quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Doutor Livreiro

Não há que negar os factos, especialmente quando eles são por demais evidentes. O Benfica é o maior. Além disso, há clientes que continuam a levar mais longe a tarefa de entreter o vosso excelso livreiro.
Temos aqueles clientes cujo sotaque é algo de único. Tudo bem que McGraw-Hill pode ser um pesadelo para as línguas mais enferrujadas. Dostoievsky também não é pêra doce e Pais Brilhantes, Professores fascinantes não é um nome fácil de decorar. Assim como Quem Mexeu No Meu Queijo. Mas há clientes que abusam. Hoje um cliente, pelo telefone (e sabem bem como eu fui feito para falar ao telefone…) além de trocar os R’s pelos G’s (Tguês, Quatgo, Ggande, Livgo, etc) dizia me que tinha o izebene do livro. Eu não percebi, e ele continuou: “Quer o IZEBENE?” O que ele queria dizer, cheguei eu à conclusão, era ISBN (International Standard Book Numbering). Ele parecia uma serpente, IZEBENE IZEBENE, sibilava sem parar. Não havia nada do que ele queria, acho que o aldrabaram.
Depois temos aqueles clientes que fazem de nós conselheiros, confidentes, e, imagine-se, até médicos. Não é raro encontrar clientes que perguntem a melhor cura para o mal de que actualmente padecem. E há também aquela senhora que sempre que vem cá conta que a prima partiu o externo e o filho partiu o dedo e ela está com pneumonia e a irmã deslocou o ombro e o marido tem dores nos rins. Essa é uma das nossas favoritas. No outro dia, estava eu descansado a tomar o pequeno-almoço na Fnac (Queria uma “ironia” para a mesa 7, se faz favor…) e lá estava ela a desabafar com a funcionária de serviço porque a família estava toda doente. Acontece de tudo. Ainda ontem, chegou uma cliente ao balcão com o já mítico livro “A Saúde Pela Argila”. Pousou o livro no balcão, e assim que eu o alcancei para proceder ao habitual registo, ela intercedeu. Perguntou-me, sem medo: “Desculpe, tem mais livros parecidos com este?”. Eu aí tive de admitir a minha ignorância e dizer que não percebia nada. Fui ver, ainda assim. Mas, em vão, não havia mesmo nada. Quando voltamos ao balcão, a senhora volta ao ataque: “Não tem mesmo nada?” Aí está, a pergunta do costume. Ela foi lá comigo. Viu. Viu que não tínhamos. Eu disse-lhe que não tínhamos. Mas ela ainda insistiu. Porque eu, verdadeiro Atila das livrarias, gosto de esconder livros dos clientes. Enfim. Ela continuou “Sabe, é que eu precisava mesmo desse livro… Não sei se reparou, mas eu tenho um pequeno problema de pele” E aponta para cara, totalmente vermelha. “Não, isso mal se nota, veja lá que nem tinha reparado”, respondi eu, tentado disfarçar. Lá partiu só com aquele livro da argila, espero que lhe faça bem.
Depois tive a visita de uma personagem que já não via há muito tempo, uma velha conhecida dos tempos gloriosos desta loja. Quando a vi o primeiro pensamento que tive foi em adiantar a hora de almoço, mas não havia nada a fazer, porque estava, mais uma vez, sozinho na loja. “BOM DIA SENHOR!” diz ela no seu tom altamente elevado de voz. “GOSTO DE FUMAR CACHIMBO, CHEIRA A CACHIMBO. O LIVRO DA MARYLIN QUE ESTÀ NA MONTRA?” Era o único, então tive que ir à montra. Acho que nunca tinha aqui abordado a problemática da montra. Imaginem estar dentro de um aquário, mas sem água. Com as pessoas a olhar na parte de fora. É tipo oceanário, a diferença é que o tubarão não fica com o rabo colado no vidro, como nós ficamos. Muito bom. E claro, convém mencionar que os seguranças mal vêm pelas suas câmaras semi-ocultas que se encontra alguém a mexer na montra no horário de expediente (o 2º pecado no manual do bom lojista de grande superfície e semelhantes) vêm logo a correr dar os seus sermões. Claro que um homem que tenta dar um sermão enquanto está constantemente a receber transmissões estranhíssimas e passíveis de ser interpretadas de variadas formas não pode ser levado a sério. A senhora ficou altamente chocada por não termos o livro, “NÃO SE PERCEBE SENHOR!” dizia me ela e com razão. Depois foi procurar livros na zona da culinária e eu continuei em paz a tratar dos meus assuntos.
Finalmente ela dirige-se para o balcão com um livro sobre cozinha vegetariana. Vinha a sorrir, parecia estar num dia bom. Quando posou o livro no balcão, não hesitou em encetar uma amena conversa: “Isto da saúde… Só nos preocupamos quando a perdemos…” E sorriu para mim. Eu, como bom rapaz que sou, respondi que sim senhor, tinha toda a razão, que é sempre assim. Então, sem nada o fazer prever, a sua cara muda totalmente e começa a gritar: “O QUÊ?! VOCÊ SABE LÁ O QUE ESTA A DIZER! VOCE É JOVEM, TEM SAUDE! SÁBE LÁ O QUE É A DOENÇA! VEJA! VEEEEJA!” Neste momento, ela puxa a camisa com toda a força mostrando o pescoço e o peito, revelando uma valente cicatriz. Se ela puxasse mais um bocado a camisa teria que colocar uma bola vermelha no canto do ecrã. “FUI OPERADA AO CORAÇÃO! VOCÊ É JOVEM! SABE LÁ DO QUE ESTOU A FALAR!”. Levou o livro, furiosa, e saiu. Ainda pensei que lhe ia dar um ataque. Outro. Enfim.
É o normal. Seja lá o que isso for.

1 comentário:

Anónimo disse...

goto tanto do BrocasportrazMountain...
Ass: Anonimo gomes