sexta-feira, novembro 17, 2006

A Como é Que Está o Litro?

Devido à grande quantidade de pedidos de algumas pessoas e dois ou três animais (um periquito e dois cães), venho deixar aqui mais uma pequena crónica do mundo dos livros em geral.
Antes de mais devo dizer que a minha ausência foi causada pelo excesso de trabalho daquela livraria infernal. Só temos, assim por alto, o triplo dos livros que deveríamos ter, mas isso é indiferente. Soma-se a isso uma baixa de dois ou três dias e mais entradas e saídas de pessoal do que no Benfica dos anos 90 e aí temos a razão da minha ausência.
Mas, já que voltei, tenho que contar umas coisas. A primeira situação prende-se com o facto de alguns clientes, neste caso uma cliente, fazerem o maior ar de entendido do mundo quando estão a falar dos assuntos sobre os quais não tem o mínimo conhecimento. Reparem, o facto de comprarem um livro sobre algo que desconhecem e querem passar a conhecer é altamente louvável e, seguramente, melhor do que comprarem e fingirem que já conhecem. Então a cliente vem para o balcão, com o seu ar todo entendido diz, do alto da sua sabedoria: "Queria o TÃO da Física, se faz favor." Lá está, não é o Tao da Física que ela quer, é o Tão! Isso do Tao é para o pessoal do Taoismo e tal, o Tão não, o tão é para os cultos. Pensei em recomendar-lhe o Tão da Sexualidade ou o Tão da Gestão, mas era conhecimento a mais...
Depois temos os já famosos grupos de amigas. Quanto mais novas, pior são. É muita hormona, muita excitação, alguém desligue a televisão na hora dos morangos, por favor. Reparem, primeiro foram umas raparigas que queriam livros do Mário de Sá-Carneiro, especialmente "o mais recente, qual é que saiu à pouco tempo?". Custou-me muito, quase tive que pedir ajuda, mas tive de dizer às raparigas que, infelizmente, o Mário de Sá-Carneiro já está morto assim há algumas dezenas de anos. A voz ainda tremeu, mas tinha de ser forte. Enfim, deveres do Livreiro. Relativamente ao outro grupo de amigas, cada uma queria um livro diferente, e iam saltando de trás umas das outras para a frente do balcão, a perguntarem tudo ao mesmo tempo. Pareciam aqueles bonecos que saltam de dentro das caixas, mas menos inteligentes. Depois, para além dos guinchos e dos berros, falavam todas ao mesmo tempo, aparecendo em cima dos ombros umas das outras, eu já estava a sentir alguma claustrofobia. Pior que elas só mesmo os clientes que se apoiam, com cotovelos e tudo, em cima dos livros que temos no balcão.
No extremo oposto do grupo de raparigas doidas, temos as senhoras de idade. Tive a oportunidade única de assistir a um encontro mítico em frente ao balcão. É daqueles momentos em que me apetece ir buscar um banco e um pacote de pipocas e ficar a apreciar o espectáculo. Então as senhoras, a propósito do livro "Os Amores de Salazar", estavam a discutir as várias paixões do mesmo Salazar, porque a prima de uma e a melhor amiga de outra tinham andado metidas com o próprio Salazar. Segundo uma delas, teria sido mesmo a prima dela que lhe tinha dado cabo da cabeça. E eu a pensar que tinha sido uma cadeira. Não devia ter faltado tanto a história. Depois tive o prazer de conhecer um sócio do ACP, casado com uma delas, que tinha o número de sócio abaixo do 100! Incrível. Consta que é sócio desde o tempo em que o ACP tratava de carroças.
Outra bela novidade é a chegada das fardas para os colaboradores da Livraria. Muito bonitas, são assim duma cor entre um bege e um castanho, com uma gola à Jorge Jesus, do tempo do Felgueiras, ou ainda à Eurico Gomes. Penso, aliás, tenho a certeza, que já vomitei coisas com melhor aspecto, cor e mesmo textura que aquela farda. Depois com a farda veio um pequeno manual que tivemos de assinar, tendo em conta o bom funcionamento da mesma. Não se pode fazer alterações. O que é pena porque estava a pensar em bordar um símbolo do SLB e por o número 21 nas costas, mas assim já não posso. Ai está outra boa comparação, é tão feia como o equipamento secundário do SLB. Depois, nem sequer é permitido dobrar as mangas. A única coisa que se pode usar por cima é o identificador. O meu fio de ouro com a minha foto vai ter de ficar para dentro, e o Gulbenkian vai ter de por os pêlos para dentro também. Também dizem que se tem de ter uma camisola suplente na loja. É compreensível, pois o Santo passa a vida a babar-se, ele não pode andar sem uma muda de roupa. É uma medida que se aplaude. Sinceramente, e sem menosprezar os trabalhadores da Galp pelo pais fora, parecemos uns trabalhadores de bomba de gasolina. Quando chega um cliente ao balcão não sei bem se hei de perguntar que livro quer ou se é para atestar.
Um bem-haja para todos os que pedem para eu escrever. E para todos os que precisam de gasolina. Aos que precisam de livros, comprem online. Até à próxima!

4 comentários:

Anónimo disse...

Já tinha saudades suas, sr livreiro! Seja bem-vindo às nossas casas!Já agora queria deixar o meu testemunho sobre o novo livro sobre Salazar. Também na minha banca assisti a uma discussão entre gerações sobre a beleza e formosura desse senhor.A senhora mais velha confessava q muitas mulheres não se casaram porque eram perdidas de amores pelo seu ministro.Parece q hoje em dia já não se liga tanto a homens q só têm duas mudas de roupa, meio atarracados e com um grande nariz.Por fim, tenho que confessar q me deixou intrigada o facto de serem os unicos a receberem instruções para o uso das fardas.Será q tiveram conhecimento da dificuldade na montagem do expositor dos totós?

O Livreiro disse...

É bem provável, é bem provável. Mas, em abono da verdade, não é assim tão mau usar farda. É mau, não há que fugir à verdade. Mas podia ser pior. Acho piada à farda feminina, não tem botões, mais um bocadinho era um top de alças. A clientela agradecia. Ou não, ou não...

Anónimo disse...

Finalmente sr. livreiro! Como sempre um post com bom humor e sagacidade... apenas lhe quero dizer que aqui no meu tasco estremo é com x.... porém considerando que a sua livraria é a twilight zone pode ser que seja com s!!!!
Não esteja tanto tempo sem nos descrever as venturas e desventuras d'el rei tadinho

O Livreiro disse...

Efectivamente, bem visto, bem visto. É bom saber que os leitores sabem ler e escrever, nem toda a gente se pode gabar disso. Quanto a novos episódios, depende só dos clientes. Vamos ver como corre o Natal...