sexta-feira, julho 30, 2004

Orgias, comida e passeios...

Não estava a pensar em escrever hoje, mas alguns acontecimentos recentes ditaram esta súbita mudança nos meus planos.
Algo que acontece com moderada frequência são os clientes simpatizarem com os funcionários. O meu colega de serviço teve agora um caso desses. Uma cliente, persistente e resistente, inquiria o meu colega sobre livros de um tal Ziraldo, poeta brasileiro. Durante longos minutos, a senhora delirou sobre astrologia ("os signos são verdadeiros, encontro afinidades em todos eles") e outros assuntos, desde poesia a filmes, passando por música. Quando voltou aos livros de Ziraldo, falava febrilmente sobre o Livro do Maluquinho. Referia-o incessantemente, como se possuída por ele. E cada vez que o dizia, o meu colega acenava com a cabeça, com um ar circunspecto e profissional, tão característico dele. Eu, pelo contrário, tinha de fugir lá para dentro de modo a não perder a postura. Depois de mais alguns minutos infindáveis a debitar informação sobre o grandioso Ziraldo, a senhora diz ao meu colega, num tom, diria mesmo, alcoolizado: "Eu trago lhe o livro de Ziraldo, e vamos aí curtir os dois". É o desvario, o deboche, a estroinice imparável. Uma cliente, um funcionário, o Ziraldo. Uma ménage à trois de pesadelo.
Outro caso recorrente é o do cliente que vai enfardando enquanto entra na loja, faz um pedido, compra o livro e se vai embora. Ininterruptamente a enfardar. Desta vez, o cliente veio acompanhado do seu filho, e dois gelados. Chegado ao balcão, pede o livro enquanto o seu cone se desfazia e caía pela sua indumentária abaixo, tombando desamparado no chão. Em seguida, limpa com a manga de seda o gelado no canto da boca. Há que salientar que até este momento o seu discurso nunca cessou, apesar das evidentes contrariedades. É um verdadeiro lutador, que inspiração. E o seu filho, bom, o que se pode dizer dessa cópia em miniatura do pai, um verdadeiro mini-me bodegão. A criança ia devorando o gelado, com o dito espalhado pela cara, enquanto, à imagem e semelhança do pai, ia deixando a gravidade fazer o seu trabalho, fazendo com que as migalhas fossem caindo inocentemente, quais gotas de chuva, para o soalho reluzente da loja. Pobre Dona Branca, que tem de limpar tudo. Haja respeito por quem trabalha.
Tivemos igualmente a visita de outro personagem caricato. Ao arrumar uns livros, volto me para trás ao verificar que está alguém junto ao balcão. O bater do pé no chão e do dedo no balcão não engana. Ao caminhar rumo a mais uma tarefa, o cliente estica o dedo mindinho e afaga gentilmente as partes baixas. Gracioso. A Paula Bobone teria ficado orgulhosa. Depois, enquanto passava as mãos pela cara ia pedindo livros sobre a Europa. Ao levá-lo ao local dos mapas, disse a seguinte e enigmática frase: "Espero que tenha um bom mapa, porque quero ir pelo melhor caminho quando for para a Europa". Bom, já ouvi muita e boa gente dizer que nós somos um país retrógrado e terceiro mundista, mais daí até considerar-nos fora da Europa… Pensei em dizer-lhe que quando passasse pelo Congo, virasse à esquerda, depois subisse até Marrocos e chegaria à Europa. Mas, temi que não percebesse a piada e mantive o meu silêncio sepulcral acompanhado do meu ar solene, tão característico destas situações. Rigor profissional acima de tudo.
Apareceu também um senhor de meia-idade, acompanhado da mãe com quem vive desde que nasceu, e que estava com sérias dúvidas em entrar na loja. Segundo a senhora sua mãe, este estabelecimento só vendia livros distribuídos por esta empresa. Ele, pela primeira vez na vida, desafiou a mãe e descobriu um mundo novo. Um mundo onde nem só as lojas têm produtos da sua própria marca. Ficou mudado para todo o sempre.
Já ao fim do dia fui abordado por um senhor que queria um mapa de Portugal. Quando questionado sobre que tipo de mapa queria (estradas, político, militar, etc) responde “Ora aí está um bela pergunta… Não sei”. Muito bem. Depois, passa a explicar me o seu caso: “Sabe, é que eu vou atravessar Portugal. Vou fazer uma caminhada. Sabe, a pé? (e faz com os dedos os gesto de caminhar). Devo demorar, 3 ou 4 dias. E não pretendo seguir pelas estradas.” As coisas que se aprendem numa livraria, nunca pensei ser detentor de tamanha e tão poderosa sabedoria. Uma caminhada significa a pé? Fantástico. Nunca me lembraria de tal coisa. Sim, porque depois de 16 anos de ensino, era de estranhar que eu soubesse o que uma caminhada seria. Certa sabedoria só está ao alcance de poucos, e só aos escolhidos ela é transmitida. Sinto me abençoado com esta dádiva.
Agora dêem me licença, que vou fazer uma caminhada até aos livros de turismo que tenho de arrumar umas coisas. Caminhada, mas a pé claro.

4 comentários:

Anónimo disse...

Ser português é:
- Levar o arroz de frango para a praia.
- Guardar aquelas cuecas velhas para polir o carro.
- Criticar o governo local mas jamais se queixar oficialmente.
- Ladie's night à quinta.
- Ter tido a última grande vitória militar em 1385.
- Enfeitar as estantes da sala com as prendas do casamento.
- Guiar como um maníaco e ninguém se importar com isso.
- Viajar para qualquer país e encontrar outro Tuga no restaurante.
- Ter folclore estudantil anual por causa das propinas.
- Ninguém saber nada do nosso país excepto os Brasileiros e os Espanhóis que gozam dele.
- Levar a vida mais relaxada da Europa, mesmo sendo os últimos de todas as listas.
- Ter sempre marisco, tabaco e álcool a preços de saldo.
- Receber visitas e ir logo mostrar a casa toda.
- Dar os máximos para avisar os outros condutores da polícia adiante.
- Ter o resto do mundo a pensar que Portugal é uma província espanhola.
- Exigir que lhe chamem "Doutor" mesmo sendo um Zé Ninguém.
- Exigir que o tratem por Sr. Engenheiro mas não tratar ninguém com outras profissões por Sr. Pintor, Sr. Economista, Sr. Contabilista, Sra. Secretária, Sr. Canalizador, Sra. Cabeleireira, ...
- Passar o domingo no 'shopping'.
- Tirar a cera dos ouvidos com a chave do carro ou a tampa da esferográfica.
- Axaxinar o Portuguex ao eskrever.
- Ir à aldeia todos os fins-de-semana visitar os pais ou avós.
- Gravar os "donos da bola".
- Ter diariamente pelo menos 8 telenovelas brasileiras na TV.
- Já ter "ido à bruxa".
- Filhos baptizados e de catecismo na mão mas nunca pôr os pés na igreja.
- Ir de carro para todo o lado, aconteça o que acontecer.
- Ter evacuado as Amoreiras no 11 de Setembro 2001.
- Lavar o carro na fonte ao domingo.
- Não ser racista mas abrir uma excepção com os ciganos.
- Levar com as piadas dos brasileiros, mas só saber fazer piadas dos alentejanos.
- Ainda ter uma mãe ou avó que se veste de luto.
- Ter a mãe ou a avó com Maria no nome.
- Ir a Fátima com a família pelo menos uma vez por ano.
- Ser mal atendido num serviço, aborrecer-se mas não reclamar por escrito "porque não se quer aborrecer".
- Viver em casa dos pais até aos 30.
- Acender o cigarro a qualquer hora e em qualquer lugar sem quaisquer preocupações.
- Ter bigode e ser baixinho(a).
- Conduzir sempre pela faixa da esquerda da auto-estrada.
- Ter três telemóveis.
- Jurar não comprar azeite Espanhol nem morto, apesar da maioria do azeite vendido em Portugal ser Espanhol.
- Deixar a telenovela a gravar.
- Organizar jogos de futebol solteiros e casados.
- Ir à bola, comprar "prá geral" e saltar "prá central".
- Gastar uma fortuna no telemóvel mas pensar duas vezes antes de ir ao dentista.
- Super-bock, tremoços, caracóis e marisco.
- Cometer 3 infracções ao código da estrada em 5 segundos.
- Algarve em Agosto.
- Ir passear de carro ao domingo para a avenida principal.
- Ser adolescente e dizer "prontos" no fim de cada frase.
Ser adulto e dizer "É assim:" no princípio de cada frase.

L.F.

m disse...
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Anónimo disse...
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Anónimo disse...
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