sexta-feira, outubro 01, 2004

O Regresso do Livreiro

O Livreiro Contra-Ataca, Um Novo Livreiro, O Livreiro Fantasma, O Ataque do Livreiro, etc, já perceberam a ideia. Voltei. Depois de um interregno (demasiado longo, em abono da verdade) eis que volto a teclar, que é o que faço melhor. Aliás, é única coisa que faço. E agora que penso nisso, não faço nada bem. Raios.
Pois bem, porquê a minha ausência? Mudança é a palavra que melhor define a situação. Saiem pessoas, entram outras, mas o sentimento de ausência não desaparece. Boa sorte, LFL, és grande. Depois surgiu um novo período de ambientação, e agora tudo correr pelo melhor. E o trabalho tem sido tanto que nem tem dado para estar atento às personagens do balcão. Mas que existem, existem. A minha relutância em escrever estava a tornar-se deveras incomodativa. Até que hoje, uma senhora mudou o meu destino...
Depois de um início de tarde caótico, com três nobres e bravos trabalhadores atrás de um balcão, chegou a calma mais que merecida. Então, depois de alguns minutos em que a loja permaneceu quase tão vazia como a galeria de troféus do Sporting, entrou uma tia e a sua filha juntamente com uma amiga. E lá estavam elas, junto às novidades a debitar informação e conhecimento literário. Até que se decidem pelo Bosque dos Pigmeus. Nada mal. Ao aproximar-se do balcão, a senhora parece começar a coxear, e acompanha os passos vacilantes com uns sonoros: "Ai.. Ai.". Fiquei ligeiramente assustado, tenho que confessar. Ao chegar ao balcão, diz, gemendo e por entre dentes: "Tem um penso?". Nesse momento, acho que terei feito a maior cara de parvo da minha vida, pelo olhar da senhora. "Tem um penso?" Repetiu ela "Ai.. É que estou a sangrar". Bom, pensei em ir à carteira buscar o Evax para emergências, mas a senhora interrompeu-me, dizendo: "Ai.. Tem um lenço de papel, ou um pano? Ai." E eu respondia sempre negativamente. Ela insistia: "Ai. Mas não tem nada?". Respondo negativamente novamente, e é aí que entra em cena a filha. Chegada perto da mãe, olha para esta, leva as mãos à boca, talvez para suster o vómito e diz: "AAAAAAAH, mãe que é que lhe aconteceu? Que horror mãe!". A resposta foi célere: "Filha, bati com o pé em algum lado, estou a sangrar muito, muito, ai. Ai.". A filha, assustadíssima retorquiu: "Sente-se mãe!" Ao sentar-se, a senhora, como se fosse o seu último desejo pede: "Filha, vai aí à loja da frente (Vista Alegre) e traz me um pano, vai." Pensei que ia acrescentar que se morresse, que nunca deviam esquecer a mãe, mas ficou por ali. Depois, a muito custo, lá se levantou e se dirigiu cambaleante para o balcão, de livro em punho. Quando pego no livro para passar na máquina, diz me: "Olha, deixe estar, já cá volto, estou AGONIADA." E saiu. Obviamente que não voltou. O sangue perdido deve ter sido demasiado. Que Deus a tenha. E, muito obrigado, onde quer que esteja, pelo trabalho a que se deu para eu voltar a escrever no meu blog. Estou infinitamente agradecido, mas não era preciso chegar a tanto.
As loucuras continuam. Enquanto arrumava a secção do turismo, devido a factores internos, e depois de cuidadosamente ter removido um por um dos livros da prateleira e me encontrar em cima do banco a colocá-los novamente um a um, e usando orgulhosamente o meu distintivo de livreiro, eis que surge da bruma um homem que sem qualquer tipo de aviso dispara: "trabalha aqui?" O não ecoou a minha cabeça, olhei duas e três vezes para a criatura, mas decidi ficar pelo sim. Ele ficou surpreendido. Já hoje, enquanto carregava uma pilha de livros, uma senhora perguntou-me simplesmente: "É funcionário?". Simples, mas terrivelmente eficaz na idiotice. O oposto voltou a acontecer, com uma jovem loura que parecia perdida numa meio da loja a ser abordada violentamente por uma professora que procurava a Agenda do Professor. Ela levantou os braços, e dise: "Não, não, não trabalho!". E fugiu amedrontada da loja. É para sentirem na pele o que nós sofremos no dia a dia.
Nem tudo é o que parece, e o seguinte caso que passo a relatar mostra mesmo isso. Um homem, talvez ainda abalado por ter ultrapassado a barreira dos 30, queria um livro para uma menina de 10 anos. Bom, lá fui eu com ele até ao local onde tais livros crescem, e indiquei-lhe alguns. Como sempre, não pareceu minimamente convencido. Aí, pensei em puxar dos galões, e assim fiz. Dei-lhe o Diário da Princesa. É um diário, é cor-de-rosa, tem uma princesa. Parece-me bem. Ele olha cuidadosamente para o livro, examina-o detalhadamente, primeiro perto e depois longe dos olhos. Até que me entrega o livro e diz: "Não, este não. É muito perigoso." Claro, quando disse que o título era o Diário da Princesa, queria mesmo dizer que o título é Diário da Princesa Assassina e Terrorista Que Tenta Conquistar o Mundo Através de Atentados Em Nome de Satã e Do Batatoon e Que Demonstra Têndencias Homicidas e Suícidas e um Amor Doentio Por Bananas". Se fosse para uma menina minha conhecida também não comprava.
Para finalizar, atendi um casal já quase a entrar na 3ª idade que queria roteiros de Lisboa. Ao levar-los ao local e entregar-lhes o respectivo livro, tentaram pagar-me ali, no local, longe do balcão. E não saíam de lá enquanto não aceitasse o dinheiro. "Quanto é? Quanto é jovem? Diga lá quanto é." E eu expliquei-lhes que tinha de passar o livro na máquina, mas nem isso os demoveu. Nem sabem o quão persistentes podem ser, estes velhinhos inocentes.
Ah... É bom estar de volta...

1 comentário:

Anónimo disse...

Dasssssssss, De volta e a bombar... 97%

Senhor professor