terça-feira, setembro 07, 2004

Cheira a Lisboa

Existe um livro chamado SELECÇÂO NACIONAL DE FUTEBOL - NÚMERO, FACTOS, NOMES… Junto ao balcão tínhamos uma publicidade, em cartão, com a capa do livro: uma camisola encarnada com as cinco quinas. Este facto, só por si, não encerra nada de especial. Mas, certo dia, uma tia acompanhada de crianças e jovens (Salvador, Lourenço e Martim, entre outros) entra na loja, causando um grande alvoroço. Entre gritos e desarrumação, chega finalmente ao balcão. Desde logo começa bem, interrompendo o meu colega, enquanto este atendia outro cliente. Depois, quando já tinha toda a atenção e quando o colega começou a falar, atende o telefone, começa a falar aos berros e vira-se de costas, ignorando-o totalmente. Quando termina, volta a falar com ele. Nem um mínimo pedido de desculpas, nem nada que se assemelhe. Ela, olha para o cartaz do livro, e pede um exemplar. Examina-o detalhadamente, e pergunta: "Onde é que está a camisola? Posso ver?". O meu colega pensou durante uns segundos, não percebendo o que se estava a passar. Ao ser inquirida sobre a que camisola é que se referia, respondeu: "A camisola, a oferta do livro!". O meu colega explicou que não existia qualquer tipo de oferta com esse livro. A senhora enfureceu-se: "Desculpe, está aqui o cartaz com a camisola, onde é que está a camisola? É uma oferta." O colega, pacientemente, explicou que a camisola é a capa do livro. A tia voltou insistir que era uma oferta. Confusos, saímos de trás do balcão e fomos confirmar o cartaz. Onde a senhora dizia que algo mencionava uma oferta, só encontrámos o titulo do livro. Mais nada. Quando finalmente cedeu, entre mais um telefonema e alguns berros para os miúdos, não quis levar o livro, porque "Não vale a pena sem a camisola". Quando pensámos que a situação ia acalmar, eis que chega um dos miúdos que a acompanhava, com o livro na mão: "Onde é que está a camisola?". Não há qualquer camisola, respondi eu. "Mas a minha tia disse que havia...". Enquanto ele perguntava, os outros juntaram-se a ele, desejosos de ver a tal camisola. Saíram bastante frustrados, enquanto a tia lá berrava em mais um telefonema.
Também relacionado com futebol, aconteceu outro caso. Numa manhã calma, em que estou sozinho no balcão, entra um senhor e um jovem O senhor, com um ar distinto, lança um olha desconfiado para um livro e prontamente dirige-se a mim. "Bom dia, podia me dar uma lupa, se faz favor?" diz o senhor. Uma lupa? - Pensei eu... Boa, que bela maneira de começar o dia. Isto promete... O senhor continuou: "Sabe, é que está ali um livro sobre o futebol de Lisboa, e eu acho que estou na bancada." A imagem em causa está bastante desfocada, não se consegue diferenciar ninguém. Mas o senhor queria mesmo tentar. Aí, começou a discursar sobre o campo (não era um estádio, mas sim um campo), sobre os locais onde se podiam sentar os ricos e os pobres, e sobre a magia do futebol. Como não podia deixar de ser, demonstrei o meu alargado conhecimento sobre a matéria em questão, deixando o cliente visivelmente impressionado. Depois de me fazer umas perguntas, e eu ter respondido acertadamente a elas, vira-se para o jovem, dá lhe um valente calduço, deixando-o cabisbaixo, e exclama: "Estás a ver?! Este jovem sabe o que é futebol. Não é como tu, tens a mania que a bola era quadrada antigamente! Assim dá gosto falar de futebol com o jovem. Vê se aprendes!". O jovem ficou cada vez mais embaraçado enquanto o cliente prosseguia com o seu discurso apologista do futebol que se praticava nas décadas de 60 e 70. Despediu-se, manifestando o seu contentamento por falar comigo, e saiu, sempre a criticar o filho.
Um livro com algum sucesso é o livro com fotografias panorâmicas sobre Lisboa. Grande parte das compras do livro destinam-se a ofertas, e devo dizer que é um belíssimo presente. Com essa intenção, um senhor com a sua mãe idosa (já mencionados em crónicas passadas) trouxe o livro até ao balcão, no sentido de tirar o plástico e observar melhor o livro, para ver se era digno de ser oferecido. Depois de retirado o plástico que envolvia carinhosamente o livro, começaram quase imediatamente a folhear o livro. Cuidadosamente passavam página após página, acompanhando sempre cada foto com um sonoro "AHHHHHHHHHHHH" de espanto. Os comentários eram qualquer coisa como: "Ah que fabuloso, incrível, maravilhoso, o máximo!". Até que chegam a uma fotografia que consiste em Lisboa vista do Tejo, com uma magnífica vista das colinas. Observam lentamente a foto, uma e outra vez, comentando: "Ah... Este fotógrafo é mesmo o máximo. O máximo. Tirou estas fotos tão boas, escondendo o que está por trás dos montes. Sim, por trás dos montes. Por trás destes montes, para aqui, (dizia isto enquanto gesticulava à imagem e semelhança de Cláudio Ramos) isto aqui por trás é TUUUUUUUUUUUDO badalhoqueira. Para esquerda e para a direita, só badalhoquice! Um HO-RROR!". A perspectiva sociologica do cliente era deveras interessante e digna de registo. Quem sabe se um dia não lança um livro?

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