segunda-feira, setembro 24, 2007

Tal Como Jig-me Ling-pa disse a Jig-me Gyal-wai Nyu-gu

Há quem se interrogue, e, admita-se, que eu sou pessoa para admitir coisas com uma inusitada facilidade, com toda a razão, onde é que eu ando. Certamente que muitos de vós, imbuídos do mais profundo e benemérito espírito de simpatia, crêem que eu li “O Segredo” e me tornei, assim, com toda a simplicidade, da noite para o dia, num milionário excêntrico. Não, com mais pena minha do que vossa, não ganhei o Euromilhões ou sequer li o Segredo. Até porque por o título de “Segredo” em algo que milhões de pessoas lêem é triste. Se fosse segredo ela não contava a ninguém, a mal-formada. Bom, se alguém enriqueceu foi mesmo a autora e parabéns para ele por explorar, perdão, ajudar milhões de pessoas por esse mundo fora.
Sou rico, isso sim, em experiências e acontecimentos rocambolescos, para deleite do ocasional leitor. Ser rico em coisas dessas não ajuda muito na vida. Já experimentei dizer que vou pagar a prestação da casa com uma história sobre clientes que fazem isto e aquilo. Não resultou. Com a do carro também não. E com a escola da minha filha, também não. E olhem que eram historias das boas. Ao contrário das que vou contar a seguir.
O Dalai Lama esteve cá em Portugal. Consta que disse que há muitas afinidades entre Portugal e o Tibete. Principalmente em termos de invasão chinesa. Como tal, tivemos uma campanha especial sobre o senhor e os seus dizeres, com livros variados sobre o Budismo. Há um em particular que nos tocou a todos pela sua simplicidade. “O Caminho da Grande Perfeição”. Deixo aqui, se me permite, o primeiro parágrafo do prefácio de Sua Santidade o Dalai Lama: “Jig-me Gyal-wai Nyu-gu, que foi um dos mais eminentes discípulos de Jig-me Ling-pa, o grande mestre do Dzog-pa Chen-po Long-chen Nying-thig, proferiu um ensinamento oral sobre Long-chen Nying-thig e o seu discípulo Dza Pal-trul Rinpoche transcreveu-a, intitulando-a KUNZANG LA-MAI ZHAL-LUNG”. Cá está, eu proponho desde já este livro como parte integrante do plano nacional de leitura. Qualquer criança em fase de aprendizagem adorará ler passagens como esta.
Muitas pessoas não ficaram indiferentes à vinda de Sua Santidade. Os livros venderam-se bem e levantaram a curiosidade de algumas crianças. Uma delas perguntou à mãe quem era o Dalai Lama. E a conversa foi a seguinte:
- Mãe, quem é o senhor careca?
- É o Dalai Lama.
- Quem é o Dalai Lama?
- É o líder do Budismo.
- O que é o Budismo?
- É uma religião.
- Mas o que é que ele faz?
- Ele é o líder religioso.
- O que é isso?
- Então, ele é líder dos recursos humanos do Tibete.
Como toda a gente sabe, o Dalai Lama tinha passado antes pela contabilidade e pelo marketing, mas foi nos recursos humanos que encontrou a sua vocação.
Na semana passada, devido à transladação dos restos mortais de Aquilino Ribeiro, surgiram novas edições dos seus livros, e com eles uma acrescida procura das suas obras. Um cliente, ciente do que se passava, ligou para cá:
- Bom dia, tem aí o Malhadinhas?
- Ainda não recebemos a reedição.
- É que hoje vão lhe levantar o esqueleto, e mandá-lo lá para o outro lado, e enquanto mexem nos ossos vão ler o Malhadinhas.
- Ah…
Que maneira tão carinhosa de se referir aos restos mortais do grande Aquilino.
Não quero parecer paranóico, mas acho que o Jel ligou para aqui a gozar comigo. Ligou para cá um cliente, com a voz exactamente igual a um dos bonecos do Jel, com a seguinte conversa:
- Ora então bom dia.
- Bom dia.
- Tem prosas?
- Provas? De que ano?
- Prosas. Provas. Prosas.
- ??
- Então. Há poesias. E há prosas. Tem prosas?
- Sim, temos livros em prosa. Que autor procura.
- É um qualquer, que é para oferecer. Mas tem que ser prosas. Tem ai prosas?
- Sim, temos variados livros em prosa, é só uma questão de o senhor vir cá e ver o que lhe parece mais adequado.
- Mas é prosas?
- Exacto.
Jel, se foste tu pá, quase me apanhaste. Se não, foi apenas mais um acontecimento que não servirá para me pagar nada. Nem um queque.