sexta-feira, dezembro 15, 2006

Conselhos

O Natal já está mesmo à porta e é a loucura total. O Gulbenkian está apaixonado e anda todo simpático para toda a gente. O Santo anda todo mal disposto (dizem que por ciúmes) o que traz um certo equilíbrio à loja.
Neste mês a presença no balcão é uma constante devido ao aumento das vendas, o que faz com que a probabilidade de encontrar algo de estranho também aumente. Vejam o caso de um senhor, talvez com 75 anos, de panamá azul, cachecol cinzento, bem vestido. Chega ao balcão e lê o meu identificador, primeiro o nome, depois o nome e apelido. Boa, pensei eu, sabes ler. “Diga-me lá se tem aí uns calendários!”. E eu apontei-lhe os calendários de parede o que obviamente não lhe agradou: “Não jovem, eu quero daqueles que se dobram e ficam tipo pirâmide na mesa!”. Eu expliquei que não tínhamos, que tentasse a Papelaria Fernandes. E quando pensava que a conversa tinha ficado por ali, ele encosta-se ao balcão e aproxima-se de mim e diz, em voz baixa: “Oh jovem, então e gajas boas? Assim boas, gajas nuas, tem?”. E eu às vezes cometo a falácia de dizer que já vi tudo, que nada me surpreende. Eu não respondi e ele continuou: “Assim calendários de gajas boas, mostre-me lá onde tem isso escondido!”. Eu expliquei que todos os calendários que tínhamos estavam expostos e fui lá mostrá-los. Ele começou a ver o calendário enquanto dizia: “Aqui não há gajas, quem compra isto é só bichas, só bichas!”. E depois foi-se embora.
Há clientes, repito mais uma vez, que não têm noção do ridículo a que se prestam em público. Veja-se o caso do senhor que maltrata constantemente a sua esposa, sempre que esta lhe propõe um livro para oferecer. Quando ela lhe propõe o livro sobre D. Sebastião ele explode e diz: “ACHAS MESMO MULHER?! ESSE GAJO! ESSE GAJO ESPANHOL É FACCIOSO E DIZ QUE OS ESPANHÓIS É QUE SÃO BONS E QUE ELES SAIRAM DE PORTUGAL PORQUE QUISERAM E QUE OS PORTUGUESES SÃO TODOS DOIDOS!”. Olhando para ele concordo na parte dos portugueses doidos.
E depois temos clientes que têm ideias que pensam que iam ajudar ao melhor funcionamento da loja. Uma senhora sugeriu que, já que distribuímos um catálogo de Natal, os livros do catálogo deviam estar numerados e assim os clientes, para poupar o trabalho de dizer um nome composto por umas ou duas palavras, apenas diziam o número. Tipo restaurante chinês. Isso facilmente daria azo a uma pessoa pedir o número do Saramago e receber um Pato com Ananás.
Um conselho: se não sabem, não inventem. Não finjam que sabem. Dá mau aspecto. Um cliente queria livros de ficção científica. Primeiro disse-me que não gostava muito de FC porque achava aquilo complicado para ler. Estranho, mas não comentei. Então lá lhe indiquei a secção da FC e ele lá ficou a ver os livros. Quando volta, traz o livro “O Carteiro De Pablo Neruda”, de António Skarmeta. Pousa o livro no balcão e diz: “Eu já li este livro e gostei muito. Não sabia era que era de ficção científica!”. Eu expliquei que o livro estava lá ao pé, em baixo, porque alguém o deixou lá. E que não era FC. Tudo bem que alguém que não conhecesse podia ver lá o livro e até pensar (apesar do título, sinopse e capa nada indicarem) que podia tratar-se de FC. Obviamente que ele não leu o livro, senão nunca diria que não sabia que era FC. Se bem que a ideia é interessante, imagino um carteiro inter galáctico, numa super nave a destruir alienígenas enquanto levava os poemas de Neruda. Ou melhor, destruía os alienígenas enquanto declamava Neruda.
Depois temos os problemas com o cartão de cliente cujo supra-sumo é a senhora que não se lembra do cartão, não se lembra se perdeu o cartão (o que é uma noção gira para debater, o não se lembrar se perdeu) e melhor não se lembra que nome deixou no cartão (geralmente é o primeiro e último, mas isso são as pessoas normais). Então pediu um cartão novo. O meu conselho: esqueça o cartão novo e vá ao médico, porque essa memória já teve certamente melhores dias.
E há clientes que teimam em inovar. “Bom dia, tem biologias de atletas famosos?” O que há a dizer numa situação destas? Temos ali a perna do Lance Armstrong, o pulso do Valentino Rossi e o pé do Liedson (gostávamos de ter a espinha, mas consta que ele não a tem...). Último conselho: tentem pelo menos acertar no que pedem. Biologias, biografias, não é bem a mesma coisa.