM ME TUDO!". Lá está. Lá em baixo fazem-lhe tudo. Mas tudo o quê? Haverá algum caso de gerontofilia lá em baixo? Alguém mande lá o José Maria Martins e levem uma camara para o caso de ele ser expulso ao pontapé.
Até à próxima. E eu só tou aqui para vender livros. Fica o aviso.

domingo, dezembro 18, 2005

Crónicas de Natal 2 - Um Natal Lavadinho...

Um dos êxitos deste Natal é sem dúvida o livro "Na Roça Com os Tachos". Pelos vistos, as invenções de João Carlos Silva estão a fazer sucesso. Claro que ninguém acerta com o nome do livro. "Qualquer dos tachos", "Qualquer coisa da roça", "Livro daquele senhor da televisão" (acho esta indicação particularmente útil), tudo serve para designar o livro. Mas, claro, ninguém passa o senhor que chega perto da porta e diz para a sua esposa, que se encontra lá fora: "Vou comprar o livro daquele que cozinha na selva, como é que se chama o cabrão?" Elucidativo.
Por falar em esposa, o Natal é sempre uma altura em que a família está sempre unida. Como aquela família que passeava calmamente no Domingo de manhã, com o pai uns 3 metros à frente da mãe com 3 filhos, que ia gritando: "Tás com pressa? Vais ter com a tua outra esposa é? Com a tua outra família? Vai. Vai!". Adoro o Natal.
Natal que é Natal tem que ter no sapatinho um livro da Alexandra Solnado. Já estou a imaginar as crianças desiludidas quando desembrulham a sua nova XBOX360 (eu também ficaria, mas porque prefiro a Gamecube) pensando que iriam encontrar o livrinho da "Cabrita" (termo que Jesus emprega quando se refere a ela). Essa nova obra de culto tem o sugestivo título de "A Minha Limpeza Espiritual". Limpezas para a alma, para os males de que padece o Homem, este livro tem tudo. Começa com um diálogo entre a autora e Jesus, na qual ela põe as suas dúvidas e Jesus lhe responde. Sempre pronto e afável, Jesus encontra respostas convincentes para tudo. Ou quase tudo, pois continua sem conseguir explicar porque é que Koeman continua a colocar jogadores lesionados em campo. Quando confrontado com esta pergunta, Jesus chorou. O livro vem acompanhado de um CD audio, na qual se encontram exercícios de limpeza espiritual. A minha questão é simples: Quem faz a voz de Jesus? É, sem dúvida, uma questão pertinente. Numa das últimas páginas encontramos vário contactos da autora, especialmente se quiserem participar num curso chamado: "Como Se Conectar Com o Céu Sem Deixar de Andar Por Aqui". Claro que dá para contactar com o céu, se morrermos, e há variadas maneiras para tal, mas aí é que está o truque. Na última página encontramos instruções detalhadas para procedermos às limpezas. Convém ler o texto antes de ouvir o CD. E, o mais importante: "Não faca estes exercícios depois das 22 horas nem antes do amanhecer". Compreende-se perfeitamente, até Jesus tem de descansar. É uma questão de cortesia, não perturbar o Senhor durante o sono. Depois termina referindo que estes exercícios destinam-se a pessoas com um grau de densidade normal (seja lá o que isso for) e, que caso se sintam mal ao executar um exercício, que contactem a autora. Já estou a imaginar o e-mail: "Querida Alexandra Solnado, sendo um fã incondicional de Jesus (tenho todas as action figures e as t-shirts, e até o crucifixo comemorativo de edição limitada) tentei os seus exercícios e penso que algo não terá corrido bem. Desde que tentei os exercícios tenho sentido uma vontande incontrolável de defecar em sítios públicos (posso confirmar que a estátuta do Camões em Cascais me está a fazer olhinhos. Quer dizer, pelo menos um, mas você percebe) e começaram a tratar-me por Maria José na mercearia, quando antigamente era o Sôr Tavares. Terei feito algo de errado? PS: Já agora, sabe se o Sôr Paulo Bento por acaso não terá também feito uns exercícios errados? É que aquele Tello a lateral esquerdo valha nos Deus!"
Se não morrer soterrado por uma avalanche de livros (que está iminente no nosso back office, que já tem livros por cima do tecto falso) voltarei com mais crónicas. Até lá, boas compras.

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Crónicas de Natal 1 - Equívocos

Depois de um longo hiato (quase tão longo como as paragens dos vários lesionados do Benfica, mas também não exageremos…) volto para vos dar algumas novidades. Há mais movimento que nunca, apesar de nós termos menos funcionários que nunca. Existe uma personagem que trabalha (?) connosco, que é conhecido carinhosamente como “O Baixas” devido às suas baixas prolongadas. Portanto, “O Baixas” (vamos tratá-lo assim para proteger a sua verdadeira identidade) anda há alguns meses doente e já teve sintomas de todas e quaisquer doenças que se possa imaginar. Apesar de ser homem, ele quase que jura que lhe dói o útero. É verídico. Sempre acompanhado da sua bomba para a garganta, de um termómetro, um medidor de tensão e um estetoscópio, lá anda ele todo miserável pela casa, à espera do dia em que tem de voltar a trabalhar, ou melhor, voltar ao local de trabalho. E depois ainda se queixa porque é violentamente derrotado no PES5 online para PS2 pelo vosso caro Livreiro. Já o nosso amigo Greenpeace andou pela Europa no Interrail. Finalmente. Trouxe várias fotos interessantes, especialmente uma que é ele a afagar um cão. O animal ficou bastante bem na foto, e o cão também não ficou mal. Agora anda metido numa nova fundação, ele não descansa enquanto não for fazer voluntariado.
Por falar em voluntariado, uma cliente nossa mostrou-se deveras interessada em adquirir um exemplar do livro de Fernando Nobre, da AMI. Ela atravessou a loja, decidida, chegou ao pé de mim e perguntou: “Oh faz favor, tem aquele livro do Fernando Nobre? Não sei o título.” Eu disse à cliente que o título era “Viagens Contra a Indiferença”, ao que a cliente retorquiu: “Não sei se é esse, eu quero aquele com os apontamentos que ele tirou quando ia de férias”. Minha senhora, devo dizer que a sua acepção de férias é curiosa. Portanto, algo que envolva dirigir-se a locais remotos, palcos de catástrofes, repletos de perigos e doenças, para ajudar os mais desfavorecidos são férias. Claro. Imagino o Fernando Nobre: “Querido diário: Bom, depois de virmos da praia (o Zézito voltou a portar-se mal, quando via alguns nativos de costas para o mar gritava “Tsunami!” e fugia) comemos uma sardinhada, agora vamos amputar aquele miúdo que perdeu a perna numa mina. Ah, não me posso esquecer de dizer ao Toni que a pneumonia atípica passa com uns cházinhos. Que belas férias”.
Voltando ao nosso amigo Greenpeace, esse bastião da literatura nacional, trabalha mais que nunca. Num dos dias que passou, estávamos a arrumar alguns dos milhares de livros que temos no back Office e ao tirar umas caixas dei de caras com um manual de medicina sobre saúde da mulher, cuja capa era, nada mais, nada menos, do que uma imagem de uma operação a um cancro da mama. Era uma imagem perturbadora. E eu, na pândega como sempre, mostrei-lhe a capa para o assustar. E qual é a reacção do homem? “Eh eh… Mamilos….”. Ora, o homem está com uma imagem de uma operação ao cancro da mama e o que é que ele diz? “Mamilos”. Muito bom. Fica assim provado que o homem, à mínima visão (ou possível visão) de alguma parte íntima feminina, desce um ou dois degraus na escala evolucionária. Consta que da última vez que o Greenpeace viu um livro com todos os calendários Pirelli, tentou esfregar duas pedras uma contra a outra na tentativa de produzir fogo.
Continuam os pedidos estranhos. Uma senhora, acompanhada do seu marido, queria oferecer a um amigo o livro “Homem Que Mordeu o Cão (Versão Gato Fedorento)”. Não faço ideia do que é isso, mas deve ser muito bom.
Já este fim-de-semana, era suposto ter havido uma acção promocional na loja, algo que suscitou algumas confusões. Estava eu num momento de reflexão quando surge um senhor com um aspecto, vá lá, digamos duvidoso, que diz apenas a seguinte enigmática frase: “Eu é que sou o Pai Natal”. Depois de alguns segundos de estupefacção, primeiro pensei em dizer que queria um Driving Force Pro se faz favor, e que me tinha portado bem, depois pensei em dizer “e eu sou o Duende trabalhador” na esperança que fosse algum código tipo agente secreto e ele me entregasse uma mala cheia de dinheiro. Mas não, pedi apenas que repetisse. O que ele fez: “Eu sou o Pai Natal, daquela acção promocional daquela editora.” Ah, exclamei, muito bem. O senhor que me desculpe a confusão, mas acho que toda a gente entende, afinal de contas, sempre imaginei o Pai Natal vestido de encarnado (ao invés do preto), longas barbas brancas (ao contrário daquele bigodaço à marialva e aquela barba por faver) e que trouxesse um saco vermelho de brinquedos (e não aqueles sacos pretos que pareciam sacos do lixo com roupa do Pai Natal). Para terminar, devo dizer que não se realizou nenhuma acção promocional, devido a um equívoco nas datas, mas que de qualquer modo não deixiria que nenhuma criança se sentasse no seu colo.
Bom Natal, e até breve!