terça-feira, maio 31, 2005

O terror

O sol já está novamente a bater com a força de uma tarde de verão. Como tal, por alguma razão química desconhecida até dos mais proficuos cientistas, saiem à rua as criaturas mais estranhas que se possa imaginar. Surgem remeniscências do verão passado, e aí penso que o melhor está a chegar. Mas, já vão surgindo alguns avisos.
Estava eu calmamente atrás do balcão tentando colocar me de modo a apanhar a lufada de ar fresco vinda do ar condicionado, quando surge um individuo de negro no balcão. Notei logo um odor algo característico, o que, para quem se encontra constipado à duas semanas, é um feito. Desisti da busca do lugar fresco por uns segundos para poder atender o cliente. Antes do protocolar boa tarde ou bom dia, surge um: "Oh amigo, tem o livro de São Capristano? Sabe, aquele, O verdadeiro!" São Capristano, como toda a gente sabe, foi dirigente do Benfica dos tempos de Vale e Azevedo. Conhecido como a "pescada mal morta" (atenção, nome popular, do qual não tenho qualquer responsabilidade), Capristano assumia-se como responsável (?) do futbeol encarnado, costumando ocupar o seu lugar no banco com uma figura algo esfíngica, talvez tentando imitar Pinto da Costa. Lá tive eu que me deslocar para a zona do esoterismo (onde, passe a imodéstia, sou rei e senhor) e dirijo o senhor para os livros de São Cipriano. Ao chegarmos à secção correcta, o cliente solta inesperadamente uma frase: "Ah! Isso está no terror não é?". Tudo bem, a zona está bastante mal arrumada, mas daí a apelida-la de terror vai um bocado. Procurei os livros de São Cipriano. Tinhamos três ou quatro. "Boa, boa" diz o cliente, "mas qual é O verdadeiro? O verdadeiro?", enfatizando o "O" enquanto fazia sinais para mim com os olhos. Bom, pensei para mim mesmo, das duas, uma: ou o gajo tem um tique nervoso, ou então está a fazer-se a mim. Como prevenção, para não haver confusões, decidi afastar-me e dirigir-me para o balcão, tentando novamente apanhar o local onde bate o fresquinho. E lá ficou ele durante alguns minutos, vendo livro por livro, tentando encontrar "O" livro de São Cipriano. Finalmente viu a luz (ou terá sido a escuridão?) e escolheu o que mais lhe agradava. Pagou, calmamente, e tudo indicava que iria abandonar a loja. Mas, a meio caminho entre o balcão e a saída (e olhem que parece pouco, mas já assiti a homens perderem a vida nesse caminho) e volta a dirigir-se à zona do esoterismo. E lá fica, mais dez minutos a contemplar outros livros de São Cipriano. Ele vê, escolhe, paga. Mas à saida fica com dúvidas. E volta para os livros, como que chamado pelo canto da Sereia. Terá temido (e com razão) levar o errado, e não ser "O" livro de São Cipriano, sendo apenas o livro de São Cipriano. Observo-o durante alguns segundos (não vá por algum livro no saco, não convinha) e depois volto à minha vida (novamente a busca do local fresco). Olho por acaso para o balcão e vejo umas chaves. Olho para as chaves. Olho para o cliente. Olho para as chaves. Lá fui eu dar lhe as chaves, mas sempre à distância. Aproximo-me dele o suficiente para lhe dar as chaves (mas não para ele me atacar). Ele sorri, agradece, e diz: "Tou só a ver, tou só a ver, isto é tudo muito interessante!" É normal a reacção dele. Qualquer criança quando descobre o livro pela primeira vez reage assim.
Por falar em reacções, por vezes sou eu que fico sem elas. Chega uma senhora ao balcão e diz, sorridente: "vou lhe só perguntar uma coisa, porque me doiem os pés. Tem livros de receitas do Da Vinci?". Com uma introdução destas até me podia ter pedido o kamasutra animal que eu não teria reparado. Que novidade, que inovação. A dor nos pés realcom a necessidade de conhecimento. Genial. Já estou a ver os próximos clientes: "Oh amigo, tenho uma cárie num queixal, tem o Livro dos Segredos?" ou ainda um, que será concerteza popular, "desculpe, tenho o septo nasal deslocado, importa-se de verificar se tem disponível os Maias?”.
Quem está de regresso à loja é Spartacus, o guia gay 2005. Estão, portanto, oficialmente abertas as festividades, e devo dizer que já se encontra um exemplar guardado para o nosso amigo Greenpeace, que irá para Cabo Verde (ou Açores, é parecido) numa missão de voluntariado. Acho que vai ser uma ferramenta útil para ele levar consigo. Eu diria que é de homem ir fazer voluntariado, mas podia estar a ofendê-lo.
No anterior post referi-me aos blogs que deram em livro. Oportunamente, fui chamado à atenção de que me esqueci do “Livro da Rititi”, também nascido de um blog. Nascido, ou abortado, depende do ponto de vista. Se realmente nasceu de parto natural, terá sido um parto complicado. A reacção mais usual por parte das mulheres a esse livro (?) é: “Este homens nojentos não tem mais nada que fazer do que escrever estas porcarias, ainda por cima passando-se por mulher, como se percebessem alguma coisa de nós!”. Claro que depois, quando reparam que é UMA autora, dizem: “ah, afinal até não tá mal, até tem piada, olha, uma piada, vou me rir: ah ah.” Elucidativo.
Os clientes continuam a tentar Ter piada. Uma rapariga, desesperada, queria um livro para acabar um trabalho para a universidade. Nada de mal até aqui. Faz me vasculhar os confins da loja (vi bolas de cotão do tamanho de bolas de golf, e posso quase jurar que vi um manuscrito do Auto da Barca Do Inferno, mas não os quero induzir em erro). Até que, já sem forças, desisti. Na tentativa de amenizar a situação disse: “Sabe, apesar de dar existência em stock, por vezes os livros saem da loja sem passar pela caixa...”. A senhora ri perdidamente. Estava a tentar, de modo subliminar, dar a entender que poderia Ter sido roubado. Não tem piada. Não era para Ter piada. Mas, não podia suspeitar o que vinha a seguir. Recompondo-se do riso histérico, a cliente ajeita o cabelo e atira, excitada: “Pois, pois, é como dar a volta no Monopólio sem passar pela casa de partida!!!” ao que se seguiram mais gargalhadas descontroladas.
Sou um privilegiado…

2 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Irmão Viassa disse...

Caro irmão de fé. Contacto-te em nome das Fôrças Magnéticas do Universo, em nome das fôrças do bem e do mal. Peço-te que reproduza a mensagem de S. Cypriano disposta no sítio oultimolivrodesaocypriano.com, bem como a envies, como de hábito, a teus 7 amigos que ñ seja tua amiga íntima nem tua parenta. Estarás ajudando, assim, a hum teu semelhante. Desejo alcançar hum benefício [que ñ trará prejuízo para ninguém], e isto depende desta corrente magnética. Ñ deves quebrar esta corrente, pois se o fizeres estarás prejudicando alguém, e ñ terás vantagem nem huma com isto. A o passo que, se deres prosseguimento á corrente, farás hum bem a Mim bem como a ti mesmo, porque também poderás alcançar hum benefício. Muitas pessôas que quebrarão correntes como esta sofrerão grandes males e prejuízos, a o passo que toddas aquellas que derão prosseguimento ás correntes alcançarão benefícios e vantagens. Manda só hum pouco do teu magnetismo e da tua boa vontade.

Que as Fôrças Magnéticas do Universo te sejão favoráveis,

Irmão Viassa