terça-feira, fevereiro 08, 2005

Do Outro Mundo...

Adoro aqueles programas em que os apresentadores perguntam, em jeito de conclusão, aos distintos convidados o que gostavam de ver no ano que agora se iniciou. Fim da fome, início da paz mundial, cura para todas as doenças. Chamem-me modesto, mas eu peço apenas para alguém não voltar a por o cd do Phil Collins o dia todo aqui no centro comercial. É mau demais para ser descrito por palavras, e a única imagem que me vem à cabeça sou eu com uma corda à volta do pescoço a tentar fazer com que o banco que me segura caia de uma vez no chão. E eis que, quando eu pensava que tinha atingido o pico do sofrimento audível, começam a intercalar Seal com Phil Collins. Durante horas. Basicamente é o mesmo que alternar entre qualquer tipo de tortura medieval com jogos do Benfica este ano. É mau demais para suportar.
O mais curioso é que eu já tinha escrito isto há alguns dias. Confesso que pensei em não me pronunciar relativamente a este assunto, mas após três dias de audição contínua e ininterrupta a minha mente enlouqueceu de vez. A minha mão está constantemente a tentar agarrar em objectos pontiagudos e a espetá-los nos meus ouvidos. E eu sem controlo nenhum sobre as minhas acções. E, o pior de tudo. A música ainda toca. E toca.
Recentemente recebemos a visita de uma reconhecida autora de livros para os mais estu.. perdão, os mais crentes: Alexandra Solnado. Paladina das conversas com o além, Alexandra Solnado tem mais um best-seller em mãos: O Eu-Superior. Consta que, fruto das suas avançadas comunicações com o outro mundo, a Vodafone está a pensar em contratá-la. Vodafone que, por sua vez, já tem um bom historial de relações com entidades que falam tu cá tu lá com o além. Basta ver o Benfica: tem uma equipa que valhas nos Deus. Nunca uma equipa pôs tanta gente a rezar. Voltando à Alexandra Solnado, cá esteve ela, a espalhar a sua boa disposição por todos os cantos deste estabelecimento. Para quem desconhece a obra (shame on you) Deus trata-a carinhosamente por "cabritinha". Ora, depois de a ter atendido, já fiquei a perceber porquê. A sua má disposição é divinal. Ela queria um livro, não sei bem precisar qual porque estava maravilhado com a sua presença, e pareceu bastante chateada por não haver. Tenho umas questões a fazer: Porque não perguntou a Deus se existia ou não? Não saberá mais Deus do que eu, um mero livreiro? Será que Deus também tem erros de stock? São questões pertinentes. Tendo inquirido Deus, ela escusava de ter vindo cá, poupando a si o trabalho e a nós a sua boa disposição.
Outra situação curiosa prende-se com um facto que ocorre com alguma frequência: autores virem aqui à livraria para saber do sucesso (ou falta dele.) dos seus livros. Embora possa saber isso através da editora (fonte, ainda que duvidosa, bastante mais fiável) adoram vir aqui perguntar. Obviamente que, todos os livreiros como eu, não temos mais nada que fazer do que satisfazer os pedidos dos requintados autores. E convém termos atenção e decorar todos os stocks e respectivos movimentos de cada livro de cada autor português. O que é ainda mais engraçado é que os autores perguntam pelos livros mas nunca se assumem como tal. O problema é que se esquecem duma coisa: muitas vezes nós conhecemo-los. Fazem figura triste. Outras vezes ainda é melhor: não fazemos ideia de quem eles são, e à pergunta "Este livro tem vendido bem?" surjam respostas, como inclusivamente eu já ouvi: "Isso? Não, isso não vende nada, as pessoas não demonstram interesse nenhum nisso!", provocando expressões hilariantes nos autores. Imaginem que vem um autor chamado Tony (nome fictício, acontecimento verídico) aqui à loja. Ao indagar das vendas do livro de um autor chamado Tony, uma colega perguntou: "É o autor?" e ele respondeu: "Não, não, tenho só curiosidade!". Ao acabar de dizer isto, aparece uma senhora à porta da loja que diz: "Então Tony, o teu livro tá a vender bem?". O constrangimento é uma coisa tão bonita.
Esta mesma colega participou noutro acontecimento caricato. Num momento calmo na loja, entra uma senhora completamente desvairada. Aproxima-se do balcão e diz, indignadíssima: "Fui ali à Fnac e, veja-me bem isto, nenhum funcionário sabe quem é o Tchaikovsky! Nenhum! Que vergonha!". A resposta da colega foi a seguinte: "Pois, sabe, a culpa não é deles. É da administração. Não lhes dão formação, não os ensinam, como quer que saibam?" Os níveis de indignação da senhora rebentaram a escala: "Eu vou ali à Fnac e dizem me que não sabem quem é o Tchaikovsky e agora, ainda pior, venho aqui e respondem me isto?" Faz me lembrar qualquer coisa. Ela ficou chateada , concerteza que ficou chateada. Secalhar é melhor a senhora ir a algum lado onde inclusivamente lhe dirão "ah e tal sim senhor."...

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