domingo, julho 25, 2004

Pode repetir?

Ah, domingo. Novamente domingo. Quando pensamos que todo o mal já passou, eis que chega o domingo. Tão perto da folga e ainda assim, tão difícil, tão pesado. Com este calor abrasador, a loja está literalmente às moscas, estão invariavelmente mais empregados do que clientes. Mas, como não podia deixar de ser, há clientes que se esforçam para figurar neste singelo espaço. E, com toda a frontalidade, não posso deixar de homenageá-los nem que seja só pelo seu esforço em cair no reino do rídiculo, no rio da estupidez, no céu da idiotice. A estupidez é quando homem quiser. Já pensei sinceramente em criar uma linha de autocolantes. Estes diriam: "EU COLABOREI N'O LIVREIRO!" e eu teria o maior prazer em colocá-los em sítios bem visíveis das personagens que já mereceram a sua eternidade neste blog.
Hoje, já vários clientes mereciam ser galardoados com o dístico d'O Livreiro.  Reparem, agora, ao vivo e em directo, enquanto escrevo estas palavras, chega uma cliente que em voz bem alta pede o livro do Paulo Coelho: "OU SÃO ONZE MINUTOS OU ONZE EUROS, NÃO SEI BEM". Pimba, autocolante contigo. Quem entra numa loja aos berros sem sequer ter a certeza do nome do que quer, é candidata. Secalhar estava à espera de ser elucidada pelo resto dos clientes, ou mesmo pelos transeuntes que passeavam lá fora. Depois, ao pagar, fica chocada porque o livro custa 13,5€. E lá foi ela para a zona do esoterismo, a falar de uma forma completamente imperceptível. Por falar em imperceptível, devíamos ter um aviso na porta que limitava a entrada a clientes com elevado nível de alcoól no sangue. É que não é só pelo distinto bafo a vinho, qual cave do Douro, é pelos altos níveis de dificuldade na compreensão.  Ainda à pouco um cliente (?) antes de sequer por um pé na loja já vinha aos berros a perguntar onde é que era a TMN. Claro que a única parte compreensível para o apurado ouvido humano foi ONDE e TMN, o resto pareceu uma língua extraterrestre, e tive de deduzir o que seria. Eu acho que devíamos mudar o nome da livraria para INFORMAÇÕES. É que passo o dia a fazer trabalho cívico. Uma boa pena para delitos menores seria a permanência numa livraria, imagino os protestos dos condenados. Perguntam-nos tudo. Desde sites na Internet, como comprar pela Amazon, onde é que se arranjam saltos dos sapatos, onde se fazem cópias de chaves, onde é que vendem posters dos jogadores da selecção, onde é que há alfarrabistas, como é que se passam dados duma caneta usb para uma diskette, etc, etc, etc, etc... O meu dever para com a sociedade está cumprido.
Outro caso em que tenho de usar o meu poder de dedução é quando pedem para procurar um livro no computador, mas eu não percebo nada do que me dizem. Respondo com um seguro e confiante: Concerteza, só um segundo. Mas a cada tecla que vou pressionando lentamente vou pensando: Não percebi nada do que a mulher disse, só espero que estas palavras sem nexo que estou a pesquisar deêm qualquer coisa e depressa. Torna-se bastante constragedor ter de perguntar novamente ao cliente. E mais constragedor e aflitivo se torna quando voltamos a não perceber nada! Aí podemos sempre passar o caso a um nosso experiente colega, artista da poesia e formado em Irirologia. Ele sabe tudo. 
A meio da tarde, entra uma senhora na loja e vem directa ao balcão. Estão três pessoas atrás do balcão. Uma foge, a outra é chamada por um cliente. Sobro eu, olho incessantemente para os lados, mas não tenho fuga. "FAZES ME FALTA?" perqunta a senhora. Acho que não, tenho pouca utilidade. Não percebo a problema das pessoas em chegar ao balcão e dizer um cordial "bom dia", seguido de um normal "podia me dizer se tem disponível o livro Fazes Me Falta da Inês Pedrosa?". Porquê? A preguiça ataca, nem para falar as pessoas gostam de se esforçar. Para quê dizer 10 palavras quando se podem dizer 2? Este livro por acaso nem tem um título especialmente curioso. Agora livros como, e aviso desde já que há registos de isto ter acontecido, "Vai Uma Rapidinha?" "Vai Uma Queca?" podem levar a situações verdadeiramente embaraçosas. Tal como a frase, e dita para mim, "PODE ME EMBRULHAR?". Desculpe, mas não tenho papel que chega, vai ter que ir assim. Se quiser um saco cama ou um "body bag" pode se providenciar.
Para terminar, assisti a uma cena verdadeiramente peculiar. Duas jovens brasileiras entram animadas na loja, mas ao lerem livros sobre amizade, saudade, tristeza, amor, vão ficando gradualmente menos contentes, até começarem com uns leves toques, passando depois por tímidos abraços com risos puerís, até que finalmente abraçaram-se como se não houvesse amanhã e choraram, choraram, choraram... Não posso esconder que fiquei um pouco comovido, mas, tive de intervir: "Olhe, desculpem, a novela ainda demora muito? É que eu quero ver a bola..."


5 comentários:

Anónimo disse...

Adoro esse seu colega poeta.

Marisa Cruz

Anónimo disse...

no momento. o silêncio. movimento perpétuo de quem pensa,
ou o esforço de quem o tenta, porem não deixando de ser o acto de pensar, sendo assim, deixemos o homem pensar.

William Gurevitch a.k.a Willy

Anónimo disse...

Olho para ti. Não estas ai. Vejo o teu cheiro vaguear nos contornos da escuridão. É paixão.
Quero sentir o doce e suave sentilar da tua voz. Penso que pensando no acto de pensar, fico com o pensamento transbordante de saudade. Então ai, olho para o céu e chove. Chove nos meus olhos.


Bond

Anónimo disse...

O tipo de clientes que entram na livraria deveriam ser como um livro que nos faz abrir alas ao nosso intelectuo mas cada vez mais tenho a certeza que o intelectuo dos clientes é mais "Morangos com Açucar" numa estação de televisão que em vez de aumentar a inteligência e a capacidade de raciocionio das pessoas, priva as pessoas de pensar diminuido a capacidade de raciocinio, falando por meias palavras, (um pouco broncos), como se tivessem enfiado um capacete que vemos nos filmes de ficção ciêntifica apagando a memória daquilo que é importante tornando-os em animais impulssivos e por vezes sem educação nenhuma...

Anónimo disse...

O tipo de clientes que entram na livraria deveriam ser como um livro que nos faz abrir alas ao nosso intelectuo mas cada vez mais tenho a certeza que o intelectuo dos clientes é mais "Morangos com Açucar" numa estação de televisão que em vez de aumentar a inteligência e a capacidade de raciocionio das pessoas, priva as pessoas de pensar diminuido a capacidade de raciocinio, falando por meias palavras, (um pouco broncos), como se tivessem enfiado um capacete que vemos nos filmes de ficção ciêntifica apagando a memória daquilo que é importante tornando-os em animais impulssivos e por vezes sem educação nenhuma...


Mr. Lontra