quinta-feira, julho 15, 2004

Onde é que está a camara?

Sinceramente, com toda a honestidade, do fundo do meu pequeno coração literário, eu por vezes penso que vou figurar na próxima edição dos apanhados. É que ocorrem situações que simplesmente são peculiares demais para serem realidade. Estou sempre à espera de, depois de mais um cliente maravilha, ver saltar de trás de uma bancada o Júlio César e o seu companheiro travesti, qual Batatinha e Companhia dos anos 90, ou então o Guilherme Leite, esse paladino do humor em Portugal. Sim, é assim tão irreal.
E porquê? Eis a razão...
Tarde sossegada. Demasiado sossegada para o meu gosto. Quando assim é, sentimos que algo nefasto se aproxima. E não podíamos estar mais certos. Entre uma senhora de meia idade. Folheia pausademente o novo livro de Nicholas Sparks, que está numa pilha de mais de 100 livros na entrada. E eis que, bruscamente, pousa o livro e dirige-se a mim. "Queria levar o novo livro do Nicholas Sparks, por favor", vocifera a senhora enquanto olha para os lados. Aí está, é nesta altura que eu penso: onde é que está a camara para dizer adeus? Alguém me explica o que vai na complexa e impenetrável mente de tal criatura que desfolha um livro durante 5 minutos, o pousa, e em seguida o vem pedir a mim, para o ir buscar ao mesmo sítio onde o pousou? É só de mim ou isto é um pouco Kafkiano?
Outra razão são as várias, e quando digo várias é porque são mesmo muitas, pessoas que pedem um livro, e por acaso o livro não existe na base de dados, ou está esgotado, e as pessoas fazem a seguinte, enigmática e porventura bíblica, questão: PODE VER SE HÁ O LIVRO NA FNAC? Eu não sei, mas eu sou um simples livreiro, sem qualquer voto na matéria, mas eu nunca vi ninguém no Continente a perguntar, quando certo produto está esgotado, se o senhor pode ver se existe no Jumbo. É que uma coisa, seria as pessoas perguntarem se eu achava que poderia haver na Fnac. Mas isto? Concerteza esperam que eu diga para esperar um momento e vá eu próprio até à Fnac ver, é que não me admirava nada se alguma ave rara me pedisse tal coisa. Mas não há limites? Da próxima quando me questionarem sobre isso, vou por as mãos nas têmporas, e como se entrasse em transe, digo à senhora que estou mentalmente a viajar pela Fnac, à procura do seu livro.
Depois, temos o caso das pessoas que pedem as mais variadas coisas que, vá-se lá perceber porquê, não pertencem a uma livraria. Desde posters a jogos, a cartões de telefone, a material de escritório, papel de embrulho, lupas, etc... E claro, jornais. Neste caso não vendemos jornais, apesar de outras livrarias venderem. Mas, reparem, quando hoje indiquei o caminho para a livraria mais próxima com os seguintes termos: A tabacaria é aqui à esquerda, junto aos elevadores, a resposta foi: "AQUI À ESQUERDA? MAS PERTO OU LONGE?" Perto, respondi eu. "MAS PERTO? PERTO, MAS QUANTO?". Oh minha senhora, deixe me já sacar da fita métrica que trago no bolso juntamente com as ferramentas e a tesoura de podar relva que eu meço lhe já isso. Sabe, o shopping tem cerca de 5km, portanto é melhor apanhar o autocarro até lá, não vá apanhar uma cãimbra.
E claro, não posso deixar de referir a senhora que quando recebe o Equador, de Miguel Sousa Tavares, se abraça ao livro como se a sua vida dependesse disso e solta um grito orgásmico. Não se preocupe, se quiser eu arranjo-lhe um cantinho e já pode consumar a sua relação com o livro. Aposto que o Miguel Sousa Tavares iria ficar deliciado.

3 comentários:

Anónimo disse...

Hey, sou o primeiro ! :-)

--João Brázio

Anónimo disse...

e ainda assim despedimo-nos da pessoa, com um ligeiro sorriso nos lábios, simultaneamente articulando os musculos do rosto para proferir palavras como "...de nada", ou "obrigado". Sendo o Vazio algo que nos transcende, o vazio da ignorancia, melhor o excesso de falta de educação, melhor ainda o civismo que peca por estar ausente, enfim, deixa incredulo qualquer um

Marco Fogg

Anónimo disse...
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