quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Vai Tudo Dar Ao Mesmo

Há coisas que, por muito que ouça, por muito que veja, me deixam sempre com um riso difícil de conter, com aquele sensação de que vou explodir em gargalhadas e lágrimas. Especialmente quando tenho, nada mais, nada menos, que o lobo do mar Gulbenkian ao meu lado. Uma tia e sua respectiva filha (reparem no inicio desta frase. Se traduzissem isto para um inglês, de certo ele perguntaria: mas não devia ser tia e sua respectiva sobrinha? Devia. Bem vindo a Portugal) procuravam, espalhafatosamente, uns livros. Primeiro a filha chega ao balcão e pede livros da Agatha Christie, e quando eu saio do balcão para indicar a respectiva secção, ela vira as costas e sai da loja para falar com umas pessoas. Eu fiquei parado junto à secção, estupefacto, enquanto o Gulbenkian já estava com ar de quem queria rir. Lá veio ela, lá escolheu os livros e pediu à mãe para pagar. A mãe tinha ar de quem era irmã dela, tanta a plástica. Quase que posso jurar que cada vez que ela sorria, só mexia o lábio esquerdo e levantava ao mesmo tempo a perna direita. Se fizesse um som tipo “GHHHHHHZ COMO TE LLAMAS? QUIERO SER COMO TU!” eu tentava por lhe uma moeda na boca a ver se saía um ovo com brinde. Antes de pagar atendeu o telefone e desatou aos berros, a dizer como ficava louca porque ia jogar o Chelsea. Depois viu um livro de cavalos e disse que estava lá o cavalo dela. Mas ela não estava porque estava fora. Quando finalmente se lembrou de pagar, entregou o seu VISA, mas esta não passava. Ela disse que era normal, porque, atenção, “É O MEU CARTÃO SUBRESSALIENTE!”. E a esta altura já eu pedia encarecidamente ao Gulbenkian para se ausentar para o Back Office porque se olhássemos um para o outro alguém ia perder o controlo.
Depois há clientes que enganam. Veja-se o caso da adolescente com ar cândido, com todo o aspecto de quem acabou de largar as saias da mãe, e que se passeia junto à secção de livros juvenis. Cara de quem não tem mais de treze anos, roupa de quem não tem mais que quinze, vê os livros descansadamente. Quando se dirige para o balcão, penso que lá vem mais uma adolescente perdida que não sabe onde estão os livros do Diário de Sofia ou do Diário da Princesa. Mas o que ela diz é o seguinte: “Boa tarde, tem o MANUAL DA BRUXA SATANICA?”. Ora bem. Nem mais. “O Manual da Bruxa Satânica.” Deve ser um clássico da literatura juvenil que desconheço. É que, reparem, não é só o facto de ela querer o manual da Bruxa, ela quer o manual da Bruxa que é Satânica. Podia ser uma bruxa cristã, ou hindu, porque não? Mas tinha logo de ser Satânica. A juventude está perdida. Depois de verem a Floribella vão fazer rituais satânicos para o quarto.
A secção do esoterismo atrai realmente muita gente. Num destes dias tentei ir buscar um livro ao esoterismo, uma secção que não tem mais de um metro de largura, e estavam cinco pessoas a tentar ver o que por lá havia. Seis, a contar comigo. Fui empurrado e acotovelado por pessoal feio e vestido de preto enquanto via pentagramas. Não me acontecia nada parecido desde o concerto de Slipknot.
Um senhor chega ao balcão e diz o seguinte: “Boa tarde, vinha aqui há procura de um livro que ajudasse ou ensinasse a escrever. É tenho lá em casa um miúdo, que por acaso é meu filho, que tem dificuldades!”. Por acaso é filho dele. Que curioso. O pessoal geralmente tem miúdos em casa mas é para outras coisas. Olhem a casa de Elvas. Também podiam dizer que tinham uns miúdos em casa. Lá encontrei um livro para o caro senhor, e, depois de alguma conversa, falámos sobre o que ajudaria à escrita. Ele defendia a prática. Eu defendia que, além da prática, a leitura é essencial. Até que ele diz o seguinte: “Ler livros para depois ir escrever é a mesma coisa que ver futebol na televisão e depois ir jogar. Não serve de nada!”. É aqui que eu não digo mais nada, apenas fico a ouvir na esperança que surjam mais pérolas como esta.
Há coisas que me fazem alguma confusão. Astrologia para bebés é uma delas. Duas amigas que procuravam o livro comentavam que “aquilo é mesmo igualzinho ao bebé da Maria! O que diz lá é como ele é e como faz!”. Estavam maravilhadas. Esse livro é uma boa ideia. É só copiar o que os outros dizem sobre os adultos e acrescentar um horóscopo tipo: “segunda-feira o seu bebé vai fazer chichi e chorar quando tem fome. No plano das relações vai dar-se bem consigo se for boa para ele. Já na parte da noite, vai acordar quando tiver a fralda suja.”. E as pessoas compram… E vão mais além, compram Astrologia para Animais. “Deixa-me cá ver se é hoje que o Rex me mija o sofá…”. Com livros assim, o mundo é um local melhor.

8 comentários:

Anónimo disse...

Alguns chamam-lhes cromos, outros figurinhas, outros nem sequer lhes chamam nada de tão estupefactos que ficam com certas e determinadas situações.

Dependendo da nosso estado de espirito, situações como as que descreve tanto nos levam à gargalhada como à raiva. Agora uma coisa é certa, é mais do que óbvio que algo não está bem. Essas "pessoas" infelizmente relembram-nos que determinados valores como a educação. o respeito e a humildade estão definitidamente perdidos.

Será a vitória do cábula sobre o estudioso?

Ou será que Portugal deixou de ser um país para ser um local mal frequentado?

It´s sad...

Anónimo disse...

Esta aqui deve ser uma das que procura incessantemente as secção de esoterismo e auto-ajuda ou, quiçá, a secção da «amizade» como procuraram um dia no palco deste blogue. Que Alá lhe dê paciência sr. livreiro!

O Livreiro disse...

Todas as pessoas são bem vindas aqui neste estabelecimento, independentemente da secção a que pertencem.
Alá, para além da paciência, podia dar me o €uromilhões. Isto, claro, se não estiver ocupado.

Anónimo disse...

Finalmente voltou a voz sábia da Lara...
Os leitores agradecem, os Deuses Sorriem, e o Santo como que ve o nascer do sol num dia de verão.

Anónimo disse...

Já algum tempo, coisa para alguns meses que aqui venho ler e rir com os teus textos. A verdade é que desde a primeira vez que o fiz a minha entrada numa livraria nunca mais foi a mesma coisa. Deixei de concentrar-me somente nos livros e passei a fazer uma avaliação critica sobre o meu comportamento enquanto passo junto estantes, sempre tendo em mente que no lugar do livreiro pode estar um outro “o_livreiro” com um blog que eu desconheça. Eu era do tipo que nunca fazia perguntas. Entrava procurava… desfolhava…lia. Se queria, levava, se não saía porta fora, de preferência quando o livreiro não estivesse a olhar, para que não reparasse que eu entrava e saía sem levar nada. Mas os teus textos tiveram um efeito terapêutico na minha timidez :) “Com tantos cromos, que receio é este de fazer perguntas?” (esta questão está com ar de revista “Maria”… passemos à frente) Nenhum, respondo eu! Pois para me comportar como alguns dos teus clientes teria de elaborar todo um o plano de trabalho que sustentasse com convicção tanta “cromisse”. Por exemplo, se entro com o objectivo de comprar um livro e não o encontro ao fim de duas passagens pelas estantes vou ao balcão e peço-o! e não fico ali às voltas, às voltas… só para não vos incomodar. No outro dia cheguei ao cumulo de perguntar (desconfio que logo depois de ter lido um texto teu e por isso com uma sobredosagem terapeutica): “Queria ver um livro, acontece que não sei quase nada sobre ele… nem o titulo, nem o autor (?)…” (fiz um ar de “pedido de compreensão” e adiantei-me dizendo que teria forma de saber qual era mas levaria alguns dias e para poupar tempo podia ser que o livreiro soubesse! Com um ar de quem não estava a morrer de curiosidade ele disse: “Digaa”. Eu confesso que não depositei muita confiança naquela entoação mas já não podia voltar atrás naquele meu momento tresloucado e continuei “…penso que a historia passa por uma descrição processo de luto durante um ano, não sei se se baseia em factos verídicos?!” “Pois isso é muito pouco…não sei” respondeu-me o livreiro, “Já calculava” pensei eu, mas respondi “Qdo souber o nome volto cá, de qualquer forma , muito obrigada! :)” e entretanto voltei. E tu saberias qual era o livro? Ou habilitei-me a fazer parte da lista de cromos?!


Continua…

ana

O Livreiro disse...

Epá, grande comentário, quase maior que o post em si. É de homem.
Primeiro que tudo, sinceramente não faço ideia qual é o livro. Declaro-me culpado. E é na realidade muito pouco, em termos de dados, para uma pessoa encontrar um livro, principalmente porque:
- As bases de dados baseiam-se somento nos títulos(não no tema ou conteúdo) ou autores.
- Saiem 20 ou 30 novidades por semanas. É complicado estar a par de tudo.
Mas é uma pergunta normal, surge todos os dias, e se for feita com modos,não há razão para figurar aqui no estabelecimento.
Ultrapassando isto, os livreiros estão sempre prontos para ajudar.
Não há que ter medo de perguntar ou interromper, se ele estiver ocupado a trabalhar (a não ser que o livreiro em causa seja o nosso amigo Gulbenkian). Ou ocupado a ler. Ou a fingir que está a trabalhar. Não que eu faça isso, obviamente, mas pode e deve-se sempre interromper.
Sem clientes não há livraria. Nem blog.

Anónimo disse...

:)

R.:“O Ano do Pensamento Mágico”, de Joan Didion, retrata o luto pela morte marido, o escritor John Gregory Dunne, em Dezembro de 2003
Era este o livro que eu andava à procura…

Fica bem
e eu cá fico aguardar por outros textos :)

ana

O Livreiro disse...

Até é um livro relativamente recente, por acaso não temos e eu nunca tinha ouvido falar. Agora, se me perguntarem, já sei.
Outros textos aí virão...