quarta-feira, junho 11, 2008

Antes de Partir

Pensei que tinha fechado o estabelecimento de vez. Até o disse, em voz alta, na livraria, quando escrevi o meu último post: “Agora é de vez!”. Claro que o cliente que andava a passear ficou a contemplar-me com um ar desconfiado, mas a isso já eu estou habituado.
São dois os motivos que me trazem novamente a este sítio. A saber:
- O primeiro motivo prende-se com o facto de haver cada vez mais colegas de profissão a lerem. E pensar que eu comecei a escrever isto para os meus quatro colegas. Quase 25000 visitas depois, aqui estou eu. Mas, colegas: comentem. Mandem mails, partilhem as vossas experiências e eu até as colocarei aqui, se assim o desejarem. Era uma honra para mim. E para vocês. Mas, comuniquem. Reclamem, por exemplo, se, sei lá, vou dar assim uma ideia completamente aleatória, receberem mal ou não forem aumentados, se estão descontentes com alguma coisa, seja o que for. Venham de lá esses textos.
- O segundo motivo prende-se com a (brilhante) edição do livro “O Livreiro”, para breve. Os textos serão trabalhados e deste blog nascerá um livro. Penso que uma edição pura e dura não faria muito sentido. Irei aglutinar temas recorrentes, eliminar certas e determinadas referências de cariz pessoal que têm pouco interesse e assim nascerá a edição definitiva d’O Livreiro. Portanto, vós que estais interessados (porque eu sei que estão), digam qualquer coisa ali para o mail.
E de momento é tudo.
Cumprimentos para todos os colegas. Vocês estão aqui. (Sei que não estão a ver mas finjam que eu estou a bater no coração).

sexta-feira, abril 11, 2008

Fonéticamente Perfeito

Existe alguma dificuldade nas pessoas em perceberem porque diabo não vendemos livros escolares. Claro que nós, cidadãos do Mundo, apesar de haver uma outra indicação em contrário, tentamos auxiliar estes pais desesperados na obtenção do que eles tanto desejam. Num pacato Domingo de manhã estava a explicar a uma senhora onde poderia obter os seus livros na zona de Cascais, onde ela era residente. Ela estava contente com a explicação, porque a livraria em causa era relativamente perto da sua casa. Até que um senhor que andava a deambular à volta do balcão decidiu intervir:
- Peço desculpa, eu peço desculpa de interromper, mas eu tenho uma livraria...
Nisto tira o papel da mão da senhora e começa a coçar a cabeça.
- Você já não encontra isto.
A senhora ficou naturalmente preocupada.
- Não encontra, e eu vou lhe dizer como é que vai fazer para comprar isto: ora bem, - O homem começa a fazer uns gestos circulares, quase acertando nos clientes que iam passando e falava cada vez mais alto. - Você apanha a auto estrada, vai até à loja da Porto Editora em Lisboa. Lá compra o primeiro livro. Depois volta para Cascais, apanha o IC19 ali em Sintra e vai à loja da Texto no Cacém, depois volta pelo IC19 para Cascais. É garantido.
- Eu prefiro ir a Cascais... É mais rápido. – A cliente começava a ficar assutada
- Não, não faça isso! Vai para Lisboa, depois volta, vai ao Cacém e volta, e fica logo tratada! Acredite em mim!
O senhor lá foi embora perante o olhar espantado da senhora, que não evitou comentar comigo o facto de estar assustada e perplexa com o itinerário que o senhor lhe tinha traçado. E claro que disse que ia seguir o meu conselho e ir a Cascais. Quem sabe, sabe, e o Livreiro é que sabe.
Outro momento interessante foi protagonizado por uma senhora brasileira que julga se movimentar pela alta sociedade e possuir uma classe inigualável. Primeiro ficou chocadíssima porque não tínhamos a biografia do Eric Clapton (ou Eriki Clapiton), quando já a tinha visto à venda no Brasil. “Tem no Brasil e aqui não!”, disse, chocada. Pois, filha, pensei eu. Com o Dengue já são duas coisas que vocês têm e nós não, é uma maçada. Depois pediu a biografia da, e passo a citar, Rrrraudrey Rrrepburrn, ou Audrey Hepburn para os leigos. Pensei, por momentos, que a senhora ia cuspir um pulmão, tal a dificuldade em pronunciar Audrey Hepburn.
Um dos nossos clientes habituais durante os dias da semana é um senhor cujo discurso se torna cada vez mais imperceptível à medida que vai falando. Ele começa as frases perfeitamente, mas tem um tique que faz interrompê-las com sons do tipo “ahn”, “ohn” e “hum”. O nosso colega Mestre Pitágoras, que entretanto abandonou o barco (e aproveito aqui para desejar toda a sorte do mundo para ele), tentou atendê-lo, e o resultado foi o excelente. O cliente aproximou-se do balcão e fez a seguinte pergunta enigmática: “Bom dia, tem o livro do... OHN?”. O Mestre hesitou e pediu para repetir. O cliente disse: “Aquele livro... HUM?”. Ele ficou sem perceber e o cliente afastou-se e foi ver uns livros. Passado um ou dois minutos voltou. “Tem aquele livro... Aquele foi escrito pelo... HUM?” E o Mestre ficou sem perceber novamente, tendo ido o cliente embora frustradissimo.
Pois bem, esta semana ele voltou e mais uma vez a conversa começou bem, com um discurso claro e perceptivel: “AHN HUN OHN?” Soltou ele quando chegou ao balcão. Bom dia, respodi eu. É que entretanto arranjei um dicionário. “Tenho aqui um cheque do HUM.” Tudo bem, pensei eu.. Até que um cliente, obviamente desconhecendo o fosso onde se ia meter, chamou a atenção desse cliente para um cheque que pendia perigosamente do seu bolso. A conversa, meus amigos, foi épica:
- Olhe, peço desculpa de me intrometer, mas o senhor têm aí um cheque a cair.
- AHN?
- Têm aí um cheque a cair do bolso.
- Ah, muito obrigado.
- Não lhe quis pegar no cheque, ainda aparecia aí o C.S.I e me tirava as impressões digitais.
- HUM? Que é isso?
- Crime Scene Investigation, não conhece?
- Não.
- É um program de televisão.
- SOU UM INTELECTUAL, POR AMOR DE DEUS, NÃO PERCO TEMPO COM ESSAS COISAS AHN? HUM?- Bom, não concordo consigo nesse aspecto, acho que nada tem a ver com intelectualidade, mas pronto.
O senhor do “hum” afastou-se por uns segundos enquanto o outro cliente me fazia umas perguntas sobre livros. Nisto, surge de repente um livro a escassos centimetros da cara do cliente, fazendo o recuar uns passos, assustado.
- Está a ver este livro? – Pergunta o senhor do “hum”.
- Sim... – O outro cliente estava cada vez mais desconfiado.
- Foi o meu patrão que mo recomendou à muitos anos. O meu patrão foi Prémio Nobel do OHN? – Fantástico, pensei eu. O patrão dele foi Prémio Nobel do OHN, seja lá o que isso for. – Uma maravilha. – Finalizou.
Depois saiu da loja, tendo pedido entretanto para nós guardarmos o livro dele, enquanto ia dar uma volta. Logicamente, quando voltou, perguntou o seguinte.
- Tem aí guardado o meu OHN?
E assim anda a Livraria, estranha como sempre.