quarta-feira, junho 14, 2006

Só Às Vezes...

Há que dar mérito à Margarida Rebelo Pinto. Eu sei, eu sei, é uma maneira bombástica, diria até quase surreal, de iniciar um post, mas o que é para ser dito tem de ser dito. E porquê? Por causa da fita que fecha o seu mais recente livro, “Diário Da Tua Ausência”. A fita, de cor bordeaux, é a principal atracção do livro. Senão vejamos, esta aparentemente inocente e simples fita serve muitos propósitos. O mais óbvio é manter o livro fechado, para não corrermos o desnecessário risco de queimarmos alguns neurónios. Mas, se por acaso, por alguma tentação mórbida e fetichista decidimos retirar a fita e ler o livro, temos duas hipóteses: Ou usamos a fita como um bonito garrote de modo a salientar as veias do pulso para as cortar de seguida, pondo fim à nossa miséria, ou ainda pode servir para cortar a respiração através de enforcamento. É praticamente um canivete suíço.
Se há coisa que me deixa perplexo é o cartão de cliente. Esta prática de ter um cartão de cliente alastra-se a tudo o que são lojas, não sendo raro ver os clientes com uma carteira à parte só para albergar os vários cartões de clientes. E. o mais curioso de tudo, a maior parte dos clientes nem sabe para que é os cartões servem. “Tenho aqui um cartão, ou lá o que é, nem sei para que serve.”, ou então “Acho que tenho aqui um cartão vosso, isto serve exactamente para quê?” Quando eles dizem estas frases, os seus olhos brilham e o seu rosto ostenta uma curiosidade quase pueril, muitas vezes mostrando alguma dificuldade em conter a excitação. Porquê, pergunto eu? É apenas um cartão. Os clientes perguntam isto de uma maneira que faz-me sentir tentado a dizer: “Esse cartão dá-lhe automaticamente o super-poder da visão raio-x e força sobrenatural. Vai passar a conseguir saltar arranha-céus de uma só vez, fugir às bichas na ponte e às férias na Caaparica. Ah, e também acumula 10% de tudo o que compra, para depois receber um vale de desconto, mas isso pouco ou nada interessa!”.
É prática comum ligarmos para outras lojas para reservar ou pedir que transfiram algum livro. E, é também bastante comum esse acto, aparentemente elementar, demorar uma eternidade, e também revelar-se infrutífero, com o colega a não encontrar o livro. Depois de vários e longos minutos colado ao telefone à espera de um qualquer livro, fico sempre à espera de o caro colega do outro lado da linha diga o seguinte: “Olhe, não encontrei o livro que me pediu, mas, ali atrás de umas estantes encontrei o Santo Gral, não sei se lhe interessa , veja lá, você é que sabe…”
Uma das nossas colegas fez uma pequena operação cirúrgica às orelhas. Foi algo meramente estético, sem qualquer complicação, mas que, ainda assim, a obrigou a usar durante alguns dias uns enormes pensos brancos nas orelhas. Por muito que tentasse ocultá-los com o seu cabelo, eles eram por demais evidentes. Ora os clientes, simpáticos como sempre, não conseguiam desviar o olhar, algo que a incomodava. Claro que eu, altruísta como sempre, sugeri-lhe uma maneira de se divertir com a situação. Era muito simples, sempre que algum cliente ficasse especado a olhar ou referisse algo, ela diria apenas que tinha sido atacado por um bando de morcegos raivosos à saída do trabalho. Ela não achou piada. O humor não é o seu forte. E pelos vistos o meu também não.
Estava eu no balcão, sossegado como sempre, compenetrado no meu trabalho, quando surgem duas senhoras brasileiras junto ao balcão. Primeiro pedem-me calendários do mundial. Não temos, nunca tivemos, facto que as deixou deveras incomodadas: “Como é que é possível, no Brasil há em todo lado né?” Tem toda a razão, mas o mais provável era levar o calendário e ser raptada mal saísse da loja. Mas o importante é o calendário. Depois deu uma volta pela loja, viu uns livros e voltou para falar comigo: “Oi, você pode ler enquanto trabalha?”, pergunta ela, pertinentemente. Efectivamente posso ler enquanto trabalho, mas não dá muito jeito ler Paul Auster enquanto se carregam pilhas de 30 livros. Levem isto como um conselho. Respondi que não, não podia ler durante o horário de trabalho. Claro que toda a gente passa os olhos por um livro ou outro, mas não vou dizer isso a um cliente. E qual é a resposta dela? “Ah, então não quero trabalhar aqui não!”. E foi embora. E eu lá fiquei. A ler, porque não estava para me chatear muito. Ser Livreiro às vezes tem as suas vantagens. Às vezes…

7 comentários:

Anónimo disse...

Naizinho?

O Livreiro disse...

Belos comentários Sr. Santo. Isso é que é ajudar à discussão, puxar o debate, fomentar uma salutar troca de ideias. Força nisso, continua assim.
Onde é que foi plagiar isso?

Anónimo disse...

Se colocarmos pólvora em cima da capa do livro podemos utilizar a fitinha para fazer um rastilho e enviar assim um diário da tua ausência para o espaço.

O Livreiro disse...

Até não seria má ideia, não fosse o facto de o livro poder ser lido por alguém (ou por alguma coisa) no espaço, algo que poderia trazer consequências nefastas.

Anónimo disse...

O que iria para o espaço seria apenas poeira logo ninguém conseguiria ler. Felizmente!!!!!!

Anónimo disse...

Pena que isso não possa acontecer na realidade... Seria uma felicidade!

Trilby disse...

Deviam oferecer o calendário do mundial a quem fizesse o cartão cliente. Também podias ter respondido às senhoras brasileiras que quem fosse apanhado a ler, enquanto trabalhava, lhe eram cortadas as orelhas. ;)