terça-feira, abril 03, 2007

E Vão 100. Este é Dos Grandes.

Aqui estou, segundo o Blogger, a redigir o meu centésimo post. Parecendo que não, e tendo em conta que alguns dos posts são o que se denomina vulgarmente por “testamentos”, já é qualquer coisa. O quê precisamente não sei bem dizer, mas é qualquer coisa. E claro, lá por ser o centésimo post não quer dizer que não tenham que gramar com mais do mesmo. Portanto ora aqui vai.
A infância é uma época bonita na vida de uma pessoa. Permite-nos brincar, sonhar, aprender e especialmente entrar nas lojas e dirigir-nos ao balcão passando à frente de tudo e todos e interrompendo a soberana figura do livreiro. Esta criança conseguiu a minha atenção à força, e não esperou para fazer o pedido: “OLHE, QUERIA VER ALI O LIVRO DA ESTROMANIA QUE ESTÁ NA MONTRA!”. A mãe olhou para ele de lado: “Tu queres ver o quê?”, o que, curiosamente, era o mesmo que eu estava a pensar. “O LIVRO DA ESTROMANIA! TÁ ALI FORA!”. Tive de lhe pedir para me mostrar o que raio é que ele queria, porque já tinha percebido que não íamos sair dali tão cedo. Então a tal “ESTROMANIA” não era senão o livro “Bem-vindo Ao Mundo Do Wrestling”. O que é praticamente a mesma coisa. Agora percebo que ele queria dizer “Wrestlemania”, apesar de isso não estar no título ou não ser o nome do desporto em si, foi um bom esforço mas precisa de treinar mais. Talvez em vez de ver uns gajos suados a dar umas mocadas na cabeça um dos outros devia aprender a ler. Não sei, digo eu, não percebo nada de educação.
Um cliente bastante decidido aproxima-se de mim e pergunta: “Tem livros de plantas? É que eu preciso de livros sobre plantas… Onde é a secção das plantas?” Saí do balcão e desloquei-me, com o cliente a seguir-me, até à secção de plantas e disse aqui tem a secção de plantas. E o que responde o cliente? “Ah, mas eu queria era mesmo livros de árvores!”. Ah brincalhão.
Há funções deveras entediantes inerentes ao trabalho numa livraria, sendo que a conferência de créditos é uma delas. Estava eu com quatro facturas na mesa e no colo, confirmando valores um por um, num papel com letra pequena e mal imprimida, quando aparece um cliente a espreitar para dentro do back Office. Pousei as facturas e segui para o balcão. A minha colega estava a atender, estava outra senhora na fila e estava o senhor a pôr-se à frente. Perguntei quem estava primeiro, e a senhora, assustada, queria dar lugar ao senhor mas eu não o permiti. Ele não achou piada: “ISTO É INCRIVEL, QUANDO A LOJA ESTÁ CHEIA É MAIS RÁPIDO, POIS QUANDO A LOJA ESTÁ CHEIA POEM TODA A GENTE A TRABALHAR!” Pois, eu estava no escritório a brincar com as facturas às mamãs e aos papás, na esperança que dessem uns créditos bonitos quando ele me interrompeu. Ele não percebeu que eu só trabalho quando há mais de dez pessoas na loja. Menos que isso não merece a minah atenção.
Definitivamente, e voltando a um assunto que abordei no testamento, perdão, no post anterior, há qualquer coisa que faz de mim Livreiro, mesmo nas folgas. A minha pequena filha insistiu em vir dizer olá ao Santo. É o respeito pelo divino. Enquanto ela estava a conversar com ele (e se o Santo gosta de conversar com alguém que tem o mesmo nível emocional que ele) eu fiquei parado na loja, a observar. É então que chega um senhor ao pé de mim e pergunta se temos um certo e determinado livro. E eu sem farda, sem nada, era apenas um anónimo parado no meio da loja. Alguma coisa há que nos distingue. Por favor digam que não é algum odor estranho.
Dizem que as crianças são a alegria da casa, eu digo que as Tias são a alegria da loja. Elas berram, esbracejam, dançam, fazem a festa sozinhas. Depois de andarem horas a ver livros e a fazer barulho, finalmente decidiram oferecer um livro sobre armas a um amigo, e queria oferecer um postal, e passo a citar, “QUE TIVESSE ASSIM DUAS BOAZONAS COMO NÓS!”. Obviamente que não preciso de dizer que as duas senhoras na casa dos sessenta anos não se enquadravam no perfil de boazonas. Mas fica a boa disposição. Na despedida, ficou o aviso de uma das amigas para a outra: “TEMOS DE IR À NOITE, E NÃO DEIXES A TERESA BORREGAR!”. Ah, como é bonito ouvir termos de equitação ou aviação na mesma frase que nomes de mulher.
Há clientes indignados, alguns com toda a razão. E há outros que são como este cliente que passa na montra, visivelmente irritado, mete a cabeça dentro da loja, olha à volta e diz: “AQUI SÓ TEM LIVROS!”, da forma mais irritada e nervosa que possam imaginar. E continua furiosamente pelo corredor fora. Ora tendo em conta que este local é, lá está, uma livraria, penso que não estamos diante de um caso paranormal. Mas talvez isto só seja claro para umas quantas mentes iluminadas.
Para terminar, que o testamento já vai longe e ainda nem sequer decidi a quem deixar a minha Playstation2, temos a cliente que estava desesperada: “POR FAVOR, QUERO UM DECRETO-LEI!”. Tentem perguntar o que é que ela queria concretamente, mas ela só dizia: “QUERO UM DECRETO-LEI! SEI LÁ! NÃO HÁ NENHUM LIVRO QUE TENHA UM DECRETO-LEI?”. É nestas alturas que penso que dava jeito ter ali o Sr. Jurista como colega. Disse à cliente que não havia nenhum livro com esse título, tentei novamente perguntar a que era referente o decreto-lei, ou se sabia o autor ou editora. A resposta surgiu ainda mais nervosa: “ENTÃO! O AUTOR DO DECRETO-LEI É O ESTADO! O ESTADO!”. Sem mais alternativas, levei a senhora até ao local do direito para ela dar uma vista de olhos, tentando sempre fazer perguntas que a levassem a dizer qualquer coisa coerente. O melhor que consegui foi: “QUERO UM DECRETO-LEI DE LIMPEZAS! E JÁ LIGUEI PARA CASA NACIONAL IMPRENSA DA MOEDA E NÃO ME SOUBERAM RESPONDER!”. Apesar de ter feito um ar surpreendido, obviamente que no fundo sabia que ninguém lhe conseguia responder seja o que fosse. Os senhores da Casa da Moeda não são milagreiros. Lá saiu a senhora, altamente desiludida por não ter encontrado o seu decreto-lei. Boa sorte, e o que o senhor Estado, o que redige os decretos-lei, te acompanhe! Bom escritor, o gajo.
Obrigado pelas leituras, comentários bons, maus e esquizofrénicos. Obrigado.

13 comentários:

Anónimo disse...

eu quero a wii =D pa dar a irmã lol
de resto um post tao bom quanto os outros..
ah e qnt á parte do miudo que pediu o livro, lembras.te do que te disse? "wrestlemania" ahaha secalhar tenho o mm q.i de um criança,será? n respondas =P

O Livreiro disse...

Ok, não respondo.

Trilby disse...

Não se pode dizer que tenha prazer em ler testamentos, mesmo porque, até hoje, nenhum me foi favorável, mas este é uma excepção. Coube-me em sortes várias histórias bem contadas e muito divertidas. Obrigada, senhor Livreiro. E Parabéns!

Anónimo disse...

Olá, Sr. Livreiro.
É um prazer ler as suas histórias, a maneira como olha e interpreta o mundo que o rodeia é muito agradavél e divertida. Na minha opinião está na altura de escrever um livro.
Muito obrigado pelos seus testamentos, e tenho pena que não os escreva mais frequentemente.

O Livreiro disse...

Trilby, obrigado. E o facto de estares afastada de testamentos é sempre bom sinal.
Olá, Sr. Anónimo, ainda bem que gosta de ler as histórias. É verdade que não escrevo tão frequentemente como antigamente, mas é que, para além de passar pouco tempo no balcão, esse local privilegiado para observar o mundo, outros projectos despertam a minha atenção.
Eu tenho muita pena que toda esta atenção só surja agora, nos dias finais deste blog...

Anónimo disse...

Olá, Sr. Livreiro.
É com bastante tristeza que recebo a notícia de que o blog está nos dias finais, lamento não o ter descoberto antes, mas espero que dentro desses projectos que agora despertam a sua atenção também esteja um livro, pois como lhe disse no post anterior, é delicioso entrar nos seus contos (Livraria).

O Livreiro disse...

Mas para trás há muito, mesmo muito, para ler.
Em relação ao livro, sinceramente não é uma coisa que desperte, de momento, a minha atenção. Porque não depende nada de mim. Já fiz algumas diligências, na base do "what the hell!", não perdia nada em tentar, e a resposta foi um bonito e duradouro silêncio da parte das editoras. Sendo assim, e como editar nunca foi um objectivo, não penso nisso.
Mas, mais uma vez, obrigado pelos comentários.

Anónimo disse...

É sempre com prazer que se elogia alguém que tem mérito. Tenho imensa pena de não estar ligado a nenhuma editora, mas vou aproveitar os textos que deixou, encara-se com outros olhos o que nos rodeia, e quem sabe um dia entro numa Livraria e lá está, "Contos do Livreiro", pois a esperança é sempre a ultima a cair.

M.Cumprimentos
LMReis

Anónimo disse...

Caro sr. Livreiro
Depois de um acéfalo combate de wrestling (como é que as crianças deste país gostam daquilo? deve ser desde que puseram a sra. ministra a legislar acerca da educação!) tenho-lhe a dizer que gostei (como sempre!) do seu humor sarcástico, acutilante e que dispõe bem qualquer pessoa!
Quanto ao editar um livro.... não consegue meter uma cunha lá na sua livraria? pois!!!... santos (atenção eu disse santos... e não o santo!) da casa não fazem milagres.
Aguardo pelos novos post's! Por favor sr. Livreiro não desligue!

O Livreiro disse...

Apesar de conhecer algumas pessoas de editoras, não há qualquer interesse em haver edições... Mas, também, de momento, isso não interessa.
Quanto a haver mais posts, depende dos clientes...

Loretta disse...

Parabéns pelo post cem. E por que raio são estes os dias finais deste blog? Continuação de boas "postagens".

O Livreiro disse...

Loretta, obrigado. Eu disse que eram os dias finais do blog porque não existe aquela actividade creativa dos primeiros tempos, pelos mais variados factores. Mas, enquanto tiver que estar atrás daquele balcão, vou aproveitar para tirar as minhas notas e continuar. Sei, aliás, tenho a certeza, que essas personagens de Portugal não me vão desiludir.

Anónimo disse...

So quem passa por elas é que sabe!!
As histórias são hilariantes e instrutivas!Na livraria onde trabalho,também tenho algumas situações dignas de Globo de Ouro!
Obrigada pela partilha de um mundo ao balcão que me é tão próximo.
Ah,se te faltarem histórias, eu envio-te umas quantas...
Um abraço e boas vendas