quarta-feira, setembro 01, 2004

Uma Lição Valiosa

Aqui está o Livreiro, de volta novamente para o servir. Ou tentar. Não garanto nada.
Diversos indivíduos vivem com a concepção errada que eu, mero Livreiro, sou o engraçadinho do estabelecimento. Enganem-se todos os que pensam assim, pois o meu colega Greenpeace é um doidivanas. Cada cliente é um júri, e ele, qual artista a ser observado, dá o se melhor na nobre ânsia de entreter o cliente. Vejam o mais recente exemplo, e atentem bem a sagacidade e capacidade humorística deste rapaz. Uma senhora já com uma idade respeitável adquire dois livros. Eu pergunto se ela deseja que os livros sejam embrulhados, ao que ela responde: “Não, não, ponha só um laço”. Aí, ele decide intervir. “Laços não temos”, diz ele… “Mas, se desejar, posso embrulhar com fita-cola!” E começa a rir-se perdidamente. Eu olhei para a senhora que por sua vez, o mirava estupefacta. Ao olhar para a cliente e verificar que ela não estava a rir-se com ele, riu com ainda mais força. Este homem é genial. Já no outro dia, ao ser inquirido sobre se tínhamos “fita cola dos dois lados” também não conseguiu conter o riso. Mas, quem sou eu para o censurar? Ainda hoje, mais um miúdo que não sabe o significado da palavra educação aproximou-se do balcão, interrompendo a cliente que estava a falar, e pediu bem alto: “Tem Pickles?”. Eu sei que existe uma BD com esse título, mas, num momento de fraqueza, não consegui suster o riso. Ele não me levou a mal. Mas, a genialidade do Greenpeace não fica por aqui, não senhor. Ele chega mesmo a desejar Bom Natal às pessoas... Em pleno Verão! É o maior. O hábito de interromper, tanto a mim como os clientes, é típico da juventude. Também hoje um jovem já na casa dos 13 veio ao balcão todo decidido e, sem sequer saudar o Livreiro ou esperar que a conversa entre o funcionário e o cliente anterior cessasse, perguntou: “OLHE TEM LIVROS POLICIAIS, OU DE SUSPENSE?”. Sim, temos o PUTO QUE CHEGOU À LIVRARIA E NÂO DISSE BOA NOITE E FOI CORTADO AOS PEDAÇOS E ESCONDIDO NAS GAVETAS DESSA MESMA LIVRARIA. Um best-seller. Mas, não era do seu agrado.
Ainda relativamente a embrulhos tenho que focar outro ponto. Queixo-me constantemente da falta de cultura do povo português. Mas, cada vez mais provam-me que estou errado. Os livros não podem ser só para oferta. Podem ser embrulhados, para prenda, para oferecer, para dar, para presente, para fazer um embrulho, por um laço, caprichar um embrulho, dar aí um jeitinho, enfim, o meu léxico não é de maneira alguma tão abrangente como o dos estimados clientes. E depois, temos aqueles clientes que dizem: “Pode embrulhar-me?” ou então o já clássico homem que agarra as partes baixas, remexendo as em círculos enquanto diz: “Pode-me embrulhar?”. Falando em classe, temos o inolvidável momento em que um cliente, mais uma vez, pergunta se pode rasgar o invólucro do livro. Respondi que sim, que não havia problema, e o cliente, qual predador, estica a famigerada unhaca do dedo mindinho, e num só gesto, num único e mortífero gesto, desfere o golpe que dilacera o invólucro. A natureza em acção, e eu a assistir, privilegiadamente, no lugar da frente.
Verão é sinónimo de invasão estrangeira. A loja enche-se de espanhóis, divertidos nas suas excursões. Sim, porque é tão perto que eles nem se digam a dormir. Nem sequer turistas se podem considerar, mas sim excursionistas. Acho que foi a única coisa que aprendi no curso. O gasto e a permanência média dos espanhóis é mínimo. E isso reflecte-se na venda de livros aos nuestros hermanos. Vêem muito, compram pouco. Mas quando paga com Visa, há que lhes dar o mérito, mostram sempre o B.I. Outro grupo que invade as terras lusas são os emigrantes. E estes detectam-se à distância. Seja pelo sotaque, pelas roupas ou pelas escolhas literárias, são facilmente reconhecíveis. Um casal de emigrantes aparece no balcão com o livro da Cristina Candeias, essa Messias do povo luso emigrado, vidente dos trabalhadores além fronteiras, feiticeira das donas de casa. O livro dela é muito procurado, e quase sempre por emigrantes. Pousam o livro na mesa, e dizem que é para oferta. Segundo eles, o livro ia para Paris, para uma tia-avó que não pode sair de França pela idade. E queriam que deixasse o preço, não fossem ser acusados de burla. Ela, longa cabeleira falsa de cor branca, que combinava com as suas bota de pele branca, que por sua vez contrastavam com o seu vestido azul espampanante, frontispício colorido por camada atrás de camada de maquilhagem. Ele, com o seu porta-chaves do Peugeot 206 muito provavelmente todo artilhado. Outros emigrantes que tiveram aqui, levaram o livro da Alexandra Solnado, Este Deus Que Vos Fala. O interesse deles pela “cabritinha” (é o nome que Deus lhe deu, eu não invento nada) era muito. Então, dei-lhes os dois volumes. Queriam que embrulhasse, mas que não tirasse o preço, porque era para levar para a Suíça. E, segundo eles, na Suíça não há nada disto. Pensei em alertar imediatamente as autoridades Suíças, com a esperança que o país não fosse corrompido. Seria logo dado o Alerta Vermelho. Curioso… Na Suíça não há. Ora, isto explica muita coisa. A Suíça, um país mais desenvolvido, com melhor nível de vida (isto se não contarmos com a parte militar claro…) não tem estes livros. Qual será a ilação a tirar?

1 comentário:

Anónimo disse...

olaré!