quarta-feira, outubro 27, 2004

Quero um post só para mim!

Atenção. Preparem-se. Não, não é o Bush que vem aí roubar o vosso petróleo. Pelo menos ainda não. Digo eu. É algo de muito maior e mais importante. Ajoelhem-se perante a maior personagem que alguma vez colocou o pé no nosso estabelecimento.
Faltavam apenas 10 minutos para as 23 horas da noite. Já conseguia avistar ao longe a hora de me ir embora, e corria para ela com todas as forças. O dinheiro contado, a caixa pronta a fechar, em 5 minutos estaríamos longe dali. Mas, eis que aparece algo que vai arruinar todos os meus grandiosos planos de fuga. Nem sei bem o que lhe chamar, é algo maior do que tudo o que já vi naquela loja. Ainda hoje à tarde pensei estar a alucinar. Olho para a secção de literatura estrangeira e vejo um gigante louro a puxar a cadeira para se sentar lá. No mínimo estranho. Depois, ao olhar melhor, vejo um gigante louro que parece me ser o Peter Schmeichel, famoso guardião do Manchester United e que teve uma passagem pelo Sporting. Aí pensei: Preciso de descansar, ando a trabalhar e a ver futebol a mais. Mas não, era mesmo ele. Bom, pensei que aqui já tinha ganho o dia, mas nada me podia preparar para o que veio ao fim da noite.
A senhora chega ao balcão com um livro na mão, já meio cambaleante. Pergunta por livros de acupunctura e o sempre profissional Greenpeace acompanha-a até à secção correspondente. Começam numa conversa animada sobre idades e idades dos pais. E ali fico eu, a contar a caixa, sossegado da vida. Quando eles voltam começa o espectáculo. Primeiro, começa a atacar violentamente e, há que dizer com toda a frontalidade que a cliente merece, com muita piada, chegando mesmo a imitar perfeitamente expressões corporais levando o público (eu e o Greenpeace) ao delírio. Os ataques verbais à colega eram violentos e incisivos, e toda e qualquer tentativa de defesa da nossa parte tornava-se imediatamente infrutífera. Desde focar o seu lado intriguista, a falar do que ela fez noutra loja, das confusões todas, da falta de sexo, e de haver probabilidade de ela se fazer a todos, ela estava em toda a parte. Não falhava uma, tremendamente implacável. Aí, começa a falar da sua vinda a este centro comercial. Dizia ela: “Olhem, eu, eu andava aí a passear e só dizia: mas esta merda cheira a frango, este centro comercial cheira a PODRE. Olhem, fui a ver era eu, é o frango que trago dentro deste saco!” Tenho que salientar o facto de que metade das coisas que dizia eram acompanhadas de um enrolar teimoso da língua e uma diminuição do volume e intensidade da voz à medida que ia falando. Eu lá ia contando o dinheiro e ela ia dizendo: “O seu colega está a contar o dinheiro. Está com pressa. Deve estar a pensar: esta gaja vem me para aqui falar e nunca mais se vai embora. E imagino. Eu vou me embora e vocês desatam a dizer: Já me viram aquela louca? Sim, porque eu trabalho no Egas Moniz, já estou louca.” Mais uma declaração acompanhada de um riso impossível de conter. Depois falou do seu hospital, como o governo quer que os hospitais dêem dinheiro e não prejuízo. Mostrou-se totalmente contra: “Eu disse ao meu chefe: olhe, se isso é verdade então eu empurro-me da janela. Os colegas perguntaram-se estava louca, disse que sim.” Por diversas vezes demonstrou o seu desagrado com a sociedade em que vivemos: “Esta vida está uma merda. Este país, está uma merda. Vocês jovens e formados e estão aqui. Acham justo? Eu não!” Nós assentimos, ela continuou. “E há muitos jovens perdidos, e o casamento. Olhem eu casei me com 21 anos. Com um homem 20 anos mais velho!” Nós sorrimos, dissemos que não havia problema nisso. Ela respondeu: “Há pois, ele morreu à 3 meses, teve um enfarte.” Silêncio… Ela continuou, como se não fosse nada. “A diferença não se notava. Eu ia com ele e com as minhas filhas, ainda nos carrinhos de bebé para as discotecas. Se calhar é por isso que ela odeia discotecas. Por falar nisso, já viram aquelas velhas de saltos e mini-saias nas discotecas? A engatar homens mais novos, miúdos! Depois Caiem e partem-se todas mais as artroses e o carago.” Não parava: “Já se faz tarde e vocês querem fechar isto, dê-me lá a Farah Diba e um livro de Ioga e Acupunctura. Sabem, os americanos têm pistolas de acupunctura. E fazem tudo sozinhos. Self made man. Não posso quando os homens de 30, 40 anos andam para aí a chamarem MAN uns aos outros, parecem uns putos. Mas os americanos é que sabem, fazem tudo sozinhos. Aqui se somos mais inteligentes que os outros somos fornicados pela sociedade!”. Nos íamos sempre dizendo que sim, na ânsia que a senhora se fosse embora. Mas não. “Você tem cara de sono” Dizia ela para o Greenpeace. “Eu estou aqui a dizer parvoíces e nem se ri. Você tem um olhar meigo”. Eu acrescentei, disse que ele era um bom profissional, ao que ela retorquiu: “Não, ele tem um olhar meigo, você tem um olhar sério!”. Sou o livreiro, não há mais nada para dizer. Consigo trouxe também um livro de Tai Chi. Olhou demoradamente para a capa e disse: “Olha a figura de parva desta! Parece uma anormal de braços levantados. Se isto dá felicidade vou ali já venho. Olhem, tenho um amigo oftalmologista, que queria reformar-se, então fingiu que era louco e chegou um paciente e disse lhe ah dou.. eu.. .sei.. não.. Uma nuvem e… sint… olho… mal… sabe?” Isto foi exactamente o que ela disse, nós também não percebemos. E continuou: “Bem, quando os pacientes diziam isto, ele respondia que também tinha muitos problemas. Assim, arranjou, em vez da reforma, um processo disciplinar. Devia-se atirar da janela” O que é que isto tem a ver com Tai Chi? Nós também não sabemos. “Mas olhem bem para ela, parece uma mongolóide (e imitava as poses da mulher!). Parece é a vossa amiga! Eu sei que vocês estão desejosos de ir.” Não, não diga isso… Finalmente conseguimos passar o livro, depois de muita conversa e ela diz: “Tanto dinheiro? Tão me a mexer na carteira! Este país está mesmo mal. Os jovens não têm dinheiro para nada. Tem de levar uma vida horrorosa. É só comer, dormir, trabalhar e ir à casa de banho. Acham essa vida boa? E essas notícias, que dizem que o mundo está em crise, é tudo mentira. TUDO. Eu estive na Europa, e até na vizinha Espanha não é assim! Portugal é o país da Europa com mais psicoses! Lá em casa, quando dão as notícias digo: DESLIGUEM ESSA MERDA! Têm televisões no quarto, usem-nas. Mas eu sei. Quando são jovens não gozam, depois não reparam, mas quando chegarem a velhos vão ver!” Isso é tudo muito interessante, pensava eu, mas agora posso fechar a caixa? Ao fechar a caixa disse: “Lá está ele a contar o dinheiro. Então isso está bem? Se não estiver bem, diga ao seu gerente que estiveram a aturar uma maluca necessitada e com problemas, uma maluca. Bem, o que até é verdade, eu sou maluca. Querem um conselho? Nunca se exponham demasiado, como eu fiz aqui agora. Mantenham-se discretos.” Depois voltou ao Tai Chi: “Sabem o que quer dizer Tai Chi?” O Greenpeace saiu-se com uma boa: “Não, o que é?” e a senhora: “Não sei, por isso é que perguntei” e ele: “AH. Pensei que fosse explicar!” ao que a cliente responde: “Não, não perguntei a si, perguntei a alguém que me explicou. E é o seguinte: Significa caminho para a energia, através da mão e do pé. É.” Depois olhou para o livro de acupunctura e diz: “Olha para este homem Se isto é saudável vai lá vai! Que feio!” Depois centrou a sua atenção no livro de Yoga: “Epah, estas orientais são mesmo bonitas.” Greenpeace não se conteve mais uma vez e chamou a atenção da senhora para o facto de a rapariga da capa não ser oriental. A reacção foi a que passo a descrever: “Pois, não me admira. Elas são todas bonitas assim. O meu irmão uma vez dormiu com uma mulher e quando acordou no dia seguinte disse: O QUE É ISTO!!! E só lhe apetecia saltar pela janela. Daí em diante disse me que quando saísse com uma mulher queria que ela se lavasse primeiro, para ver como ela realmente é. Disse que ele era louco, que elas não fariam isso.” Temos portanto um problema congénito. E já vimos também que a cliente tem um fetiche com atirar-se ou alguém se atirar das janelas. Ao caminharmos para a porta, ela sempre a acompanhar-nos disse o seguinte: “Desculpem estar aqui sempre a falar, só não me cai a dentadura porque não é placa!” E riu-se. Nós ficámos serenos. Ela abana o braço do Greenpeace e exclama: “NÃO ME CAI PORQUE NÃO É PLACA! PERCEBEU? É UMA PIADA! PI-A-DA! VOU DIZER OUTRA VEZ: NÃO ME CAI PORQUE NÃO É PLACA!” Depois, contou um bonito caso da vida real: “Por falar em dentadura, lá uma rapariga que é assistente social foi a casa de uma senhora de idade, e ela tirou a peruca, a prótese do olho e a dentadura. Quando a assistente social a viu saiu a correr pela porta!” Aí está, eu era para acrescentar que ela tinha se atirado pela janela, mas desta vez não. E riu-se, perdidamente com a sua história. Há que frisar que neste momento já eram 23:45, já a maior parte das portas do centro comercial se encontravam fechadas, o que me obrigou a dar uma grande volta. E eis que, finalmente, largou-nos e foi à sua vida. Mas deixou um bocado dela, e nós agradecidos. Volte sempre, o meu blog necessita de si!

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