domingo, março 26, 2006

Estou Aqui Para Ajudar

Que melhor razão haverá para fazer um novo post do que um novo livro da nossa amiga Alexandra Solnado? Poucas, meus amigos, poucas. Desta vez, depois da brilhante Limpeza Espiritual temos a Alma Iluminada. E não se pense que é iluminada por um qualquer candeeiro do Ikea do mundo espiritual. Não. É mesmo por Jesus, a luz maior do universo. Neste novo livro, a autora relata mais uma vez as conversas que vai mantendo com Jesus. Por exemplo, no dia 22 de Maio de 2005, ela vinha no avião a caminho de Lisboa quando foi contactada por Jesus, que lhe transmitiu mensagens de amor. Eu, sinceramente, se fosse contactado por Jesus a bordo de um avião começava logo a pensar o pior: “Daqui Jesus, over. É só para avisar que o avião vai cair. Vemo-nos daqui a uns instantes, over.” Alexandra Solnado, sempre actual, debate o tema das crianças Índigo. Numa das suas viagens à nave (?) de Jesus, ela diz que ficou assustada com os seres pequeninos que lá se encontravam, porque, segundo ela: “Foi aí que morri de medo. Pensei que fossem extraterrestres. Eu morro de medo de extraterrestres.” Se eu fosse com Jesus a qualquer sítio do Universo, não teria medo de nada. “Ah e tal, sou mau e mais não sei quê, sou extraterrestre e tenho uma sonda…” E eu diria: “Ah sim? Este é Jesus, o todo Poderoso. Anda sobre a água e tudo, mostra-lhes J!” Não tinha medo de nada. Os seres pequeninos não eram extraterrestres. Eram crianças a ser treinadas para virem para a terra e começarem uma nova era. É parecido.
No dia 27 de Setembro de 2005, pelas 17 horas, a autora ouviu uma voz. Assolada por dúvidas, conta o que fez:”Pedi a Jesus para me dar um sinal de que era Ele que estava a falar comigo, esperei um pouco e, de repente, caíram folhas cristalinas dentro do meu ouvido.” É normal que a autora queira confirmar a identidade de quem a contacta. Não seria a primeira vez que, pensando estar a falar com Jesus, estava na realidade a falar com Tozé, mecânico da Brandoa que viveu entre 1918 e o ano 1999. Obviamente que Tozé não lhe serve de muito no que toca a questões metafísicas, mas dá mesmo muito jeito quando ela fura um pneu. Acontece por vezes ela perguntar “Existe vida depois da morte?”, pensando estar a falar com Jesus, e Tozé, como no anúncio do queijo, responde: “Para motores onde o pistão é mudado com muita frequência o óleo ricinado é melhor devido à melhor estabilidade de temperatura na cabeça do cilindro.” Nunca mais a enganaram numa oficina.
Dia 19 de Outubro, numa das aulas dos vários cursos que administra, Alexandra Solnado foi contactada por Jesus. Imagino uma aluna: “Stôra, oh stôra, o Toni está puxar me os cabelos!”, ao que respondia outra colega: “Chiiiuuuuu que ela está a falar com Jesus! Agora não pode!”. Jesus, depois de lhe transmitir mais uma poderosa mensagem, diz-lhe para ensinar isto na sua aula. Ser professor assim não custa nada. “Então colega, preparaste a aula de hoje?”, “Epá, nem por isso, mas agora no intervalo vou ser contactado por Jesus e ele dá uma mãozinha.”
Depois há aqui um capítulo que eu tenho a certeza que o Papa Bento XVI iria adorar, no qual Jesus aborda o tema do sexo. E, além de defender o acto sexual e o orgasmo, defende a masturbação. Já estou a ver o Papa a ler isto durante o pequeno-almoço e a cuspir o café por cima dos Cardeais todos. Segundo a autora, Jesus diz que, quando o casal atinge o orgasmo: “a explosão dá-se. E nós vemos aqui de cima. E aplaudimos.”. Isto explica muita coisa. É também dito que o orgasmo é uma maneira de abrir o canal para conseguir a ascensão da alma. Como se os homens já não tivessem frases de engate suficientes, surge aqui mais uma alternativa, e ainda por cima de teor religioso. Vai ser um sucesso.
Por em Jesus, tive uma conversa surreal com um cliente na semana passada. Ele chegou ao balcão e perguntou: “Tem um livro, não sei bem o título, é qualquer coisa como Jesus não mandou vir as costeletas, ou qualquer coisa.”. Muito bom, pensei eu. Pesquisei na base de dados, não surgiu nada. Ele não ficou convencido: “E então Diz a Jesus que já se acabaram as costeletas, não?” e eu voltei a pesquisar, e nada. Disse-lhe que tinha apenas feito a pesquisa com as palavras “Jesus” e “costeleta” e não surgia mesmo nada. Nesta altura já estava outra cliente junto ao balcão à espera de ser atendida, e deviam ver a cara de espanto da senhora quando testemunhou a seguinte conversa:
- Então e Jesus comeu as costeletas?
- Também não.
. E Jesus e costeletas, ou será entrecosto?
- Já pesquisei com Jesus e Costeletas, e não surge nenhum livro que contenha essas duas palavras.
- E só Jesus?
- Assim surgem muitos.
- Pois, não é grande ajuda. E só costeletas?
- Surgem aqui 3 ou 4, mas nada relacionado com Jesus.
- Posso ver?
- Claro.
- Pois, está aqui costeletas, como cozinhar costeletas, mas nada de Jesus. Sei que é qualquer coisa com Jesus e costeletas, não sei se tem a ver com Jesus comer costeletas, não sei.
- …
A esta altura a senhora já esfregava os olhos para ter a certeza de que estava a presenciar aquilo. Eu sei qual era o livro que o senhor procurava, “Quando é que Jesus traz as costeletas?”, mas nós não o comercializamos.
Há uma frase que os clientes dizem com bastante frequência e que me dá alguma vontade de rir, “Pode ajudar-me?”. ´É que se vissem o ar de desespero com que dizem a frase, parece que o mundo está para acabar. .
- Pode ajudar-me?!
- Claro, qual é o título do livro?
- Não, não é isso, a minha filha está presa num castelo em chamas!
Claro que também temos os clientes que duvidam das nossas capacidades e dizem: “Não sei se me consegue ajudar…” Lá está, a dúvida logo no inicio da conversa. O “Será que me pode ajudar?” também surge de vez em quando, o que me dá vontade de responder “Não, isso só vai lá com um profissional”. Raramente há clientes que dizem: “Vamos lá ver se é o senhor que me vai conseguir ajudar.”. Eles lançam o repto, desafiam as nossas capacidades. Não há outra saída senão responder afirmativamente ao desafio. O problema é que aí sujeitamos a que a resposta do cliente seja: “É que eu tenho aqui um sinal, com uns cabelos e um bocado de pus, ora toque lá, veja se é normal.”

terça-feira, março 21, 2006

Olho Mirolho

Este dia do Pai que passou foi demais. E não foi só pela excelente prenda que a minha filha me deu. Tem bom gosto a criança, reconhece boa literatura quando a vê. Infelizmente não passei o dia todo com ela como queria. Tive que vir trabalhar. E acho que nada me podia preparar para esse belo dia.
Primeiro, e antes de mais nada, devo agradecer à Coca-Cola. Eu gosto de Coca-Cola. Aliás, sou viciado. Mas, porem 6 ou 7 jovens de flores na mão, a oferecerem flores aos Pais e depois a baterem palmas estridentemente já é passar dos limites. Abordavam o possível pai. Davam-lhe uma flor. Batiam palmas. Pai. Flor. Palmas. Devo ser sincero, se oferecessem Coca-Cola, tinha lá ido. Várias vezes. Mas, flores? Não. Aquilo era mesmo irritante. Só sei que às tantas, o número de pessoas a bater palmas ia diminuído. 7. 6. 5 e por aí fora, até ficar só um. De certeza que foram perdendo unidades à medida que iam incomodando as pessoas com aquelas palmas irritantes.
Para tentar me abstrair das palmas fui arrumar a loja. Mal pego no primeiro monte de livros reparo numa fita cor-de-rosa, daquelas de usar ao pescoço com as chaves. Não lhe toquei, continuei a arrumar. Passado mais de meia hora ela continuava imóvel no mesmo local. E olhem que o local não era agradável, por isso comecei a desconfiar. Perguntei à minha colega se ela tinha visto alguém deixar ali aquela fita, e antes sequer dela responder surge a voz de uma cliente que se encontrava de costas para nós: “SECALHAR DEIXARAM ISSO AÍ PARA VER SER ARRUMAM A LOJA!” num tom altamente agressivo. Até me assustei. Secalhar era para ter piada. Não percebi. Claro que a senhora foi presenteada com um belo olhar redutor da parte dos funcionários da loja. Somos um público difícil, devo admitir.
Por falar em olhar, estes clientes do Dia do Pai são levados da breca. Que bela pandilha que por cá passou. Uma cliente queria oferecer ao pai um livro qualquer de Recursos Humanos. Lá me disse o título e lá fui eu à procura. Digamos que era mais fácil o Marlin encontrar o Nemo do que eu encontrar o livro. A cliente reparou que eu estava com algumas dificuldades em encontrar o dito livro e deslocou-se até à secção onde me encontrava. Chegada ao pé de mim, lança a seguinte pérola: “Secalhar é melhor ajudá-lo. Sim, porque dois olhos são melhores que um! Ah ah ah ah!”. Bem que a minha mulher me disse para não usar a pala no trabalho. 2 olhos? 2+2=2? Hmmmm… Secalhar tinha um olho de vidro e não reparei. Não sei. Prefiro não aprofundar esta questão, há clientes que pura e simplesmente me assustam.
Muito gostam os clientes de arranjar sinónimos para tentar dar a volta à situação. Veja-se uma cliente que, ao encontrar um exemplar do livro que desejava, achou que este não estava em condições. Então, com todo o direito, perguntou: “Desculpe, é o único?”. Respondi que sim. E o cliente: “Não tem outro?” Não, respondi eu. Ser o único ou não ter outro são coisas completamente diferentes. Tal como os amigos dela. Levou dois livros e pediu para embrulhar. Depois de serem embrulhados e quando estavam prestes a ser remetidos para o respectivo saco, a senhora intervém: “Dê-me outro saco! É que os livros são para pessoas completamente diferentes!”. Isto contrasta um bocado com os clientes que habitualmente dizem: “Ah, ponha no mesmo saco que é para dois amigos meus. É que eles são parecidos, aliás, partilham o mesmo tronco e uma perna. São um festim para os olhos.”
E porque é que raio uma cliente, estando entre o balcão e uma mesa com livros, para me deixar passar encolhe as costas e estica o rabo? Tudo bem, ela tinha uma mala às costas, o que podia atrapalhar a minha passagem. Mas ela devia ver o rabo dela ao espelho e ajustar as prioridades no que toca a encolher-se para ceder a passagem. Mais um bocado e eu não estava aqui para contar a história.
Mas é sempre bom ver pais e filhos a passear, felizes. Especialmente quando tenho que ficar aqui o dia todo e a minha filha em casa a queixar-se disso. E há famílias engraçadas. Um pai, com o filho, que não devia ter mais de ano e meio, às cavalitas. O pai, todo orgulhoso, mostrava ao mundo a t-shirt dos Ramones do filho. E este chorava, chorava como se não houvesse amanhã. Eu ainda pensei que o pai fosse entoar o Blitzkrieg Pop para o acalmar, mas não. E eis que, finalmente, a mãe entrega à criança um livro do Noddy, para deleite desta. A choradeira parou. A mãe fez o habitual ar vitorioso que fazem as mães e o pai reduziu-se à sua insignificância. O Noddy venceu mais uma vez. Maldito sejas, Noddy…

sábado, março 18, 2006

Uma Questão de Orgulho

Gostava de ser dono da loja onde trabalho. Ter total controlo sobre que livros entram e saiem sobre os horários, sobre os empregados. Sobre tudo. Seria qualquer coisa como na League Of Gentlemen. Eu teria uma empregada tipo Tubbs, que diria "this is a local shop for local people, there's nothing for you here!". Seria muito bom. Não temos uma Tubbs mas temos a Feiticeira. E, há até quem defenda que é bem melhor. Tenho pena é que ela vá para o Inferno. Estava ela a vender uma Bíblia (foi o Santo que presenciou este episódio porque eu estava no back office) quando, com os seus ternos e delicados modos, deu uma cacetada (termo católico) na dita Bíblia, causando a queda violenta desta no chão. Bom, a Bíblia ficou bastante mal tratada. Aliás, não me lembro de ver a Bíblia tão maltratada deste os tempos da reforma. E a Feiticeira, como se não fosse nada, voltou a por a Bíblia em cima da mesa. Claro que o cliente não levou aquele exemplar, tendo a Feiticeira que ir buscar outro. Já no outro dia, surgiram dois clientes que queriam uns livros relacionados com Engenharia. Claro que a resposta da Feiticeira foi "AH ISSO É ALI NOS LIVROS TÉCNICOS". E nem se preocupou em perguntar se procuravam algum título em particular. Ou sequer em acompanhar os clientes para os ajudar na sua pesquisa. Então lá foram os clientes sozinhos, rumo à secção dos livros técnicos. Eu estava por perto a arrumar o esoterismo e ouvi a conversa: "Tsshhhh, que estúpida. Livros Técnicos? Duuuhh que está nos livros técnicos sei eu, não precisava que ela me dissesse" ao que o seu companheiro respondeu: "Que é que estás à espera, estamos em Portugal..." Eu desde já aviso, em nome de todos os portugueses, que não me faço representar pela Feiticeira. Claro que quando me viram a olhar para eles ficaram bastante embaraçados. E fugiram.
Trabalhar numa loja de porta aberta causa algumas situações curiosas. Há uma situação em particular que sucede com muita frequência. Quando a loja está silenciosa, com pouca gente e com a música baixa, ouve-se muito bem os sons que vem de fora da loja, seja a música do centro ou as conversas das pessoas que passam. Um dos efeitos mais peculiares é quando vêm duas pessoas a falar ao longo da montra e o som surge abafado e imperceptível e depois, quando passam na porta, percebe-se perfeitamente tudo o que dizem. Isto torna-se muito mais curioso quando se ouve o seguinte: "blbbllbgllglggll avlvhlahkdlkhvkalvd (som abafado, e de repente) NÃO TENHO CULPA QUE TENHAS LOMBRIGAS E ME TENHA ESQUECIDO DE COMPRAR PAPEL HIGIÉNICO E (novamente abafado) whwhwho fhofhosifshfiosa".
Algo que se repete com frequência são os pedidos de livros ou de autores incompreensíveis. Aí temos várias hipóteses: escrevemos qualquer coisa parecida com o que foi dita na esperança que surja algo parecido, tentamos uma aproximação diferente pedindo ou autor ou editora, ou pedimos que o cliente repita. É muito mau pedir para o cliente repetir. Mas, existe pior. Pedir para soletrar. É o mais baixo que se pode descer. Na segunda passada surgiu um cliente vestido todo de preto, com um sobretudo preto. Parecia o Neo, do Matrix, mas com 40kg a mais. Chegou ao balcão assim sub-repticiamente, e disse: "Olhe, podia ver se tem livros de um autor?" e eu assenti Ele continuou "Sabe, não sei se tem..." e eu já estava mais ou menos a ver o que vinha aí. "O nome do autor e Van lishssshhtsstst?" Com especial ênfase nos "t" e nos "s". Tentei procurar por Van List ou Von Litst (ainda hoje não sei como se escreve) e não surgia nada. Já a entrar em pânico, quase caí na tentação de pedir para soletrar. Mas és um homem ou és um rato, pensei eu, controla-te homem, onde está o teu orgulho? E não perguntei. Quando pensei que ele tinha desistido, vem o temido: "Ah, mas eu preciso de ver outro autor". Disse que sim, que claro que via. Não podia ser pior. Não podia. "Tem o livro do Von Eiseiteicheireich?" Nem de propósito. Consegui safar-me (à justa) com o título do livro. É muita pressão, isto de ser livreiro.
E quando os clientes mentem? Isto parece um título de um daqueles clientes tipo "DOMESTIC ANIMALS GONE WILD!" ou "MOVIE STUNTS GONE WRONG!". Mas acontece. Uma cliente pediu-me um livro ("Qualquer coisa da obesidade ou lá o que é" disse ela) para encomendar para a loja. Supostamente havia um exemplar numa das nossas lojas e eu disse que o encomendava. Até preenchia o papelito janota das encomendas. O que eu gosto de fazer isso. Liguei para a tal loja, afinal não havia nada. Pedi à editora. Qual não é o meu espanto quando a cliente liga furiosa porque foi à tal loja e não encontrou o livro? E depois ainda tem o desplante de dizer que tinha sido isso que tinha ficado combinado. Claro, porque eu gosto de preencher papéis de encomendas por divertimento. E, depois da queixa por telefone, seguiu-se a queixa ao vivo. Foi do tipo "sim, se acha que eu minto ao telefone nem queira ver o que faço ao vivo". Foi do melhor, alguém dê um Óscar à senhora. Ela estava capaz de tudo. Só não me disse que eu lhe tinha dito que o livro tinha asas e lhe daria vida eterna porque não calhou.
Estou destinado a penar atrás daquele balcão...

terça-feira, março 07, 2006

David Lodge

Isto de ser Livreiro tem que se lhe diga. Além de Livreiro, e das mil e umas tarefas que me são atribuídas pelo público em geral, sou também responsável por fornecer informações para todo e qualquer transeunte que queira qualquer coisa em qualquer lado. Sejam os telefonemas constantes para a loja, julgando que estão a ligar para a administração ou informação do centro comercial (o que resulta nuns já habituais: “OH FAZ FAVOR O CONTINENTE ESTÁ ABERTO HOJE?” ou ainda no já clássico “Ai não é das informações? Mas aqui diz que sim. Ahhhh, pronto. Então não é mesmo. Mas pode me dizer se o Continente está aberto na mesma?”) ou os pedidos de direcções ou compra de qualquer produto que se possa imaginar, já nada me espanta. Ainda hoje estava a sair do back Office quando se aproxima uma senhora de mim que diz: “Desculpe, onde é que é a banda desenhada?”. Com mil raios, pensei eu, já deitaram abaixo o sinal com 80 por 30cm que diz BANDA DESENHADA outra vez. Mas, não, ele ainda lá estava. Bom, não me restava outra alternativa que não fosse guiar a senhora através da loja até ao longínquo canto da Banda Desenhada. Chegado lá indico à senhora o local exacto da banda desenhada, e ela responde: “Não, não é isso. Eu queria o Patinhas e o Donald.” Tentei explicar-lhe que isso não tínhamos, mas foi logo interrompido: “Pois, isso sei eu, queria que me dissesse onde é que há isso à venda aqui no centro!” Reparem na brutal inteligência. Chega a uma livraria e pergunta por Banda Desenhada. Claro que era óbvio até para os mais distraídos ou para o George W. Bush que a senhora queria que eu lhe indicasse um espaço que não o nosso onde encontrasse BD. Porque é que ela não disse logo o que queria? Teria poupado tempo e trabalho. E, pior, porque é que raio ela foi atrás de mim pela loja toda, sabendo que nós não tínhamos o que ela queria? Isso é que me intriga. “Deixa-me lá fazer o totó andar pela loja e andar à procura de algo que ele não vende.”
Não faço ideia do que as pessoas pensam de nós. Claro que o facto de, estando a loja em silêncio, um de nós gritar para os outros “O STAVANGER MARCOU AO LILLEHAMMER!!” enquanto saltita e tenta abraçar o colega que se encontra mais próximo (maldita Betandwin…) não dá muito bom aspecto. Mas, o que é que leva uma senhora a dizer ao seu marido, enquanto este estava a ver uns livros de automóveis: “Tira o casaco. Tira o casaco. Tira o casaco, TIRA LA O CASACO, CUIDADO COM O HOMEM!”. O homem sou eu, não havia mais ninguém na loja. Cuidado comigo porquê? Tudo bem, posso estar a ler “Os Mundos Esotéricos de Fernando Pessoa” mas também não é preciso exagerar.
Numa das manhãs que passou surgiu uma cliente bastante interessada em livros de teatro. Depois de apresentar uma lista interminável (da qual só havia dois livros…) ficou para no balcão a observar atentamente um dos livros que lhe providenciaram. Olhou, folheou, olhou um bocado mais. Quando tudo indicava que ela estaria pronta para pagar, lança a seguinte frase: “Hmmmm… Isto é o 3 não é?” A respota surgiu positiva, visto haver um 3 enorme na lombada e na capa do livro. Ela retoriquiu: “Parece-me que deve haver o 1 e o 2.” Que mente iluminada. Isto nem o Paulo Cardoso conseguia prever.
A nossa colega Feiticeira é algo difícil de descrever. Ela está a atender um cliente, e a cada pergunta que vai fazendo aumenta gradualmente o volume da música. Não ouve o cliente bem, passa a ouvir pior. Hoje até me assustei quando ela, para além do seu habitual: “VAI LEVAR ESSE?” ou ainda do “ISSO É PARA LEVAR?” com que brinda qualquer cliente que passe junto do balcão com o livro, hoje tentou hipnotizar um cliente. É verídico. O cliente estava a tentar que ela encontrasse um livro na base de dados, o que se estava a revelar uma tarefa hercúlea. Farta de procurar, pediu ao cliente o nome do autor, olhou fixamente para ele e disse, num tom hipnótico: “VAI ME DAR O NOME DO AUTOR”. Não é “pode me dar o nome do autor, por favor?”. É uma ordem: “VAI ME DAR O NOME DO AUTOR”. Repetiu três vezes, naquele tom hipnótico. Eu, que estava a arrumar as novidades, disse do meio do nada : “DAVID LODGE”, assustando os clientes que se encontravam à minha volta.
Tive uma conversa interessante com um cliente que queria, e passo a citar: "Um livro que tem o Hitler e o Himler a passear na neve”. Já os estou a imaginar “Oh Hitler, isto é que tá um belo dia ahn?”, ao que o Hitler respondia: “É Himmlerzinho, apesar do frio que me congela os ossos, não me divertia tanto desde a chacina de ontem…”. Depois de lhe encontrar o livro, facto que o deixou maravilhado face à fraca informação que me forneceu sobre este, começou a falar comigo sobre o livro de Mao Tse Tung. “Este homem era nojento. Ignóbil. E pior era os que o seguiam. Lá e cá. Aquele Garcia Pereira e o Durão Barroso, de livros em punho, seguidores do Mao. Nojento. Foi responsável por milhares e milhares de mortos!”. Pensei em dizer qualquer coisa como: “O Mao era mesmo mau! Mau, ehehe, percebe?” mas achei que ele não ia entender. Falando em respostas tipo empregado de café, uma das minhas favoritas (que obviamente nunca usei, mas não perco a esperança de ver alguém usar) é relacionada com a religião. Num destes dias surge uma cliente ao balcão que diz, antes sequer de um cordial saudação: “QUERO A CABALA!”. Era genial que alguém dissesse: “Oh minha senhora, mas a senhora ainda nem a começou”, rebolando depois a rir para trás do balcão, perante o olhar estupefacto da cliente. Mas, não, o máximo que aconteceu foi mesmo ir alguém até a secção dos livros religiosos e verificar que não tínhamos nada.
Isto às vezes é pouco emocionante…