quarta-feira, janeiro 05, 2005

Isto é Verídico

Como diria o companheiro Greenpeace, isto é verídico. Tudo começou quando chego de mais um sossegado almoço e sou imediatamente chamado ao back office pelo mestre gerente livreiro. A urgência da chamada deixou-me um pouco preocupado, porque desta vez não tinha estragado nada ou não me tinha esquecido de nada. Pelo menos que me lembrasse, o que também não me ajudava muito. Mas não, não era nada comigo. "Olha, teve cá uma senhora que queria ser atendida por ti." disse ele, já sem conseguir conter o riso. Chamou os colegas para confirmar, e todos confirmaram. "A senhora queria ser atendida pelo senhor do blog." Duvidoso, pensei eu. E com razão. Era tudo mentira. "Mas, devias ter cá estado..." disse o gerente, passando depois a descrever me pormenorizadamente o que se passou. E o que se passou foi o seguinte, e atenção, isto é verídico: A senhora aproxima-se do balcão, onde se encontrava o senhor gerente, e de imediato iniciou os contactos: "Está a ver isto?" apontando vigorosamente para o canto da boca. A resposta foi positiva. "Está bem a ver isto?", apontando novamente para a boca, ficando mais nervosa. Depois continuou: "Está a ver aqueles livros deitados? Fui eu que os deitei. Porque ontem, quando ia tirá-los, levei com eles na boca!". A senhora era a personificação da fúria. Com toda a experiência e qualidade que lhe é reconhecida, o mestre livreiro respondeu um coloquial "E?". Brilhante. A cliente é que não achou piada. "E?!?!??! E!?!?!?!? Isso é resposta que se dê? E?!?!?! Devia me pedir desculpa!". Como o senhor doutor gerente não gosta particularmente de gritos, tentou refrear a conversa dizendo: "Minha senhora, se é isso que pretende, eu peço desculpa." Ela continua furiosa, e responde afirmativamente. "Então, desculpe." diz o gerente, ao que ela responde: "Desculpe? DESCULPE! Quero desculpas mas não com esse sarcasmo!" A perturbação da cliente era evidente, e lá saiu, furiosa como entrou. Mais um episódio curioso, entre muitos outros, mas que pensámos que tivesse acabado. Não podíamos estar mais enganados.
Ontem à tarde, com a loja relativamente calma, estava cada um para o seu lado a arrumar uma parte da loja, mais uma pessoa ao balcão. Tudo calmo, as arrumações estavam a ir bem, finalmente a livraria está com um aspecto minimamente apresentável. Estava a dedicar a minha atenção à zona da medicina, quando vejo um livro de BD entre os pesados livros de anatomia. Boa, pensei eu, mais uma maravilha da funcionária pública da nossa livraria. Pego no livro, e, enquanto me dirijo para a secção respectiva, vou folheando-o lentamente como costumo fazer com os livros que não conheço. Chegado à zona de BD, deparo-me com um cenário devastador: a zona do esoterismo estava virada do avesso. Prateleiras semi-vazias, livros sem ordem, na base das estantes um caos como nunca antes tinha visto, e pior, livros espalhados pelo chão. Então, antes sequer de ter tido tempo de me virar para a loja e perguntar que hecatombe teria passado por ali (ainda por cima porque, recentemente, tinha sido eu a arrumar aquela secção), ouço uns berros, tipo mistura de guinchos com grunhos, foi qualquer coisa dificil de explicar. "PELO MENOS NÃO ME CAIRAM EM CIMA!". A atenção de todos os presentes para a loja virou-se para uma criatura que trajava de branco, parada a meio da loja. Continuou: "A VINGANÇA SERVE-SE FRIA! VINGANÇA! NÃO ME CAIRAM EM CIMA PORQUE FUI EU QUE OS ATIREI AO CHÃO!" A minha reacção roçou a estupefacção, pelo que esbocei um sorriso provocado pela situação inacreditavelmente ridícula. Virei as costas e comecei a apanhar os livros, quando ouçou passos ao meu lado. Quando os passos cessam, os berros voltam: "ESTÁ SE A RIR?!?! NÃO TEM PIADA!" Eu, mudo de sítio e arrumo outro lado. O bicho persegue-me, continuando com os berros: "VOCÊ ESTAVA CÁ VOCÊ OUVIU O QUE O SEU GERENTE DISSE!" Eu não estava lá, mas enfim, não se contraria os loucos. "E?!?! E?!?!?! ACHA QUE ISSO É UMA RESPOSTA QUE SE DÊ?!? ATIREI AO CHÃO TUDO, NÃO ME ACERTARAM NA BOCA, TENHO JÁ UMA NODOA NEGRA, E AGORA O QUE É QUE EU FAÇO?" E aí, dirigiu-se rumo à porta, parando ainda para delirar sobre vingança e livros caídos. Ficámos todos em silêncio, a olhar uns para os outros, ninguém sabia bem o que dizer. Que mente retorcida é capaz de chegar a uma loja e atirar livros para o chão? Tudo bem que a governação de Santana Lopes não foi famosa, e ok, ele e Paulo Portas consumaram a união de facto, mas nada justifica isto meus amigos. Apelo aqui à calma. Será que o nosso querido Presidente da República também a pode dissolver?
Os livros que a atingiram na face, mais propriamente no canto da boca, foram uns manuais de TAROT. Pois, queria saber o futuro era? O futuro não digo, mas estrelas deve ter visto. Aposto que o horóscopo dela dizia: "Saúde: ATENÇÃO! Tenha cuidado com os problemas na zona da boca." Nunca a ensinaram a não brincar com o TAROT? É o que dá. Agora é que pode dizer que conhece o TAROT bem de perto. Aposto que a carta preferida de TAROT dela é a BOCA. Ela agora está qualificada para "falar" de TAROT. É mesmo uma mulher com o TAROT na ponta da língua. Deviam mudar o nome do livro para "TA-quieta ou levas com isto na boca". É tão esotérica mas não previu que o livro ia cair. (Foi a tentativa de entrar no Guiness com o maior número de chalaças sucessivas sobre TAROT mas sem piada nenhuma.) Realmente não estava lá quando os livros caíram, embora gostasse de ter estado. Para alcançar os livros da última prateleira, é necessário elevar o braço (caso seja uma pessoa com uma altura que ronde 1,70m) a um angûlo de aproximadamente 50º. Portanto, e tendo em conta a base alargada das estantes que tem espaço para conter livros, seria necessário uma posição estranha para ser atingida na boca por um livro. Ou isso, ou então ela puxou os livros com demasiada força em direcção a ela. Mas, digo desde já: não ponho de parte a hipótese da cliente ter tentado mesmo tirar o livro os dentes, ou então ter tentado tirar o livro de costas, tentando fazer algo parecido com a ponte. Pela maneira de agir dela, diria que o livro a tinha atingido em cheio na cabeça.
Fica no ar a dúvida: irá voltar? Aguardemos então. Eu só sei que vou estar atento, não vá cair me nada em cima. E, não se esqueçam: Isto é verídico.

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