terça-feira, abril 18, 2006

Portanto, A mais I igual a AI?

Fui trabalhar na sexta-feira passada. O caminho para o trabalho foi normal (condutores loucos, cabras a atravessar a estrada, enfim, o costume) mas, quando dobro a esquina para ir abrir a porta da loja, sou logo presenteado com uma senhora a dizer ao seu filho, que chorava desalmadamente: “ENTÂO JOAQUIM MANUEL O QUE É QUE O ANORMAL DO TEU PAI TE FEZ? DOU LHE JÁ UMA CARGA DE PORRADA! PARA DE CHORAR TU TAMBÉM!”. Pensei em parar e reflectir na estranheza da situação, mas depois lembrei-me de que era feriado, estava tudo explicado… Claro que, mesmo que tivesse com algum tipo de dúvidas, o facto da primeira cliente do dia ter me ido perguntar a localização de um livro porque, segundo ela, “SOU PREGUIÇOSA, NÂO SOU CAPAZ DE PROCURAR NADA”, veio logo reforçar a minha tese, era mesmo feriado.
Por muito que tentemos comunicar com certos clientes, fica no ar aquela sensação de que nós não nos expressamos no mesmo idioma. Não são raras as vezes em que repetimos uma frase vezes sem conta e o cliente, como se não fosse nada com ele, ignora completamente o que dizemos. Vejamos o seguinte caso: uma senhora chega ao balcão, calmamente, e pergunta se temos um qualquer livro. Consulto a base de dados, verifico que não temos o livro, e vejo as lojas em que ele existe. Passo então a comunicar à senhora que o livro apenas se encontra disponível no Chiado e no Vasco da Gama. Ora bem, quando eu esperava o lógico “pode encomendar?” ou o “pode reservar lá?”, surge um inesperado: “E em Cascais, há?”. O facto de eu ter dito que SÓ havia no Chiado e no Vasco da Gama não interessa, posso estar a omitir algo, estes livreiros não são de confiança. Algo falhou na comunicação, imagino o cliente a olhar para mim e a pensar: “Ele está à minha frente, e está a mexer a boca, logo deve estar a falar, mas… Estranho… Não ouço qualquer som… É melhor perguntar se há em Cascais, não vá ele enganar-me…”
Depois há também o hábito dos clientes estarem enganados relativamente ao nome de um livro ou de um autor (ou de ambos), e jurarem a pés juntos que tem razão.Uma senhora idosa aproximou-se do balcão e, sem perder tempo, perguntou: “Tem aí mais livros da Amanda Cunha?”. Eu fiquei naturalmente apreensivo, que senhora tão decidida era aquela, nunca tinha ouvido falar dessa autora. Bom, lá fui eu à base de dados e, obviamente, não surgiu nada. Enquanto pesquisava a senhora ia falando: “Gosto muito da Amanda Cunha. Comprei um livro dela e já li todo e gostei muito, gosto muito. Não conhecia a garota, mas agora gosto muito, esta Amanda Cunha”. Disse-lhe, com todo o cuidado, que não surgia nenhum livro dessa autora da base de dados e que, possivelmente, assim numa hipótese remota tipo Sporting ser campeão, que a senhora devia estar a equivocar-se no nome da autora. Eu posso quase jurar que lhe saíram dois chifres da cabeça e que lhe surgiu uma cauda pontiaguda por baixo da saia. O cheiro a enxofre já lá estava. “NÃO TEM?! COMO É QUE NÃO TEM?! ISSO É IMPOSSÍVEL! EU LEVEI O LIVRO DELA! E olhe, gostei muito… MAS TEM QUE TER! NÃO ME ENGANEI! É AMANDA CUNHA!”. Tentei mostrar lhe o monitor para ela ver como não surgia nada, mas ela não quis olhar porque tinha medo que lhe sugasse a alma. Pensei em começar de novo, perguntei-lhe o nome do livro. Se a senhora se recordasse do nome do livro, o nome da autora iria surgir e aí ficava tudo esclarecido. “NÃO ME LEMBRO DO NOME DO LIVRO! SÓ SEI QUE É DA AMANDA CUNHA!”. Nada feito. A senhora insistiu até eu lhe arranjar uma solução adequada. Disse-lhe para voltar à loja no dia seguinte, com o livro que comprou e que aí nós tirávamos todas as dúvidas. “ENTÃO EU VOLTO E O SENHOR VAI VER QUE É A AMANDA CUNHA!” Claro que eu não referi, meramente por lapso, o facto de no dia seguinte estar de folga. Mas isso é irrelevante para o caso. Conclusão, o que a senhora procurava mesmo era Amanda Quick. Quick, Cunha, é normal, são dois nomes tipicamente portugueses. Quantos merceeiros ou talhantes não há por aí com esse nome? “OH SHOR QUICK, DÉ ME AÍ TRÊS COSTELETAS DE BORREGO FACHAVOR!”. Não levo a senhora a mal.
Depois há sempre aquelas clientes que vivem no seu mundo superior, tendo só algum contacto com o resto da humanidade quando vão comprar livros e pensos higiénicos. Bom, sendo que a parte dos livros me toca a mim (vender pensos seria, admito, interessante, acho que há terreno para explorar nesse mercado, para quando os pensos com música?) lá tive de atender uma dessas clientes. Queria o livro “NEW POOL DESIGN” para a filha. Depois de me dizer o nome do livro, perguntou arrogantemente: “Mas sabe escrever?”. Tocou num ponto sensível. Esta pergunta, para quem tem a quarta classe tirada à noite (e com cábulas) dói muito. Lá tive de explicar à senhora que não sabia e que, aliás, nenhum dos meus colegas sabe. Ler e escrever não são factores preferenciais para o trabalho numa livraria. Um ou dois de nós ainda arranham a leitura (a mim, custa me ler palavras com LH e NH, mas ainda me safo), mas escrever? Ninguém sabe. Estas pessoas, que vão para as livrarias a pensar que sabemos ler e escrever… Como é que é possível viver nessa ilusão? Os meus mais sinceros pêsames.

5 comentários:

Anónimo disse...

Digo-te se me disseres porque é que um Santo quer saber.

Anónimo disse...

E o que confessas?

Anónimo disse...

Nop, é para tu te confesares ao santo...

Mike disse...

Hilariante,mas infelizmente verdade.

Como é possivel pensar que a malta que trabalha (em qualquer profissão) saiba escrever??? Esta gente pah, é o que dá ouvir as noticias através do carteiro e do Manuel Luis Goucha.

O Livreiro disse...

Nem mais.