domingo, julho 18, 2004

A Oferta

O Homem é um animal (racional, mas só de vez em quando) que está sempre a aprender. Como tal, vou aprendendo bastante acerca da condição humana. E algo que rapidamente aprendi é que a inocente pergunta: "É para oferta?" é das piores ofensas que se pode fazer aos estimados clientes do nosso estaminé. As reacções a tamanha falta de respeito são as mais variadas, indo desde irados "VOCÊ ACHA? É PARA MIM", até sonoros "NÃO! É PARA MIM". Estou sempre à espera do momento em que um cliente que esteja a ter um mau dia descarregue em cima de mim com um "LÁ QUE ME CHAME DE QUADRUPEDE SODOMITA COM LEVES TENDENCIAS MASOQUISTAS E COM AR  HOMOSSEXUAL TUDO BEM, MAS ISSO DA OFERTA PASSOU DOS LIMITES, CHAME JÁ O SEU GERENTE!!". Eu até entendo que certas pessoas ficam ofendidas quando estamos claramente a atentar contra o seu poderoso intelecto. Obviamente que o livro "Fantasias Eróticas" é para o caro senhor! Claro, temos também o caso dos clientes, que eu estudarei com o merecido pormenor noutra ocasião, que não emitem qualquer tipo de som. Eu sei que não se deve gozar com pessoas que tenham deficiências, mas este tipo de casos não pode passar em claro. Ao perguntar se é para oferta, a resposta é um doloroso silêncio, quase sempre acompanhado de um olhar de condenação e um abanar forte da cabeça, da esquerda para a direita. Quanto mais pequeno  o cérebro, mais eles se abanam. E se eles se abanam. E como não podia deixar de ser, quando não pergunto se é para oferta tenho sempre a sorte de o cliente querer que embrulhe e diga "ENTÃO? É PARA OFERTA!!!" também de maneira pouco amiga. Depois temos aquelas pessoas que querem embrulhos estranhos, ou querem 10 livros um em cada embrulho, ou com a capa para trás e ou outro para a frente. Temos clientes que acham que dizer "é para oferta" é muito banal, o que faz com que surjam frases como "dê aí um jeitinho", ou "capriche nisso ok?" ou o mítico "faça me aí qualquer coisinha por favor". Há também aqueles que são de uma simpatia que me ilumina a alma e aquece o coração, que insistem ferozmente que não tirei o preço, só desistindo quando lhes espeto o  preço à frente dos olhos. Mas, se por acaso tive a triste ideia de deitar o preço fora é melhor preparar me porque não seria a primeira nem a última vez que teria de abrir um embrulho para a senhora verificar que afinal o preço não está lá. Claro que o português tem sempre razão (tema que irei também abordar posteriormente) e então é capaz de jurar pela alma da sua mãe que Deus nosso senhor tenha e que repousa  no céu que eu não tirei o preço e que o preço estava lá e que eu tirei agora sem ela ver, ou consegui tirá lo através do embrulho. É, isso mesmo, eu tiro preços de embrulhos fechados. O Olá Portugal até já me convidou, mas gostava mesmo era da ir à Praça da Alegria. E a falta de laço... "E NÃO HÁ LAÇO NÃO HÁ NADA? QUE POBREZA!". Santa indignação! Realmente é vergonhoso, um atentado ao bom gosto, não colocarmos nem sequer dispormos de laços para os embrulhos. Não se espantem se virem um cliente rasgar o embrulho e dizer "NÁO QUERO EMBRULHO NENHUM DÊ CÁ ISSO!!" Ou então também há aqueles embaixadores do bom gosto que franzem a sobrancelha, lançam o braço para o lado e para a frente, dobram a mão para trás (tipo José Castelo Branco) e dizem: "SÓ TÊM ESSE PAPEL? QUE HORROR!" É, de momento só temos mesmo este, o papel ARMANI e o VERSACE já tá esgotado, peço imensa desculpa. Se vier cá amanhã pode ser que já tenha chegado o JOÃO ROLO.
Será que não entendem que eu não gosto e não tenho mesmo jeito para fazer embrulhos? Quando eu pergunto se é para oferta, é uma pergunta retórica, é meramente protocolo. Eu não quero, nem gosto de embrulhar. O mais provável ao tentar fazer um mísero embrulho é sair um coelho de Origami.
Obviamente que há sempre alguém que quer passar os limites da estupidez, que pensa que consegue ir mais longe na anormalidade, que sonha em ir mais além no ridiculo, e consegue. A raça humana é maravilhosa. Testemunhado por um colega, certo senhor entra na loja de livro em riste. Chegando ao balcão, sai  a seguinte  frase: "OLHE, COMPREI ESTE LIVRO NA FNAC, IMPORTA-SE DE EMBRULHAR? É QUE ESTÁ MUITA GENTE NA FILA DA FNAC" Meu amigo, os meus mais sinceros parabéns, você ganhou o prémio. Merecia ser fotografado e colado numa placa comemorativa que diria ANORMAL DO ANO.
Outra coisa também relacionada com as ofertas são as trocas. As pessoas sabem de antemão que têm de trazer o talão para troca. Mas não, saiem-se com respostas como: "OH MEU AMIGO OUÇA LÁ, ISTO FOI OFERTA, ACHA MESMO, MAS ACHA MESMO QUE TENHO TALÃO?" E ficam tremendamente ofendidos. Claro, aí tenho de lhe explicar sobre a incrível invenção que são os talões de oferta, ou então em último recurso tenho de lhes dizer que inevitavelmente, se vão trocar um livro , vão ficar a saber o preço. Ora isto é como dizer a uma criança que o Pai Natal não existe, e já vi adultos lavados em lágrimas por bem menos...                                                         






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