quarta-feira, dezembro 05, 2007

Quase Natal

É com muito gosto, que, depois de conseguir sair daquele labirinto a que chamamos livraria, venho aqui deixar mais um singelo post.
Antes de dar início a mais uma crónica de carácter, cariz, ou outros sinónimos que se consigam recordar, natalício, queria dar as boas vindas ao nosso colega Mestre, num regresso apenas passível de ser equiparado ao regresso do próprio D. Sebastião. Aparentemente o nosso douto colega decidiu deixar os ares da cidade, e nós achamos que ele fez muito bem. Realmente fazia nos falta alguém que arrumasse uma estante e respectivas gavetas por tema, depois por editora, em seguida por autor, depois por cor, a seguir por sabor e finalmente por odor. Claro que há uma acesa discussão relativamente ao que vem primeiro, se o sabor ou se o odor, mas até chegarmos a uma conclusão ele continua a arrumar à sua maneira.
Já o nosso excelso colega Gulbenkian, agora mais arredado dos seus princípios humanitários (consta que teve quase para pedir o Fernando Nobre em casamento), tem na sua mente que o livro Timbuktu, de Paul Auster, é a solução para todos os males de que padece a humanidade.
- Olhe, queria um livro daqueles de auto-ajuda, para a pessoa se sentir melhor...
- Para se sentir melhor? Timbuktu. Depois de ler este livro sente-se logo melhor, é uma história lindíssima.
- Mas é sobre o quê?
- É sobre um vagabundo que morre e depois o cão dele anda à procura dele e morre também. Lindíssimo. Poético, até.
- ....
Duvido que exista alguém nas livrarias por este Portugal fora que tenha vendidos tantos livros do Timbuktu como ele.
- Bom dia, queria um livro de desporto.
- Desporto? Ora bem... Timbuktu.
- Timbuktu?
- Sim. É um livro sobre um cão. E os cães correm. E correr é desporto.
As Edições Asa devia começar a dar presentes ao rapaz. Até porque ouvi dizer que ele me vai oferecer um exemplar no Natal.
- Boa tarde, queria um livro de medicina.
- Sim senhora, tem aqui o Timbuktu.
- Desculpe, eu não disse medicina veterinária.
- Ah, mas não deixe o cão da capa enganá-la. Isto é um cão com sentimentos humanos.
Esta livraria sem o Timbuktu basicamente mais valia fechar as portas.
Voltando aos clientes, que é para isso que aqui estamos, gostei muito da senhora que ficou a empatar a fila de pagamento porque queria confirmar se constava nas fotografias do livro da Mocidade Feminina Portuguesa. Compreendo a dificuldade da senhora, com os buços da altura aquilo fica muito difícil de se distinguir.
O Livro de São Cipriano continua a aterrorizar os mais incautos. Especialmente um casal que, ao procurar um livro de esoterismo, quando viu o Livro de São Cipriano (O Verdadeiro Capa de Aço e Letras de Sangue e Páginas de Papel e Pó de Estante e o Raio Que o Parta) me disse:
- Jovem, queima isto. Queima isto, jovem. Não deixes isto aqui.
Eu peguei no livro e arrumei no sítio, dizendo que já estava habituado.
- Não abras isso. Deus te proíba de abrires isso.
Apeteceu-me dizer-lhe que já trabalhava numa livraria, que pior não me podia acontecer.
Também gostei muito de atender um senhor que queria livros de astrologia. Indiquei-lhe o livro do Paulo Cardoso. Apenas porque temos muito e precisamos do espaço para outras coisas. Ele ficou muito espantado.
- Não, eu queria assim algo mais técnico e científico, isto é tudo mentiras. Queria mesmo para ler os astros e ver o futuro, mas assim mais científico e exacto.
Devia apresentá-lo ao Professor Bambo, é destes clientes que ele precisa.
Se há algo de que eu gosto mesmo são clientes adeptos do self-service. Eles vão tirar livros dos expositores mais altos, tentam passar os cartões nas máquinas do Multibanco, tiram os talões das caixas, é uma maravilha. Mas ninguém foi tão longe como uma senhora. Estava no balcão e vejo um cartaz da montra a abanar e por fiquei curioso, passando depois a ficar estupefacto quando vejo um cabelo encaracolado e um casaquinho de velhinha a passar pela montra. Então não é que a intrépida senhora foi montra a dentro para colocar o livro que algum colega tinha tirado para ela consultar? É de clientes destes que nós precisamos.

7 comentários:

ColoqueAquiOSeuNome disse...

Está decidido, a prenda oficial de Natal 2007 é um exemplar do Timbuktu!
E que tal contratarem a velhinha que foi colocar o livro à montra. Como era pequenina podia a qualquer momento fazer alterações à montra sem que os seguranças se apercebessem. Que tal?

O Livreiro disse...

Se não for vendido pelo Gulbenkian não tem a mesma magia. Consta que o homem até faz encomendas de cliente fictícias só para ter o livro cá na loja.
A velhinha até era bem vinda, mas não acredito que ela se sujeitasse a ganhar tão pouco...

Anónimo disse...

É darem comissão da venda do Timbuktu à velhinha.

Bom Natal para ti, livreiro, e boas histórias. :)

O Livreiro disse...

Obrigado, Bom Natal para ti também!

JoanaRSSousa disse...

não é todos os dias que encontras uma cliente assim...

Bom Natal

O Livreiro disse...

Efectivamente não é todos os dias que encontro alguém assim.
Bom natal para vocês todos =)

Anónimo disse...

Pois é colega, há uns que até deixam o kamasutra no meio dos livros infantis...!!
O Timbuktu é de facto um livro muito interessante,será que o colega já leu
o Cão Vermelho da Asa? Quase comparável ao Timbuktu!!
Bom ano e boas entradas.